Em que medida foi o processo de expansão ultramarina determinante para transformar a Europa num espaço de relações e de novas mentalidades? É a questão sobre a qual se ocuparão as próximas linhas deste ensaio.
Sucederam avanços de toda ordem: na tecnologia náutica e cartografia, na ciência e na medicina, entre os quais se destaca a definitiva confirmação que o planeta Terra é esférico e não um disco; o aperfeiçoamento técnico dos instrumentos de marear, como foi o caso da bússola, astrolábio, sextante e balestilha, assim como as novas soluções medicinais resultantes do confronto com novas doenças.
Sucedeu uma dilatação da doutrina da fé cristã, sobretudo com as missões, sobre as quais a Companhia de Jesus teve principal relevância, sendo o ensino, a missionação e a propagação da fé dos seus principais objetivos.
Criaram-se e resgataram-se imaginários e mitos, que ficaram imortalizados na cultura europeia através da literatura, da oralidade e das artes, como foi o caso do Reino de Preste João, algures perdido entre a Ásia e a África, ainda indefinidas e depois identificado com a Etiópia, ou como sucedeu com a visão medieval sobre as regiões do oceano Índico, onde se imaginava uma abundância infindável de riqueza e de criaturas fabulosas. Também o reavivar do mito da Atlântida deve ser tido em conta e a procura do Eldorado nas Américas.
Internacionalizaram-se as línguas europeias e importaram-se alguns termos que ainda hoje utilizamos (chá, chávena, ananás, maracujá).
Alargaram-se os horizontes culturais através dos novos produtos importados (especiarias, as sedas, as porcelanas) e também do contacto com outros povos, possibilitando uma visão alargada em termos geográficos e etnológicos e afirma-se a diversidade do género humano.
A política externa adquire um novo significado e importância, reforçando-se e privilegiando-se as relações diplomáticas entre países; porém, este processo foi também pautado pelo aumento das rivalidades, não só no plano continental e das questões de fronteiras e territórios, como também no plano ultramarino, com a disputa de zonas de influência, comércio e colonização.
Há uma maior projecção económica da burguesia mercantil e enfraquecimento da nobreza senhorial e feudal, o que leva à reestruturação e reorganização dos estatutos sociais, embora de forma «oficiosa»; a alta burguesia ascenderá à nobreza e manterá os seus valores (como os banqueiros Médici , de Florença, cuja família dará várias rainhas à França, por exemplo), assim como se mantém a noção tripartida da sociedade (clero, nobreza e povo).
Sucede uma certa decadência das cidades italianas, tão importantes no século XIV e XV para o comércio com o Mediterrâneo. Isto resulta da mudança do eixo económico, que passa para o oceano Atlântico.
Ao formar-se o sistema colonial, activa-se a economia e o comércio, mas também a migração de pessoas para fora do continente.
Entretanto, com o desenvolvimento das colónias sucedem rotas comerciais que resultaram num enorme afluxo de metais para a Europa proveniente da América, como o ouro do Brasil (Minas Gerais), ou a prata da Argentina (expedida da colónia de Sacramento, longamente disputada entre portugueses e espanhóis) e das minas de Potosi do Peru. Criam-se rotas em torno de produtos de alto rendimento como os escravos. O esclavagismo assume moldes capitalistas, onde seres humanos são comprados, vendidos e tratados como objectos numa escala e num esquema produtivo e comercial nunca anteriormente alcançados.
Surge a noção de Eurocentrismo, isto é, de hegemonia europeia sobre o mundo, que inspiraria políticas imperialistas, derivada da crescente afirmação das monarquias absolutistas europeias e da ideia de que é lícito a ocupação de outros territórios em proveito próprio e em nome de uma supremacia religiosa e cultural.
Delumeau, J. (1994) – A Ásia, A América e a Conjuntura Europeia. In A civilização do Renascimento I (P.49-72). Lisboa, Editorial Estampa.