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Papas e imperadores na Idade Média – parte 3

Papas e imperadores na Idade Média – parte 3

Parte 3 – Da Querela de Investiduras a Inocêncio III.

 

Um desenvolvimento significativo da reforma papal iniciada em 1049 foi a querela das investiduras, em que o ponto fundamental da discussão foi o facto de reis e imperadores, por todo o Ocidente Medieval, deterem o controlo sobre o destino do trono papal, nomeando e investindo na dignidade eclesiástica candidatos da sua preferência, sem qualquer intervenção do papado ou de qualquer instância da hierarquia eclesiástica. Os monarcas franceses chegavam a produzir negócios lucrativos a vender os bispados por bom dinheiro!

A Investidura era uma cerimónia que consistia na transferência de propriedades e direitos, através da entrega do báculo e anel pelo representante do poder temporal (monarca; imperador) a um representante do poder espiritual, um oficial da Igreja. Por sua vez, esse oficial deveria colocar as suas mãos entre as do representante do poder temporal e prestar-lhe homenagem.

Assim, a concessão de um bispado assimilava-se à concessão de um feudo e tal como vimos no caso dos bispos-condes, os eclesiásticos distinguiam mal as suas funções pastorais das suas funções feudais. A confusão entre função eclesiástica e benefício feudal foi, como vimos no texto anterior, total. É contra isto que surge a reforma gregoriana e sobretudo toda a polémica em torno da querela das Investiduras, que o Papado reclama como sendo apenas da sua competência.

Esta querela tem um longo prólogo de acontecimentos, mas assume uma posição mais activa a partir de 1059, quando o papa Nicolau II (1059-1061), revolucionou o método das eleições papais. Os papas deixaram de ser escolhidos pela voz do povo e do clero de Roma, e passaram-no a ser colegialmente pelos cardeais, isto é, os principais bispos da cidade, em conclave secreto. Esse órgão, deveria estar livre de interferências imperiais, caso que não agradou ao poder temporal.

Entretanto, na retaguarda do Papa Nicolau, estava uma das figuras mais poderosas de sua época, Hildebrand, arquidiácono de Roma. Este iniciou sua carreira aceitando, deliberadamente, o exílio com um dos papas depostos durante o Conselho de Sutri. Gradualmente, Hildebrand conseguiu o apoio do papado e da própria cidade, tendo vindo a ser consagrado em 1073, tomando o nome de Gregório VII (1073-1085).

A querela eclode com a disputa entre o Papa Gregório VII e o rei Henrique IV da Alemanha, quando Henrique reivindicou o antigo direito real de investir um oficial eclesiástico no cargo, com os símbolos do poder, mantendo efetivamente o controle sobre a seleção e direção dos bispos e clérigos locais.

A posição papal ficou devidamente explanada no Dictatus Papae de Gregório (1075), que enfatizou o lugar do papa como a autoridade mais alta da igreja.  Trata-se de um conjunto de 27 proposições que definem os poderes do pontífice: apenas o papa, em nome de Cristo, tem um poder absoluto e universal; ele é o chefe da Igreja e, por isso, está acima de todos os príncipes laicos que pode depor sempre que estes não respeitem os direitos de Deus e da Igreja. A excomunhão e a deposição dos imperadores encontram-se aí justificadas.

Da investidura secular passou-se para a superioridade da autoridade espiritual sobre a autoridade temporal.

Para os monarcas e príncipes, os decretos de 1075 eram um atentado à sua autoridade, e, por isso, não foram publicados nem Inglaterra, nem na Espanha, nem no Império.

Quanto ao império, era importante manter o seu papel político, por isso, os bispos apoiam Henrique IV quando este enceta a luta contra o papa Gregório VII, proclamando a sua deposição, o que leva à ratificação pelos bispos alemães e lombardos.

O papa replicou excomungando o imperador, destituindo-o e desobrigando os seus súbditos dos respectivos juramentos de fidelidade. Destarte, Henrique IV, vê-se ameaçado por revoltas na Germânia e pelo abandono dos bispos, e submete-se a uma penitência pública e implora o perdão do papa. Gregório VII absolveu-o mas recusou-lhe a restituição dos seus direitos, o que permitiu a Henrique IV retomar a luta. Assim, o papa renovou as suas sentenças de excomunhão e de deposição. Em retaliação o imperador elegeu um antipapa, Clemente III, mas que não consegue impor fora do Império.

Gregório VII morre em 1085, tendo conseguido tornar o Papado independente e fazer aplicar, em parte, a reforma eclesiástica. Um dos seus sucessores, Urbano II (1088-1099), restaurou o prestígio de Roma quando lançou a Primeira Cruzada em 1095.

A importância da querela de investiduras reside no facto de ter sido o primeiro grande confronto entre o poder temporal e espiritual, entre império e papado, e com um desfecho victorioso para a Igreja.

Porém, a negociação relativa à Querela de Investiduras ainda não tinha terminado. Chegou-se a um primeiro acordo, entre o papa Calisto e Henrique V, na Concordata de Worms (1122). Nesta ficou instituído que, na função episcopal, o aspecto temporal não tinha qualquer ligação com o espiritual. As eleições episcopais e abaciais deveriam seguir as normas canónicas, embora pudesse haver a presença de um representante do Imperador. Por seu lado, o Imperador renunciaria à investidura do báculo e anel, símbolo do espiritual, mas podia na mesma proceder à investidura do bispo nos seus cargos políticos e bens, o que fazia com o ceptro real recebendo depois um juramento de fidelidade por parte dos bispos.

Embora esta concordata tenha posto fim à Querela das Investiduras, enquanto processo que foi, a Concordata pôs término à questão da inter-relação do poder temporal com o espiritual, isto é, à tentativa recíproca de papas e Imperadores de dominarem uns sobre os outros.

O século XII foi um período de crescimento e transformação, durante o qual o ímpeto da Reforma Gregoriana terminou e o papado se ajustou às novas realidades trazidas pelos acontecimentos do século anterior.

O centro espiritual da igreja, isto é, o papado, evoluiu para uma grande instituição administrativa e burocrática, tornando-se, de certa forma, a mais alta corte de apelações, exercendo jurisdição em uma ampla gama de questões jurídicas e criando máquinas legais de grande sofisticação.               
Considerando que todas as estradas antes levavam a Roma para consolo espiritual, agora elas também levavam para o julgamento de disputas legais.

Assim, com o papado independente e autónomo, iniciava-se, então, um novo conjunto de obstáculos e problemas de organização e gestão que deveria enfrentar.

Perante este movimento de transformações, o papado também se adaptou às mudanças nas condições sociais, religiosas e políticas, algumas das quais eram de sua autoria.

Os novos procedimentos eleitorais instituídos pelos gregorianos não resolveram as questões relacionadas à sucessão papal na totalidade, o que originou os dois cismas do século XII: entre Anacleto e Alexandre III (1159-1181). Este último foi causado por renovadas tensões entre o papado e o imperador Frederico I, Barbarossa, que acabou por ceder o seu favor ao papa legítimo, Alexandre III.

O cisma alexandrino resultou ainda numa reforma do processo eleitoral dos papas. Ficou decidido, no terceiro Concílio de Latrão (1179), que fosse exigida uma maioria de dois terços dos votos dos cardeais para eleger um papa.

O papado também enfrentou desafios colocados pelos esforços das cidades italianas para garantir a independência do controle imperial ou episcopal e pelo crescimento de heresias, especialmente as dos valdenses e albigenses. Inocêncio III (1198–1216) respondeu com maior fervor aos desafios enfrentados pela igreja. Um dos papas mais jovens a ascender ao trono, Inocêncio, teólogo e advogado, revigorou a instituição.

Bibliografia


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Abril de 2020]. Disponível na Internet: https://archive.org/details/europe_middle_ages_1910_librivox

Imagem: Inocêncio III

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