Parte 2 – Da aliança com Pepino “o Breve” ao princípio da reforma Gregoriana.
A partir do momento em que o Papado estabeleceu um vínculo com o primeiro monarca da dinastia carolíngia, Pepino, o Breve, não só adquiriu a protecção de um forte aliado como também se desvinculou de Constantinopla. Com efeito, em 769, um decreto emitido pelo conselho responsável por regular as eleições Papais, determinou que as notícias da eleição do Papa seriam transmitidas à corte franca e não mais a Constantinopla. Em termos políticos esta aliança teve grande importância, pois, os monarcas francos, estavam a afirmar o seu poder e controlo perante todos os outros reinos, o que permitia ao Papado deixar de estar à mercê das disputas dos interesses pelo seu trono.
Um evento que vem a reforçar esta aliança franco-Papal sucedeu quando Carlos Magno intercedeu a favor do Papa Leão III (795–816) no seu julgamento, conseguindo ajudá-lo a conquistar a sua inocência. O Papa precisava de restaurar a sua autonomia e independência no trono de S. Pedro e, Carlos Magno, precisava de assegurar a sua ligação ao Papado e beneficiar politicamente dela. Em retorno, Leão III coroou o imperador romano Carlos Magno no dia de Natal, no ano de 800. Assim, Carlos Magno é também uma figura preponderante para compreender a história do Papado, pois apesar de necessitar do «aval» do Papado para legitimar e validar o seu poder, a sua autoridade sobrepunha-se a esse último.
Convém esclarecer que essa relação de dependência não foi estabelecida ou imposta pela dinastia carolíngia, antes, sim, pelos seus antecessores romanos e bizantinos, que, quase desde sempre, detiveram um controlo considerável sobre a igreja franca e o destino do Papado. Os monarcas francos foram herdeiros desse processo. Por outro lado, o Papa também exerceu influência nos assuntos carolíngios, mantendo o direito de coroar imperadores e, às vezes, intervindo diretamente em disputas políticas.
Quando nos séculos IX e X a dinastia carolíngia e o seu império estabelecido na Europa central, entraram em declínio, o Papado retomou uma posição de fragilidade perante os nobres locais. A competição pelo controlo do trono Papal e pela sua extensa rede de patronos, mecenas e aliados enfraqueceram a instituição.
A partir deste momento orientaremos a narração os eventos sucedidos no reino Germânico, dado que para lá se transferiu a esfera do poder sobre a Europa ocidental. Os eventos que se seguem encaminharam o destino das relações entre Papas e imperadores para uma nova configuração.
Após a morte do último monarca carolíngio, na Germânia, é instituído um processo de eleição dos monarcas, derivando em lutas internas. Se a Germânia já era um reino composto por um conjunto de regiões e ducados não unificados, continuaria dividida e fragilizada perante os outros reinos.
Esta forma de governo deu margem aos barões para seleccionar figuras reais de fraco perfil governativo e fáceis de manipular. O primeiro rei eleito foi Conrado da Franconia, durante o reinado do qual o sistema feudal criou raízes mais profundas. Sucede-lhe um monarca anglo-saxão, Henrique I, cuja principal preocupação foi controlar os senhores feudais e restringir a ofensiva húngara, sobretudo através de acordos de paz, que deveriam durar apenas 9 anos e que eram pagos anualmente aos húngaros. Este caso que provocou sentimentos de repulsa pelo monarca anglo-saxão, entre os senhores alemães, dado que se tratava de uma relação financeira pouco vantajosa para a Germânia. Entretanto Henrique I alterou a sua estratégia, promovendo a construção de fortificações e burgos ao longo das suas fronteiras, defendidos por militares e administrados por funcionários.
Por esta altura, dá-se também uma importante reforma no poder real empreendida pelo duque da Saxónia, Henrique, o Passarinheiro, no século X. Com ele, termina a tradição de dividir o reino entre os filhos do rei, passando a designar um dos filhos do rei como rei. Isto fez da Coroa uma instituição pública em vez de uma propriedade da família passível de ser repartida, transição que se terá feito gradualmente terá uma longa evolução. Este monarca, contraiu matrimónio com uma rainha germana, e ambos tiveram o herdeiro que irá tomar novo controlo sobre o trono Papal e reabilitar o império de Carlos Magno, Otão I, sucessor de Henrique I.
O seu reinado consistiu na repressão victoriosa e definitiva dos húngaros, na conquista do território da Dinamarca e da Boémia, na rearfirmação da sua autoridade perante os monarcas da Lotaríngia e da Bavária, substituindo progressivamente os condes e os duques por pessoas da sua confiança.
Assim, Otão I, conseguia tornar os ducados germânicos mais dóceis e cooperantes para com o seu monarca. Para algumas dessas regiões elegeu oficiais do clero, porém, estes acabaram por se revelar os seus piores inimigos, dado que a sua lealdade era para com o Papa e para com os seus próprios interesses. Otão I verifica a existência de uma oportunidade para interferir nos assuntos do Papado em Roma e obter maior poder político. Assim, o trono de S. Pedro, que atravessava um período de instabilidade. A ocasião dessa oportunidade surge aquando do assassinato do conde Lothair da Provença, um dos pretendentes ao trono italiano. A viúva de Lothair, Adelaide, uma princesa da Borgonha, apelou à Alemanha para vingar o acontecimento. Assim, em 951, Otão I, antecipando as suas ambições, atravessou a região alpina com um exército, resgatou Adelaide do assassino de seu marido, casou com ela e foi coroado rei da Itália em Pavia.
Entretanto, o Papa João XII (955–964) apela ao auxílio de Otão I. Este assente e dirige-se a Roma.
Em 962 dá-se a coroação imperial de Otão I por João XII e é criado o Sacro Império romano-germânico. Dez dias depois o Papa e o imperador ratificaram o Diploma Ottonianum, passando a designar o imperador como guardião da independência dos estados Papais, assim considerada a primeira garantia efectiva desta protecção desde o Império Carolíngio.
A coroação de Otão I foi um ponto de charneira na história da Alemanha, pese embora, na época, ter causado agitação. Otão pode empreender, sem interferências dos seus bispos e oficiais eclesiásticos, a reforma da Igreja alemã, podia confirmar os Papas nas suas possessões temporais, e insistir na prestação do seu juramento de fidelidade ao imperador antes de sua consagração. Devido a estas medidas, o Papado tornara-se aos olhos da Europa apenas um instrumento do imperador. Essa supremacia não foi contestada de forma activa, pelos próprios Papas, durante o reinado dos seus descendentes, até porque, alguns candidatos ao Papado eram alemães, prontos a reconhecer aqueles que garantiram a sua eleição. Porém, desacordos com o Papa João XII levou a que Otão I, em Novembro de 963, convocasse um sínodo de bispos para o depor. Coroou Leão VIII como Antipapa, que na época era um leigo, e reforçou os laços entre o Papado e os imperadores alemães.
Assim, o controlo sobre o destino do trono Papal passara dos monarcas francos para os monarcas germânicos.
Contudo, o imperador estava frequentemente ausente de Roma, o que proporcionava margem para os poderes locais se reafirmarem. Essa instabilidade resultou num período de guerra civil entre os apoiantes do ex-Papa João XII e os do imperador.
O seu sucessor, Otão II, prossegue com a política fraterna, mas no reinado de Otão III (996-1002), seu descendente, surgem novos problemas com as eleições Papais. Este instala o seu primo, Gregório V, no cargo de S. Pedro, na sequência de pedidos que lhe chegam de Roma, como protetor da Santa Sé, mas ambiciona para o Papado a adopção de um modelo de tipo Oriental, o Bizantino, que contemplava a fusão de comunidade secular e eclesiástica, encimado pelo «basileus», neste caso o Imperador, mas tal projeto não se concretiza.
Por esta altura, no século XI, as paróquias rurais funcionam como feudos, estando dependentes de grandes proprietários, os herdeiros dos fundadores dessas mesmas igrejas, situação que originou uma confusão entre a função eclesiástica e o benefício temporal. Esta situação deriva numa grave crise moral entre os clérigos, que se manifestou através da prática da simonia(compra e venda dos poderes sacramentais e dos cargos eclesiásticos, bem como de objectos sagrados) e do nicolaísmo(desordem dos costumes). Em consequência, os clérigos dão dinheiro para obter uma dignidade eclesiástica e, uma vez designados, fazem-se pagar por todos os actos do seu ministério, por administrarem os sacramentos ou por conferirem postos eclesiásticos. Até ao início do século XI, as condenações destas práticas simoníacas não têm a mínima eficácia e a situação não era melhor em França, nem na Germânia. Certos cargos episcopais são, inclusivamente, transferidos por via hereditária. Era evidente que o clero devia ser reformado e que essa reforma deveria começar no plano mais elevado da igreja, no Papado.
A isto associa-se também o facto de esta ser uma época de constante desordem política, guerras, pilhagens, homicídios, e violências de toda a ordem. Perante este enquadramento a Igreja propõe um movimento de paz, “A paz de Deus”, um ritual que contemplava a purificação e redenção dos homens. Mais tarde, Cluny, empreende o projecto da “trégua de Deus”, uma reforma monástica, que obrigava os senhores da guerra a suspenderem as suas actividades durante as datas sagradas, como o Advento, a Quaresma e a Páscoa.
Henrique II (1014-1024), sucessor de Otão III, dedicou o seu reinado a consolidar as relações entre o Estado e a Igreja, auxiliando-os a estabelecer e manter os seus poderes temporais sobre os territórios que governavam. Morreu sem deixar descendência, tendo-lhe sucedido por eleição Conrado II (1032-1039). Este fundou a sua própria dinastia, denominada de Saliana, que governou durante um século, aproximadamente. Conrado II deu seguimento às políticas religiosas de Henrique II.
No tocante aos sucessores italianos no trono Papal, pode dizer-se que estes deram continuidade ao clima de instabilidade que Otão I conseguira controlar. A dado momento havia três Papas em Roma, com os seus respectivos seguidores, a disputar o trono de S. Pedro.
É, então, no reinado de Henrique III (1046-1056), sucessor de Henrique II, que se iniciam os desenvolvimentos que viriam a alterar o destino das relações entre o poder temporal e o poder espiritual.
Henrique III (1046-1056), marcha para Itália e, no Sínodo de Sutri, depõe os três Papas e nomeia para o cargo um bispo alemão, Bruno, designado de Leão IX (1049–1054). Este Papa, para desgosto do sacro império romano-germânico, seria aquele que viria a semear a independência do Papado.
Bruno insistiu que deveria ser eleito legalmente pelo clero e pelo povo de Roma e, embora de sangue real, ele entrou na cidade com os pés descalços sob o signo da penitência. Ao contrário predecessores, após a sua consagração, manteve-se acessível aos inferiores e dedicou todo o seu tempo ao trabalho de reforma. Viajou pelos reinos do império e, onde quer que fosse, pregava o ideal de uma Igreja purificada, apoiado pelos monges de Cluni; mas, lado a lado com os seus sucessores também estabeleceu a predominância do Papado na Itália como potência temporal.
Quando introduziu reformas morais e institucionais no Conselho de Reims, deu início ao movimento da Reforma Gregoriana, nome dado ao movimento em homenagem ao seu líder mais importante, o Papa Gregório VII (1073-1085).
Os reformadores procuraram restaurar a liberdade e a independência da igreja e distinguir firmemente o clero de todas as outras ordens da sociedade. Enfatizaram o seu estatuto único e incrível responsabilidade pelo cuidado de almas individuais, tentaram pôr um fim às práticas de simonia (compra ou venda de ofícios espirituais) e do casamento clerical.
Foi também este Papa, Leão IX quem formou uma liga contra os invasores normandos e seus assentamentos a sul da Itália. Foi, contudo, derrotado por eles, e pouco tempo depois, veio a falecer. Os seus sucessores conseguiram dar seguimento ao processo de pacificação que os deixou senhores feudais da Apúlia e da Calábria.
Os sucessores de Leão IX, perceberam que para dominar os assuntos da península deveriam permanecer em casa, e, assim, enviaram embaixadores a todos os países estrangeiros, para expressar e explicar sua vontade.
O Papa sucessor, Nicolau II (1059-1061) deu sequência à reforma e, com a sua reestruturação das eleições papais, originou o movimento da querela de investiduras. Este importante da história entre Papas e Imperadores encontrará principal expressão e actividade com Gregório VII (1073-1085) e os imperadores alemães.
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Imagem: Wikipédia
https://en.wikipedia.org/wiki/In_nomine_Domini#/media/File:Robert_Guiscard_claimed_as_a_Duke.jpg