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Marighella vence prêmio Sesc: cinco breves considerações sobre o filme

Marighella vence prêmio Sesc: cinco breves considerações sobre o filme

O filme Marighella continua dando o que falar e sendo laureado. Na última semana, o longa-metragem brasileiro foi o grande premiado do Festival Sesc Melhores Filmes [1], vencendo nas categorias de melhor filme nacional (público e crítica), melhor diretor (Wagner Moura) e melhor ator (Seu Jorge, que interpreta Marighella). A entrega da premiação aconteceu na última quarta-feira (6 de abril), transmitida pelo Youtube. Maria Marighella, neta do líder revolucionário, recebeu o prêmio representando a equipe de produção do filme. O festival prossegue até o dia 27 de abril, com a exibição de diversas produções que concorreram nesta 48ª edição que definiu os melhores trabalhos de 2021.   

Marighella é um filmaço! Uma obra que certamente veio para ficar e será lembrada na cinematografia brasileira sobre os períodos ditatoriais do país, juntamente com Olga (2004) ou O que é isso, companheiro? (1997). Tive a oportunidade de assistir ao filme no cinema, mas não de escrever sobre. Farei agora não uma crítica, mas uma breve abordagem de cinco pontos que julgo interessantes sobre a produção, que envolvem aspectos técnicos, narrativos e de recepção (o modo como essa história foi recebida por público e crítica). Minhas impressões:

Maria Marighella recebe o Prêmio Sesc

1- A ousadia de Wagner Moura como diretor. Primeiro, pela escolha do tema em um momento como este, de recrudescimento do autoritarismo e ascensão da extrema-direita no Brasil. Escolha necessária, mas ousada. Ainda mais para um estreante na direção. Obviamente, ao falar sobre esse recorte do passado, Moura quer tratar também do tempo presente. Segundo, por conta de algumas escolhas técnicas, como estrear na direção de um longa-metragem logo com 2h40m de duração, quase todo com câmera na mão e steadicam [2]. A opção por esses dois movimentos de câmera reforça a tensão de algumas cenas de ação, como trocas de tiro e perseguições. O longa-metragem mostra logo de início ao que veio e já começa com um plano-sequência excelente [3], fazendo muito bom uso dos movimentos de câmera citados e com uma trilha sonora que combina tanto com o ritmo do plano-sequência quanto com o filme em geral (“Monólogo ao pé do ouvido”, de Chico Science e Nação Zumbi). As escolhas ousadas fazem a premiação de Wagner Moura como melhor diretor de 2021 ser mais do que merecida.

2 – A ingenuidade dos personagens – Marighella e cia – sobre o poder da comunicação, achando que se conseguissem ter suas mensagens difundidas pela imprensa iriam convencer o povo a aderir à luta. Marighella e seu grupo pareciam acreditar que o povo estava inerte porque não sabia o que estava acontecendo. Claro que o papel da imprensa, tanto a conivente quanto a coagida, era fundamental para a sustentação do regime ditatorial. Mas não era só isso. Hoje há muita informação circulando, inclusive sobre o que aconteceu naquela época, e mesmo assim muita gente defende a ditadura militar. Nunca foi somente uma questão de falta de comunicação, de “saber o que está acontecendo”, mas algo que envolve valores, ética, viés de confirmação, ideologia, cultura etc. As cartas revolucionárias transmitidas pela imprensa da época devido à ação dos grupos guerrilheiros eram logo sucedidas pela programação normal, de encobrimento ou apologia ao regime. Em tempos de rede social, ver os guerrilheiros terem aquele nível de esperança em esparsos comunicados de rádio/TV é bastante interessante.

3- Quase todos os personagens trazem um conflito entre a vida de guerrilha e a vida cotidiana em família. Esse conflito entre lutar ou “viver normalmente” para mim foi a coisa mais marcante do filme, embora tenha sido pouco destacado pela crítica. Marighella, seus companheiros de luta, o jornalista insurgente contra a ditadura, todos carregam esse drama. Guerrilheiros ou não, muita gente passa em maior ou menor grau por esse conflito. “Até que ponto vou viver normalmente como se nada estivesse acontecendo?”, “por que deixamos tudo isso acontecer sem fazer nada?”, quem nunca se perguntou essas coisas, ontem e hoje? Aqui é marcante o modo como, ao tratar de um recorte do passado, o diretor quer dialogar com o momento presente.

4- Sobre a recepção do filme: muitos bolsonaristas aderiram a um movimento organizado para derrubar a nota do longa-metragem no IMDb, a ponto de o site fazer mudanças no cálculo da nota [4]. Isso é bastante representativo e icônico sobre esse grupo: uma incapacidade de dissociar aspecto técnico de aspecto político. Não há minimamente interesse nas opções técnicas/estéticas do filme e certamente muitos nem o assistiram, resumindo tudo à divergência ideológica. Por que eu acho isso representativo e icônico? Porque é exatamente assim que a extrema-direita brasileira age com historia: não se interessam por historia e por aspectos técnicos da historiografia, nem entendem muito sobre esses aspectos, resumindo tudo à dimensão política, desconsiderando possibilidades nas dimensões científica, técnica, metodologica e epistemológica. “Condiz com a minha visão política? Então é a verdadeira história. Não condiz? Então é manipulação de professor doutrinador”. O mesmo modus operandi vale contra detratados como Paulo Freire e a pedagogia. E já que estamos falando sobre cinema, vale lembrar de Leni Riefenstahl, cineasta de Hitler e do nazismo, que dirigiu clássicos como O triunfo da vontade (1935) e Olympia (1938). Seu trabalho foi fundamental no desenvolvimento da linguagem audiovisual, principalmente no gênero documentário. Faria sentido negar a relevância de Riefenstahl para o cinema por conta da dimensão política? Fica a questão, mas minha resposta é não!

5- Ainda quanto à recepção, por parte da crítica especializada o filme foi questionado a respeito de certa falta de precisão histórica, optando por deixar de contar muita coisa e por não usar os nomes reais daqueles que inspiraram certos personagens da trama. De fato, vários personagens que vemos em Marighella, embora inspirados em pessoas reais, tiveram nomes trocados e históricos modificados. O personagem “Branco” (Luiz Carlos Vasconcelos) é inspirado no jornalista e líder comunista Joaquim Câmara Ferreira; o personagem Lúcio (Bruno Gagliasso), no delegado Sérgio Paranhos Fleury; Herson Capri dá vida a um jornalista inspirado em Hermínio Sacchetta, diretor de redação do Diário da Noite; e por aí vai. Alguns críticos não gostaram e, dentre as alegações, disseram que isso seria um tipo de apagamento de figuras históricas importantes [5] [6] [7]. Considero a crítica pertinente, mas em Marighella parece que a opção de Wagner Moura foi valorizar cenas de ação (economizando nas explicações históricas) e pôr o personagem principal em primeiríssimo plano, com os outros personagens (em geral muito bem caracterizados e interpretados, por sinal) compondo a trama sem concorrer com o Marighella de Seu Jorge. Será que seria uma boa ideia, por exemplo, nos tempos atuais em que tantos perderam a vergonha de defender a ditadura militar e a tortura, entregar nominalmente e literalmente um Sérgio Fleury como personagem de um filme de ação para ser reverenciado por uma ala reacionária da cultura pop? Marighella, por conta de suas tantas simplificações históricas, é menos um filme para retratar a história e mais um convite a estudá-la e conhecê-la, fazendo o convite pela emoção, identificação e engajamento. Há boas fontes por aí para quem quiser saber mais sobre as referências históricas nas quais o filme se inspirou [8] e sobre a vida de Carlos Marighella para além do filme [9].

Referências:

[1] https://melhoresfilmes.sescsp.org.br/

[2] http://www.monsterdigital.com.br/Blog/movimentos-de-camera/

[3] https://www.aicinema.com.br/conheca-5-filmes-e-cenas-incriveis-feitos-em-plano-sequencia/

[4] https://www.omelete.com.br/filmes/marighella-imdb

[5] https://www.youtube.com/watch?v=lfQoSKB6BfQ&t=345s

[6] https://www.youtube.com/watch?v=PCl9AqY5Kkw

[7] https://www.youtube.com/watch?v=zpm9UuIZksk

[8] https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/11/marighella-os-personagens-e-momentos-historicos-retratados-no-filme.html

[9] https://anchor.fm/historia-fm/episodes/016-Marighella-o-guerrilheiro-que-incendiou-o-mundo-e97os7?fbclid=IwAR06TBFo3dSA4CNSo_vA6LeB6T48h9goFULF1yDmSaJG9AmmWw66SxO4xSg  

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