Os motivos da crise.
A trilogia enunciada em epígrafe caracteriza o conjunto de fenómenos mais relevantes e determinantes do século XIV. Esta sequência de três textos é um ensaio sobre os motivos, as características, as consequências, as estratégias de recuperação e o desfecho para o desenvolvimento das populações europeias, relevando os aspectos positivos da conjuntura.
O início desta era de pobreza e de crise deveu-se a condições políticas, económicas demográficas, ecológicas e climáticas.
Política e economia ficaram assinaladas pelas sucessivas guerras entre ingleses e franceses como a Guerra dos Cem Anos, conflito entretanto alastrado a outros países europeus, bem como pela inflacção da moeda.
As guerras implicavam um esforço comum para se fazer face ás despesas, cobrando-se impostos extraordinários, sobretudo nas cidades, que tinham de reconstruir as suas fortificações e estar preparadas para confrontos.
A propósito dos conflitos bélicos, convém dizer que, por esta altura, verifica-se uma transformação progressiva entre o exército de tipo feudal, com base na cavalaria, para um moderno, com destaque para a infantaria (e em breve para a artilharia). A forma de recrutamento também mudou. Era cada vez mais comum os poderes centrais recorrerem ao serviço de mercenários, homens de guerra, que quando não combatem, pilham e roubam. Os períodos de tréguas também davam margem para longos momentos de destruição e pilhagem.
A moeda inflacionava porque as quantidades de impostos existentes na época contribuíram para a falta de metal precioso o que prejudicou a liquidez da economia. Nesta época deu-se também uma diminuição dos prazos para pagamentos e aplicavam-se embargos económicos sobre produtos essenciais ao desenvolvimento das regiões, como sucedeu com a lã, alvo de um embargo imposto pelos ingleses para forçar os flamengos a renegar a sua aliança comercial com a França. A resposta dos governos aos impostos papais fazia a diferença entre aliança ou excomunhão, o que constituía mais um factor de pressão.
No tocante à ecologia, é de salientar a relação do aumento demográfico, verificado entre o século X e XIII, com a expansão da população para terras aráveis. Porém, apesar de aráveis, não eram férteis, sendo utilizadas alguns anos de cada vez sem produzirem sustento suficiente para todos. Outro aditamento natural foi o clima, pois, a partir de 1290 inicia-se uma fase de clima frio, com anos intercalados por chuvas torrenciais ou secas prolongadas, originando uma série de anos de pouca produtividade agrícola e consequente inflacção de preços dos poucos produtos existentes.
Quanto ao comércio e às condições laborais, vivia-se uma época de instabilidade criada pela fluctuação de preços em tempos de prosperidade e pela inflacção em momentos de crise (desequilibro da lei da oferta e da procura). Nesta fase, os mercados que eram controlados pelas élites declinavam, enquanto os artesãos tentavam formar as suas próprias organizações e contribuir para a ascensão dos governos das cidades controlados por eles, havendo conflitos frequentes, de que foi exemplo o de Étienne Marcel em Paris (1357-1358). Nas áreas rurais o panorama não prosperava, pois, na Europa, o cultivo das grandes propriedades não era feita pelos camponeses rendatários (excepto na Inglaterra) mas por trabalhadores sem terra que se deslocavam constantemente, levando a que o camponês estivesse desprotegido dos abusos senhoriais. A subdivisão das terras também não permitia um nível de vida capaz. Estavam sujeitos a extorsões, ao pagamento de rendas mais elevadas, ao endividamento, o que levava a muitas famílias a dedicarem-se a mais do que uma actividade produtiva, nomeadamente a produção de cerveja ou a fiação de lã, a par da agricultura e a pecuária.
O surgimento da peste negra, originária da China e ainda existente, chegou à Europa em 1348, por intermédio dos ratos existentes nos navios. Transmitida através da picada de pulgas infectadas com a bactéria Yersinia Pestis, assumiu três formas: pneumónica (infecção dos pulmões); septicémica (envenenamento do sangue); bubónica (inflamação aguda e dolorosa dos gânglios linfáticos, espalhados por diversas regiões do corpo). A peste bubónica foi a forma epidémica da bactéria com maiores repercussões. A doença propagou-se rapidamente, servindo-se dos itinerários comerciais. Em Dezembro de 1347 chegou a Marselha, em 1348 estava em Paris e em Veneza, em 1349 tinha assolado Londres e Francfurt, grassando na Suécia apenas em 1350. Nem todas as regiões da Europa foram atingidas da mesma forma, sabendo-se que a Flandres, Milão e a Boémia tiveram número reduzido de casos. Contudo, a taxa de mortalidade desta epidemia foi extremamente elevada, tendo consumido entre um quarto ou um terço da população europeia, sobretudo nas cidades, mas também devassando as zonas rurais.
A peste negra não foi a única forma de enfermidade a assolar a europa, dado que entre o século XIV e XV surgiram outras pragas e epidemias (1358; 1361; 1368-69; 1374-75; 1400; 1438; 1470; 1480).
NICHOLAS, D. (1999). A reorientação económica e crise social na baixa Idade Média. In A Evolução do Mundo Medieval. Sociedade, governo e pensamento na Europa: 312-1500. Lisboa, Publicações Europa-América.