A semana passada abordei as forragens hidropónicas como alternativa para a alimentação animal, esta semana, a transição para a hidroponia destinada à alimentação humana surge naturalmente. Uma vez que ambos os temas partilham a mesma raiz: encontrar formas eficientes, sustentáveis e tecnicamente viáveis de produzir alimentos na Madeira. Sejam eles para o prado ou para o prato, o princípio mantém-se: aproveitar a água, a engenharia e o conhecimento para superar as limitações do solo e reforçar a autonomia alimentar da região. Em territórios insulares como a Madeira, onde a área agrícola é limitada e compete diretamente com outros sectores, como o imobiliário, e onde a orografia desafiante, marcada por encostas acentuadas, condiciona o uso do solo e encarece o transporte, a técnica da hidroponia apresenta-se como uma alternativa estratégica e promissora. Cultivar hortícolas em sistemas sem solo, utilizando água, nutrientes e luz num ambiente controlado, permite produzir localmente, de forma contínua e eficiente, mesmo quando a terra se torna um recurso caro ou inacessível.
Os benefícios da hidroponia em termos de eficiência de recursos são amplamente reconhecidos. Este tipo de cultivo reduz significativamente o uso de água, melhora o aproveitamento do espaço e minimiza os impactos ambientais associados à agricultura (Abdel-Razzak & Al-Shankiti, 2023). Em ilhas ou regiões de solo limitado, essa combinação de menos terra, menos água e mais produção, assume uma pertinência especial.
Para a Madeira, este cenário abre-se como uma oportunidade concreta. Um dos projetos explorados no arquipélago, o ISLANDAP, investigou a integração de sistemas de aquacultura com hidroponia (aquaponia) e reconheceu explicitamente a aplicabilidade da “produção de vegetais em sistema hidropónico em regiões ultraperiféricas”, como a Madeira (Ferreira & Sousa, 2023). Estes resultados mostram que a técnica não é apenas conceptual, mas verdadeiramente adaptável à realidade insular, com todos os seus desafios logísticos, climáticos e de recursos.
Na prática, imagine-se um produtor agrícola madeirense que instala uma pequena estufa hidropónica, cultivando alfaces, ervas aromáticas ou microverdes junto a centros urbanos ou mesmo em locais mais remotos. O investimento inicial, embora real, pode compensar-se através de:
- redução dos custos de transporte e das perdas pós-colheita;
- produção contínua (menor sazonalidade);
- maior frescura e valor acrescentado (hortícolas locais versus importados).
Além disso, sistemas verticais ou modulares podem aproveitar o espaço disponível — telhados, anexos de estufas ou estruturas já existentes, transformando “espaços subutilizados” em áreas produtivas eficientes.
A autonomia alimentar é, talvez, o ponto mais estratégico. Como observam Rajaseger, Kumar e Nair (2023), a hidroponia permite uma produção local e contínua, reduzindo a dependência das importações e dos fenómenos climatéricos adversos. Este aspeto é crucial para a Madeira: diminuir a dependência da longa viagem dos alimentos importados, reduzir vulnerabilidades a ruturas de abastecimento ou a flutuações de preços e reforçar a capacidade da ilha de fornecer hortícolas frescos produzidos localmente.
Claro que nem tudo são vantagens. Para aplicar esta técnica de forma viável na Madeira, é importante considerar fatores como o custo de instalação (estrutura, bombagem, iluminação ou climatização, se necessária), o custo da energia elétrica, a formação técnica dos produtores e o dimensionamento adequado: nem tão grande que se torne inviável, nem tão pequeno que deixe de ser rentável. Estudos apontam que os custos iniciais podem ser o principal obstáculo, tal como a necessidade de conhecimento técnico especializado (Souza, Martins & Oliveira, 2023). Ainda assim, o custo-benefício pode ser favorável se tivermos em conta as perdas associadas ao transporte, à perda de frescura e à dependência de cadeias longas.
Uma via promissora seria o desenvolvimento de pequenas cooperativas de produção de hortícolas hidropónicos, integradas em explorações agrícolas existentes ou em parques industriais regionais. A proximidade e a frescura dos produtos conferem valor adicional, ajudando a amortizar o investimento. Outro elemento essencial é a cooperação: aproveitar a rede de pequenas explorações da Madeira, associar-se em arranjos cooperativos, partilhar equipamento, conhecimento e logística de distribuição reduzindo custos per capita e aumentando a viabilidade do modelo. Estudos em ilhas do Caribe demonstraram que sistemas simplificados de hidroponia podem reforçar significativamente a segurança alimentar mesmo com orçamentos reduzidos (Gómez & Navarro, 2024). A sustentabilidade ambiental reforça o argumento: menos terra cultivada implica menos erosão, menos transporte e uma pegada de carbono inferior. Um estudo recente destaca que os sistemas hidropónicos constituem “uma estratégia de resiliência alimentar, especialmente em regiões com recursos limitados, solo degradado ou dependência externa” (Sirhan, Al-Ajouz & Al-Sa’ed, 2025).
Em síntese, a hidroponia alimentar pode representar para a Madeira não apenas uma inovação agrícola, mas uma verdadeira ferramenta de resiliência territorial. Produzir localmente, com eficiência hídrica e energética, diversificando fontes de alimento, é um passo decisivo rumo a maior autonomia e sustentabilidade. O “verde sem terra” pode, de facto, tornar-se uma realidade palpável — uma vida que brota da água, mesmo onde o solo é escasso, mas a vontade de inovar é fértil.
Referências
Abdel-Razzak, H. S., & Al-Shankiti, A. M. (2023). Sustainable vegetable production under hydroponic systems: A review of recent advances and challenges. Journal of Environmental Management, 343, 118362. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2023.118362
Cabello-Pasini, A., Rojas, D., & Espinoza, J. (2024). Hydroponic systems and resource efficiency in controlled-environment agriculture: A review. Frontiers in Sustainable Food Systems, 8, 132–148. https://doi.org/10.3389/fsufs.2024.1357294
Diaz-Delgado, D., Rodríguez, C., Bernuy-Alva, A., Navarro, C., & Inga-Alva, A. (2025). Optimization of vegetable production in hydroculture environments using artificial intelligence: A literature review. Sustainability, 17(7), 3103. https://doi.org/10.3390/su17073103
Ferreira, L., & Sousa, P. (2023). Aplicação de sistemas aquapónicos em regiões ultraperiféricas: O caso da Macaronésia. Revista de Ciências Agrárias e Ambientais, 20(4), 112–125. https://recipp.ipp.pt/server/api/core/bitstreams/bc314d82-626a-45be-ba6d-1ffa41feab3f/content
Gómez, R., & Navarro, R. (2024). Hydroponic vegetable production as a strategy for food security in island territories. Agronomy Journal, 116(2), 589–602. https://doi.org/10.1002/agj2.21596
Rajaseger, G., Kumar, A., & Nair, S. (2023). Hydroponics: Current trends in sustainable crop production. Environmental Sustainability Review, 15(3), 227–240. https://doi.org/10.1016/j.envsusrev.2023.02.005
Sirhan, H., Al-Ajouz, M., & Al-Sa’ed, R. (2025). Hydroponics as a sustainable water-efficient agricultural strategy for enhancing resilience and food security in the Gaza Strip. Natural, Built and Social Environment Health, 1(3), 6–20. https://doi.org/10.63095/NBSEH.25.774983
Souza, V. R., Martins, J., & Oliveira, P. (2023). Hydroponia urbana e vertical farming: Desafios e oportunidades para pequenos territórios. Energy Reports, 9, 1259–1274. https://doi.org/10.3390/en16041690



