EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Por que (não) internacionalizar a produção de conhecimento?

Por que (não) internacionalizar a produção de conhecimento?

Internacionalizar a ciência brasileira está na ordem do dia, e muito se tem discutido sobre medidas capazes de colocar em prática esse desafio. Trata-se de buscar maior visibilidade para a produção realizada por pesquisadores brasileiros, buscando aumentar a abrangência de pesquisas e as colaborações com instituições estrangeiras. Nesse sentido, a circulação da produção de conhecimento ganha relevo e o espaço no qual a pesquisa é publicada determina maior ou menor visibilidade e, consequentemente, reconhecimento para o autor que a produziu.

Atualmente, o desempenho de um pesquisador vinculado a uma Instituição de Ensino Superior brasileira pode ser mensurado por índices bibliométricos, que envolvem o número de acessos e citações que um artigo recebe: quanto mais citado, maior seu impacto e, consequentemente, sua qualidade. Assim, publicar um artigo em um periódico internacional, indexado a plataformas com grande número de acessos, pode ser o caminho para garantir um bom desempenho em avaliações realizadas por órgãos de fomento à pesquisa, como CAPES, cujos resultados culminam em maiores oportunidades na carreira do pesquisador.

Contudo, publicar nesse tipo de periódico requer do pesquisador grande habilidade que envolve o domínio da língua inglesa e do gênero discursivo da escrita acadêmica, o qual pode variar significativamente entre as áreas do conhecimento e os diferentes países. Isso porque, embora a ciência se queira um “saber universal”, no que se refere a forma como o conhecimento é textualizado, as regras de aceitação são determinadas pelos falantes de um espaço discursivo em particular. Isso significa que, enquanto falantes lusófonos, especialmente na área das ciências humanas, tendem a seguir um estilo de escrita inspirado na tradição clássica humanista cristã, na qual a linguagem era concebida como um dom divino e a eloquência cultivada como um ideal educativo, falantes anglófonos seguem outra tradição, que resulta em um estilo mais econômico, lúcido e preciso, conforme aponta a pesquisadora Karen Bennett (2007).

Dessa forma, observamos que internacionalizar a produção de conhecimento diz respeito a questões de política linguística: a língua inglesa é o passaporte para integrar a comunidade internacional e isso não deixa de ter implicações para os pesquisadores oriundos de países não-anglófonos. Além da necessidade de conformidade com as regras de uma língua e de um gênero estrangeiro, temos também questões de ordem prática. Uma delas diz respeito ao público leitor local de nossos artigos, sobretudo na área das ciências aplicadas, nas quais não apenas teóricos, mas também profissionais recorrem aos nossos textos para adquirir conhecimento. Um exemplo disso, é a área do ensino de línguas: as novas metodologias de ensino que chegam até as salas de aula são desenvolvidas a partir de pesquisas de cunho teórico. Outro exemplo é a área das ciências agrícolas, em que não apenas acadêmicos, mas, também, profissionais de atividades técnicos recorrem as pesquisas quando necessitam diagnosticar doenças ou atualizarem-se sobre o que há de novo na área. Diante disso, um questionamento parece relevante: restringir essas pesquisas a circulação apenas em inglês não estaria também promovendo um tipo de isolamento e exclusão? Nesse caso, a exclusão seria daqueles profissionais e pesquisadores locais que não falam inglês, e, portanto, não teriam acesso esses artigos.

Parece não haver dúvidas que, em tempos de globalização, o país que não garantir seu lugar na comunidade internacional está fadado ao um possível ostracismo científico, perdendo oportunidades de colaboração e diálogo internacional que nos são tão caras. Contudo, há ainda questões que merecem ser discutidas, instigando um debate que nos coloque em uma perspectiva menos ingênua e mais crítica.

Para autores não-anglófonos o fato de escrever seus textos em uma língua que não a sua, ou, ainda, de arcar com custos de traduções de seus textos para o inglês, pode representar um grande desafio e uma significativa desvantagem quando comparados as práticas de publicação de autores anglófonos. Além disso, o monolinguismo da ciência – uma comunidade científica anglófona – não deixa de significar exclusão e de forma alguma resolve de maneira definitiva as diferenças no cenário desigual da produção do conhecimento.  Mas, seria, então, a internacionalização da ciência algo negativo? Não creio que seja. Em tempos de globalização, pouco se pode fazer contra o fluxo da unificação (ainda que se trate de uma unificação assimétrica), porém, há de se abordar a questão de modo menos maniqueísta, reconhecendo nela as contradições presentes.

Eis o caráter ambivalente da internacionalização da produção de conhecimento: se, por um lado, disseminar nossa produção em inglês em veículos de maior reconhecimento nos daria maior visibilidade e representaria oportunidades de colaborações que certamente ampliariam as dimensões das pesquisas, por outro, poderia também implicar exclusões e poderia representar uma ameaça a nossa identidade enquanto pesquisadores lusófonos, na medida que exigiria que abríssemos mão de escrever em nossa língua materna, língua na qual (re)conhecemos o mundo e nos dizemos sujeitos de nossas escolhas desde sempre.

Referência

BENNETT, Karen. Epistemicide! The Tale of a Predatory Discourse. The Translator Special Issue: Science in Translation, vol. 13(2007), n. 2, pp. 151-169.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]