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Foresight em Saúde: Planeamento do Futuro em Territórios Vulneráveis

Foresight em Saúde: Planeamento do Futuro em Territórios Vulneráveis

A pandemia da COVID-19 revelou, de forma contundente, a fragilidade estrutural dos sistemas de saúde, particularmente em territórios vulneráveis. Regiões insulares, áreas rurais isoladas, comunidades indígenas e populações expostas a riscos climáticos e sociais sofreram de maneira desproporcional os impactos das disrupções logísticas e sanitárias. Estes contextos, marcados por escassez de recursos, isolamento geográfico e baixa digitalização, tornaram-se laboratórios involuntários para a urgência de pensar estrategicamente o futuro. Neste cenário, o foresight em saúde emerge como uma abordagem fundamental para antecipar desafios, explorar oportunidades e desenhar sistemas mais resilientes e adaptativos (OECD, 2022).

O foresight, ou antecipação estratégica, não deve ser confundido com previsão estatística ou mera extrapolação de tendências. Trata-se de um processo sistemático, participativo e interdisciplinar para imaginar, debater e moldar futuros desejáveis com base em sinais do presente (UNESCO, 2021). Em saúde pública, esta prática busca reduzir a miopia do planeamento tradicional, incorporando cenários alternativos e permitindo a criação de estratégias de médio e longo prazo com maior robustez e justiça intergeracional. Sistemas de saúde que utilizam foresight podem preparar-se para choques disruptivos, desde pandemias e crises climáticas até migrações em massa e escassez de recursos humanos.

A relevância do foresight torna-se ainda mais evidente em territórios vulneráveis, onde o presente já é instável. Em regiões ultraperiféricas (RUP), zonas rurais em declínio demográfico e comunidades indígenas, a imprevisibilidade agrava desigualdades estruturais. O foresight contribui para gerar visões locais de futuro, combatendo a dependência de modelos urbanos centralizados, ao mesmo tempo em que reforça a capacidade adaptativa das comunidades. Integra saberes tradicionais com evidências científicas e favorece políticas de saúde sensíveis ao território, promovendo não só eficiência, mas também equidade.

As metodologias do foresight são diversas e complementares. O método Delphi, por exemplo, é amplamente utilizado para consulta a especialistas em múltiplas rondas anónimas, buscando consenso sobre tendências emergentes, competências futuras e prioridades estratégicas. Um estudo de Van Bodegom et al. (2023) aplicou Delphi para identificar competências-chave da enfermagem em 2040, destacando literacia digital, inteligência emocional e atuação em ecossistemas digitais como requisitos centrais. Já os cenários exploratórios permitem construir narrativas plausíveis sobre futuros alternativos, considerando variáveis como envelhecimento, transição digital, crise climática e sustentabilidade financeira. O plano Portugal Saúde 2030 (DGS, 2022) utilizou esta abordagem para guiar reformas do Serviço Nacional de Saúde, mapeando cenários centrados na tecnologia, na comunidade e em possíveis crises.

Outra ferramenta essencial é o horizon scanning, voltado para a identificação de sinais fracos e tendências emergentes que podem desencadear mudanças disruptivas, como pandemias, ciberataques ou desastres climáticos (Cheng et al., 2023). Em complemento, técnicas como roadmapping e future wheel ajudam a organizar trajetórias de inovação e a antecipar impactos diretos e indiretos de políticas e tecnologias na saúde. Combinadas, estas metodologias ampliam a capacidade de antecipação e permitem que o planeamento se torne dinâmico e adaptativo.

Casos internacionais ilustram a aplicabilidade prática do foresight em saúde. No Canadá, o Canadian Institute for Health Information (CIHI, 2023) usou foresight para prever escassez de médicos em zonas rurais até 2040, apoiando-se em Delphi com especialistas em saúde digital e telessaúde. Na Austrália, o Lowitja Institute conduziu cenários participativos com comunidades indígenas, integrando práticas ancestrais à saúde mental e promovendo cuidados culturalmente seguros (Lowitja Institute, 2024). Na Europa, a iniciativa Health Foresight for Europe desenvolveu cenários transnacionais para antecipar o impacto da automação, do envelhecimento e das migrações na sustentabilidade dos sistemas de saúde (European Commission, 2023). Estes exemplos demonstram que o foresight vai além da teoria, funcionando como uma alavanca para decisões estratégicas e políticas mais sensíveis ao futuro.

Os benefícios estratégicos do foresight são múltiplos. Em primeiro lugar, ele fortalece a resiliência sistémica, preparando sistemas de saúde para choques inesperados e transformações profundas. Em segundo lugar, promove inovação colaborativa, estimulando redes interdisciplinares e a coprodução de conhecimento entre academia, governo e sociedade civil. Em terceiro lugar, materializa o princípio da justiça intergeracional, ao pautar decisões presentes pelo impacto nas gerações futuras. Por fim, empodera comunidades locais, ao integrá-las na construção de visões de futuro e no planeamento de políticas de saúde que refletem as suas realidades e aspirações.

Entretanto, a implementação de foresight enfrenta barreiras significativas. Muitos sistemas de saúde carecem de profissionais capacitados em metodologias prospetivas e de estruturas institucionais abertas à inovação. Existe ceticismo político e resistência à mudança, frequentemente agravados por ciclos eleitorais curtos que desincentivam planeamento de longo prazo. Além disto, processos participativos exigem recursos e tempo, o que nem sempre se coaduna com a urgência percebida das crises atuais. Também existe o risco de elitização do planeamento, caso as comunidades vulneráveis não sejam ativamente envolvidas. Para superar estes desafios, é necessário investir em literacia do futuro, formar profissionais em técnicas de foresight e criar observatórios regionais capazes de monitorar tendências e articular respostas adaptativas.

O caminho para institucionalizar o foresight em saúde passa por integrar estas metodologias em políticas públicas e planos regionais. Recomenda-se a criação de Observatórios de Tendências em Saúde em territórios vulneráveis, a inclusão de módulos de foresight em escolas de saúde pública e a promoção de parcerias entre universidades, comunidades locais e governos. O uso de plataformas digitais e inteligência artificial pode apoiar processos de horizon scanning e facilitar a participação cidadã, ampliando a capacidade de resposta e legitimação social das políticas resultantes.

Em síntese, o foresight em saúde não é apenas uma ferramenta técnica de projeção. É um compromisso ético e político com a democratização do futuro, com a resiliência sistémica e com a equidade territorial. Nos territórios onde o presente é precário e o futuro parece incerto, pensar estrategicamente deixa de ser luxo académico para tornar-se prática essencial de quem planeia, gere e cuida. Ao integrar ciência, participação e visão a longo prazo, o foresight transforma vulnerabilidade em oportunidade e permite desenhar sistemas de saúde vivos, capazes de aprender, adaptar-se e proteger as próximas gerações.

Referências Bibliográficas

Canadian Institute for Health Information (CIHI). (2023). Strategic foresight in rural health planning. https://www.cihi.ca

Cheng, R., Wu, X., & Sun, W. (2023). Evaluating foresight tools in public health: A scoping review. Public Health Reports, 138(3), 321–333.

DGS – Direção-Geral da Saúde. (2022). Portugal Saúde 2030: Estratégia Nacional para o Setor da Saúde. https://www.dgs.pt

European Commission. (2023). Health Foresight for Europe: Strategic Pathways for 2045. Directorate-General for Health and Food Safety. https://health.ec.europa.eu

Hosseini, A., & Aryankia, M. (2025). Driving forces and future scenarios for territorial business development in Iran: A future-oriented study with a spatial planning emphasis. Spatial Planning, 12(2), 115–134. https://sppl.ui.ac.ir/article_29213_en.html
Lowitja Institute. (2024). Indigenous Health Futures: Strategic Planning with Communities. https://www.lowitja.org.au

OECD. (2022). Anticipatory Governance and Strategic Foresight in Public Health. Paris: OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/5jrs3sbcrvzx-en

UNESCO. (2021). Futures Literacy: A Competency for the 21st Century. Paris: UNESCO. https://unesdoc.unesco.org

Van Bodegom, D., Knol, W., & Reijneveld, S. A. (2023). Competency foresight for future nursing practice: A Delphi study. Journal of Advanced Nursing, 79(1), 45–61. https://doi.org/10.1111/jan.15437

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