Nove horas. WhatsApp. Café. Laudas. Redes Sociais. Uma volta pela casa. Café. WhatsApp. Sofá. Livro. Redes Sociais. Belchior. Janis Joplin. Gal Costa. Pato Fu. Volto na do Belchior. O telefone toca.
Um cliente chama e me rouba de mim. Trocamos formalidades e “hu-hums”. Meneio a cabeça como se estivesse sendo visto. Limpo a garganta com uma tossida de quase timidez. Despeço-me. Será que vai dar contrato? A rodela de café em cima dos meus rascunhos me lembra que preciso de outra xícara. Requento o resto. Tomo em pé mesmo, enquanto volto à escrita.
São 16h30 e pedreiros martelam no apartamento acima, confundindo meu teclado. Paro. Releio. Apago. Não os culpo. Eles dominam seu ofício, eu é que não aprendi a lidar com minha produtividade teimosa.
Às 18h00 busco minha filha na escola. Misturamos o tédio da minha velhice com a volúpia de seus quase treze anos. Aula chata, nova amiga, namorico que não retorna.
Chego em casa e arranjo o de sempre: a jantinha. No diminutivo porque é carinhoso e porque é o de sempre.
Ajudo-a com a tarefa, quando tem. Ela toma seu banho, veste seus panos “da hora”, me beija, diz que me ama e como de antemão marcara alguma coisa com alguém pelo celular, sai pelo condomínio. As amiguinhas. De sempre.
Volto para o computador. Mais café. Leio uns PDF’s que deixei baixando. Resenho. Transcrevo. Bocejo. Volto para as redes, rolando o mouse procurando…algo, alguém ou a mim mesmo.
Descanso um pouco o notebook e às 21h33 tomo banho. Ensaio discursos esperando aplausos do sabonete. Rio.
Coloco o primeiro pano e volto para a escrita. Bocejo. Desisto. Desligo o computador. Filha chega, belisca alguma coisa da geladeira, trocamos futilidades no sofá e nos arrumamos para dormir.
Fico na internet até o sono chegar, o que quase sempre é difícil. Durmo. Sobrevivi.
Não parece e talvez é de propósito, mas essa rotina é leve e pacífica. Lido com demônios que pouca gente sabe. É um diário agridoce.
Escolhi a grandeza de uma melancolia minha para abrir mão de sorrisos em comodato. Gosto de me esconder nos sombreamentos dos meus rabiscos. Minha sabedoria é uma mistura de idade, preguiça e tédio pelo que não significa.
Estamos matando os melancólicos com receitas de felicidades instantâneas. Aos introspectivos restaram as técnicas de “curso de oratória”. Por Deus! Por que precisamos dizer tanto?
Os tímidos são os “estranhos da família”. Passam pela sala e o coro dos rasos grita: – Lá vai o esquisito para o quarto!
Ele entra em seu mundo, cheio de magia, encanto, paranoias e fantasias e ali se realiza. Mal sabem que seu mundo é mais vivo que a mera existência de quem se arrasta em rotinas que não são suas.
Eu sou esse cara. Um tipo que você não notaria na rua. O mesmo estilo de roupa: jeans e camiseta. Isso quando não fico descalço.
Meu colorido é outro. Está nos olhares. Nos cheiros. Nas rugas das senhorinhas que meneiam a cabeça com doçura e sorriem ao me verem passar. Devolvo o mesmo colorido. Nas veias das mãos, nas pintas no colo.
Sou alguém que vê no tédio, reflexão. Na solitude, amores impossíveis. Nos livros, suspiros. Na música, poros dilatados.
Não acrescentarei nada à sua empresa, sua existência, sua vida, seus negócios. Pelo menos nada do que você espera. Sou o gato velho que encontra uma caixa e ali fica. Sei dar e receber carinho, mas arranho com bajulações.
Estou realizado porque não fiz muito, errei mais do que acertei, mas me tornei essa soma de vivências que me dão licença para me encantar por pessoas que precisam se vistas como realmente são. Porque é assim que me desnudo.
Não sou interessante, mas minhas reticências podem derrubar suas exclamações.
Estou sendo à medida que envelheço. E não preciso mais de certezas. Tenho a mim mesmo.
Minha filha chegou. Beijou-me a testa. Vou cuidar da jantinha.
Crédito da Imagem: Musa Carmencita Tonelini – Milan/Itália – Fotógrafo: Leonardo Cairo @leonardo_cairo_olistico
8 respostas
Como sempre, escrita leve e simples! Tudo que a gente precisa nesse mundo frenético. =)
Obrigado, Paty! Bom saber que a tocou. Abraços!
Interessante …
Acabou sendo o inverso rsrs
Obrigada Marcio por escolher uma foto minha para ilustrar esse texto interessante.
É sem dúvida uma das fotos mais “carregadas” de muita coisa boa que já vi. Obrigado por partilhá-la conosco.
Muito bom!!! Amei!
Grato pelo carinho, Deh! ^^]