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Escolas cívico-militares: o esforço de silenciamento político da juventude brasileira

Escolas cívico-militares: o esforço de silenciamento político da juventude brasileira

É para isso que servem as fardas: para afastar o soldado da sua humanidade. (Mia Couto)

O Brasil possui atualmente, outubro de 2019, pouco mais de duzentas escolas públicas de educação básica convertidas em escolas cívico-militares. A pretensão do atual governo federal é a implantação de mais 216 dessas escolas até 2023.

Nas chamadas escolas cívico-militares atualmente em atividade, as equipes civis de gestão dividem suas funções com policiais militares ou bombeiros militares. Em alguns casos, apenas diretores e coordenadores de disciplina são substituídos por militares, em outros, são ocupadas pelos militares até mesmo a coordenação didático-pedagógica e o serviço de orientação ao estudante. Como não há previsão legal nacional para esse tipo de arranjo, cada Município ou cada Estado organiza seu próprio sistema. O que todos os modelos têm em comum é a transposição de elementos disciplinares e litúrgicos militares para o contexto de escolas civis: ordem unida, marcha, continência, reverência ao hino e à bandeira nacionais, uso impecável do fardamento escolar, lições de civismo e patriotismo etc.

A escolarização do corpo, em termos foucaultianos, é evidente nos distintos modelos de escolas cívico-militares no Brasil. Chefes de turma e bedéis dedicam-se à conferência minuciosa do fardamento, dos cabelos, das faces e das unhas, de modo a assegurar que não haja adereços – piercings, brincos, anéis e colares, bonés, óculos escuros –, que unhas e maquiagem não tenham cores chamativas e que os cabelos estejam arrumados de acordo com as rígidas normas disciplinares: para os rapazes, cabelos curtos, cortados à máquina; para as moças, cabelos presos na forma de coque.

O controle da violência escolar é a escusa para a imposição do padrão militar de disciplina do corpo a estudantes pobres, em sua maioria negros e pardos, com idade entre 11 e 17 anos. Na leitura de prefeitos e governadores e também do Presidente da República e seu Ministro da Educação, todos com notório verniz autoritário, essa violência decorreria da ausência de disciplina: disciplinando os corpos, pacificar-se-iam as almas.

O controle da alma de jovens pobres, negros, de múltiplos matizes sexuais e de gênero, skatistas, grafiteiros, funkeiros e outras tribos é o que está por trás de tamanho investimento no disciplinamento dos corpos. Para Foucault, a alma é o depositário histórico de conceitos e verdades que viabiliza o acesso direto do poder-saber sobre os corpos. O corpo, portanto, fala da alma, está diretamente envolvido em sua construção, que é a construção do próprio sujeito.

A disciplina militar dos corpos transplantada para a escola de base põe em xeque o direito cidadão de cada estudante construir sua identidade como sujeito, no âmbito de seus próprios espaços sociais de referência, e visa a silenciar sua voz política. A imposição de uma identidade homogênea, coincidente com a identidade hegemônica – masculina, branca e heterossexual – representa não apenas uma afronta aos direitos civis dos estudantes (sim, crianças e adolescentes também são sujeitos de direito!), mas um risco à sua própria constituição identitária e política. O corpo é o locus da construção das identidades, o espaço onde elas são inscritas e lidas. Para os jovens, ainda mais do que para os adultos, o corpo é um projeto, o espaço político do eu por excelência.

Uma sociedade que autoriza seus representantes à repressão da alma juvenil por meio do disciplinamento de seus corpos é uma sociedade ainda muito distante da internalização de conceitos básicos do Estado democrático de direito. Não à toa, essa sociedade coleciona dirigentes autoritários e fracassos educacionais.

Imagem de MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

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