EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

4 de setembro: 40 anos de transferência de competências na área da Educação para a Madeira

4 de setembro: 40 anos de transferência de competências na área da Educação para a Madeira

Hoje, 4 de setembro, tem-se um marco histórico: 40 anos de transferência de competências na área da Educação para a Madeira. Uma breve análise ao marco jurídico incontornável do Decreto-Lei nº 364/79, de 04 de setembro[1]

É um facto que com a publicação da Constituição de 1976 e subsequente aprovação do “Estatuto político-administrativo provisório da Região Autónoma da Madeira” (Decreto-Lei nº 318-D/76, de 30 de abril, logo de seguida alterado pelo Decreto-Lei nº 427-F/76, de 01 de junho[2]) se assinala a denominada regionalização na área educativa na Madeira.

Mas, o marco jurídico a dever ser identificado em todo este processo de construção regional na área da educação é, sem dúvida, o Decreto-Lei nº 364/79[3], de 4 de setembro. Trata-se de um diploma do Governo da República, aprovado em Conselho de Ministros de 25 de julho, promulgado pelo Presidente da República a 08 de agosto e publicado no Diário da República a 04 de setembro para vigorar a partir desta data.

Na realidade, é com este normativo, que por forma legislativa se transferem competências nas áreas da Educação e da Investigação Científica[4] do Estado para a Região Autónoma da Madeira. A comprová-lo, refira-se o conteúdo preambular do referido Decreto-Lei quando refere:

“(…) A concretização desta autonomia nos domínios da educação e investigação científica impõe que se efectue a transferência dos serviços periféricos do respectivo Ministério e claramente se definam as atribuições que nestas matérias pertençam à esfera da autonomia regional e aquelas que se reservam ao Governo da República (…).

Deve dizer-se desde logo, que este Decreto-Lei assume não só a importância de ser o primeiro e único ato até este momento com esta dignidade legal a proceder a esta transferência; como ainda, o facto, de perdurar na sua validade, e mesmo atualidade, até aos nossos dias, na medida em que não foi revogado por nenhum outro; e ter, naquilo que são as suas linhas essenciais, uma atualidade na repartição competencialentre o Estado e a Madeira, nas matérias da Educação.

Mas, ao contrário do que seria de esperar, desiderato talvez explicável pelo momento histórico em que este diploma é produzido (recorde-se que tinham apenas passado 5 anos sobre a Revolução de Abril e 3 anos sobre a publicação da Constituição da República e do Estatuto Político-administrativo Provisório), o elenco de matérias objeto de transferência não radicou em nenhum trabalho de natureza científica, assente em nenhum estudo, que tivesse procedido à inventariação de ordem competencial regional e consequente repartição material de competências; mas numa elencagem, dir-se-ia de cariz empírico e claramente pragmática, daquelas que naquele momento eram as áreas de ação do Ministério da Educação e Investigação Científica na Madeira e coincidentes até com um período de ação especial, em que se desmantelou todo um “edifício” legislativo e regulamentar do Estado, que a Revolução de 76 fez ruir, substituindo-o por outro[5].

O referido Decreto-Lei nº 364/79 é resultado do IV Governo Constitucional, tendo sido aprovado nos últimos dias de mandato deste Governo (que esteve em funções entre 22 de novembro de 1978 e 07 de julho de 1979), e que “caiu” por demissão apresentada pelo Primeiro Ministro na sequência de várias crises políticas. Este IV Governo Constitucional era liderado pelo Professor Mota Pinto, como Primeiro Ministro, figura destacada do Partido Social Democrata (PSD), do qual terá sido um dos cofundadores. O PSD afirmava-se na sua origem como um Partido de bases ativas e militantes. Os dirigentes locais do PSD afirmavam-se na primeira linha do combate político, na defesa dos valores da social-democracia e dos princípios e na defesa dos anseios das populações dos respetivos concelhos, distritos e regiões autónomas, bem como foi um Partido que se empenhou na AutonomiaAdministrativa dos Açores e da Madeira.

Compreende-se, portanto, que este IV Governo tivesse, no seu Programa, como linhas de ação, relativamente às Regiões Autónomas:

“I – Linhas Gerais da Acção Política do Governo

(…) Importa confirmar a compatibilidade da Democracia com a promoção saudável e equilibrada do sentimento nacional. (…) não deverão olvidar-se as autonomias regionais, que o Governo considerará, no quadro da unidade nacional, como garantia da existência e consolidação das instituições democráticas, adaptadas ao sentir das populações insulares.

7. Relações com as Regiões Autónomas

O Governo afirma a sua vontade política de continuar e completar a concretização da autonomia dos Açores e da Madeira, prevista na Lei Fundamental, e empenhar-se-á, sempre dentro do espírito das normas constitucionais (…)

 Daí o reconhecimento da legitimidade dos órgãos de governo próprio destas regiões e da sua representatividade quanto aos interesses dos Açorianos e dos Madeirenses.

Na concretização desta política ter-se-ão em vista os objectivos seguintes:

(…)

b) Na prossecução dos esforços, já iniciado entre o governo da república e os governos regionais, para a concretização da autonomia num clima de mútua compreensão e de espírito aberto e construtivo: – intensificar-se-ão as conversações com os governos regionais sobre a transferência dos serviços periféricos do Estado existentes em ambas as regiões, e a correlativa assunção dos poderes que, na lógica do sistema constitucional, pelas regiões devem ser exercidos (…)”.

Acresce assim, que não se afigura de todo estranho compreender, que havendo uma clara identificação política e também partidária com o II Governo Regional da Madeira[6], se encontrassem reunidos os pressupostos para uma afinidade de pontos de vista, que conduzissem à possibilidade de efetivar a transferência de competências para a Madeira, como de facto ocorreram pelo Decreto-Lei nº 364/79.

Analisando morfologicamente este Decreto-Lei (fazemo-lo ainda, de forma mais detalhada no Quadro infra), fica-nos a clara ideia, numa leitura atenta do seu conteúdo, que radicam praticamente separadas as funções legislativa e executiva, e destas fica em exclusivo na tutela do Estado, através do Ministério respetivo, o impulso relativamente à primeira daquelas funções.

Concretizando, estipula o Art.º 1º, nº 1, do referido Decreto-Lei nº 364/79, o seguinte: “Cabe ao Ministério da Educação e Investigação Científica, relativamente à Região Autónoma da Madeira, definir e garantir a aplicação dos princípios gerais do sistema nacional de educação[7] e das matérias cuja competência é reservada ao Ministério no termos do subsequente Art.º 2º.”; para logo o Art.º 2º, nº 1, dispor: “É da competência do Ministério da Educação e Investigação Científica, com incidência sobre a Região Autónoma da Madeira e com audição do respectivo Governo, e sem prejuízo da reserva de competência legislativa da Assembleia da República: 1- A definição por via legislativa: (…).”. À Região Autónoma da Madeira ficam cometidas funções de natureza executiva ou mesmo operacional/administrativa, como se depreende do Art.º 3º e seguintes, do citado Decreto: “São atribuições dos órgãos de Governo da Região Autónoma da Madeira, no âmbito da educação e no domínio da sua competência territorial: (…)”.

Mas, uma leitura mais critica e exigente ao Decreto-Lei nº. 364/79 faz ressaltar, no entanto, a existência de uma falta de coerência de matérias reguladas e até a forma desordenada da sua abordagem sistemática, que acabam por se traduzir na construção do próprio Decreto. Isto, acaba por se afigurar determinante, na forma como são elencados e abordados os assuntos na sua inter e intra-relação, o que dificulta também, a ação do intérprete. Tanto assim é, que são usadas, de forma pouco precisa, expressões, que pretendem conduzir a uma mesma conceptologia de reservar ao Estado (ao tempo Ministério Educação e Investigação Científica) atribuições que se enquadram na função legislativa[8]. Isto, na medida, em que digam respeito àquilo a que se refere no Art.º 1º ao reservar, aquele Decreto-Lei, tudo o que respeite a definir e garantir a aplicação de princípios gerais do Sistema Nacional de Educação (hoje pela Lei de Bases do Ensino: o Sistema Educativo) e matérias que se reservam exclusivamente àquele (e que são inventariadas de forma expressa no Art.º 2º). A título de exemplo, refira-se: regime (Art.º 2º, 1. a)); estatutos (Art.º 2º, 1. b) e f)); princípios gerais (Art.º 2º, 1. e)); certas normas a observar a nível nacional (Art.º 2º, 1. g)) e a definição de planos, programas e orientações (Art.º 2º, 2. a), b) e 3.).

Noutro polo, às competências dos órgãos de Governo próprio da Madeira ficam cometidas as atribuições de: garantir (Art.º 3º, 1. a)); proporcionar (Art.º 3º, 1. c) e d)); apoiar (Art.ºs 3º, 1. e), j) e 11º b)); organizar (Art.º 8º, 1. d)); coordenar (Art.º 6º, 1. e)), para dar também alguns exemplos, que ilustram a intenção do legislador em utilizar expressões em natureza de tempo verbal (ação típica da função executiva) ─ “superintender na organização administrativa e funcionamento” ─ como a prevista no Art.º 3º, 1. f), confrontado com o Art.º 7º, 1. a) a d); o que reforçará o entendimento, relativamente ao facto, de se estar perante o poder Executivo cometido à Região, isto é, o poder de executar as medidas de âmbito nacional.

A finalizar, volvidos assim 40 anos sobre a publicação deste Decreto-Lei, fica-nos a inolvidável certeza da sua incontornável relevância. Isto, até, na exata medida em que lhe está para sempre guardado um papel de destaque, sempre a que se tenha assistido ao processo contínuo de afirmação do Subsistema educativo regional[9] e onde a Madeira terá, consequentemente, explorado todo um campo de ação executiva de pendor governativo. É que, quando atentamos com maior relevo, vislumbramos que na génese de muitas das iniciativas normativas, deste período de afirmação do Direito regional, estas têm no seu cunho uma real referência ao citado Decreto-Lei nº 364/79. Sejam diplomas de natureza regulamentar, ou mesmo os casos onde se “ensaiou” a via legislativa[10], o que vem provar, ademais, uma evolução e o querer ter ido mais além, do texto do próprio Decreto-Lei nº 364/79, procurando ir ao encontro de uma matriz teleológica, que o mesmo “abriu”, de real afirmação regional da área educacional na Madeira.

QUADRO


[1] Este apontamento, que pretende ser uma singela homenagem à data histórica, “segue” de muito perto o n. estudo Modelos jurídicos de Organização das Escolas. Coimbra: DATAJURIS, 2012, onde esta temática se encontra devidamente aprofundada.

[2] Tendo sido alterado na década de 90, pela Lei nº 13/91, de 5 de junho,com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 130/99, de 21 de agosto e Lei nº 12/2000, de 21 de junho, sendo hoje o “Estatuto político-administrativo definitivo da Região Autónoma da Madeira”.

[3] Este Decreto-Lei nº 364/79 transfere competências na área da Educação e insere-se naquilo que podemos caracterizar de “pacote” de transferência de competências para a Madeira, sector a sector: Decreto-Lei nº 426/77, 13 de Out. –Saúde e Segurança Social -; Decreto-Lei nº 24/78, 27 de Jan. – Trabalho -; Decreto-Lei nº 391/78, 14 Dez. – Turismo -; Decreto-Lei nº346/79, de 29 Agosto – Agricultura -; Decreto-Lei nº 519/79, de 28 Dez. Transportes Marítimos -; Decreto-Lei nº 299/79, 18 de Agosto – Portos -; Decreto-Lei nº 365/79, 4 Set. – Habitação e Obras Públicas -; Decreto-Lei nº 485/79, 15 Dez. -Extinção da secretaria do governo do distrito autónomo do Funchal, transitando todo o pessoal para os serviços da RAM.

[4] Como se pode ver pelas composições ministeriais dos Governos Constitucionais de Portugal, estas duas áreas andaram sobre a mesma tutela, no período após a Revolução de Abril, até sensivelmente os anos 80 do século. XX.

[5] A título de mera informação complementar refira-se que, no período de funções do I Gov. Constitucional, depois do período transitório de implantação governativa no País, liderado por Mário Soares como Primeiro Ministro e que durou 19 meses (Julho 76 a Janeiro 78) foram publicados, só na área de intervenção do Ministério de Educação e da Investigação Científica, tendo como Ministro Mário Sottomayor Cardia, cerca de 150 diplomas, em áreas como organização das Universidades, escolas do ensino não superior, educação pré-escolar, organização dos serviços centrais do Ministério, currículos, etc., o que perfaz uma média de cerca de 7 diplomas por cada mês de governação, alguns dos quais com uma perenidade que perpassou várias décadas, como o Modelo de gestão das escolas Básicas e Secundárias (gestão democrática, como ficou conhecido), o Decreto-Lei nº 769-A/76, de 23 de Out., que viria a “cair” apenas em 1998, com a aprovação do Decreto-Lei nº 115-A/98.

[6] O Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim, assume funções a 17 de março desse mesmo ano (II Gov. Regional), à frente de um Governo também de matriz e filiação partidária Social Democrata.

[7] O Art.º 20º deste mesmo Decreto-Lei nº 364/79 avança com uma definição do sistema nacional de educação: “Para a matéria constante do presente diploma entende-se por sistema nacional de educação o conjunto de estruturas oficiais, particulares ou cooperativas que desenvolvam acções públicas no Âmbito das atribuições do Ministério da Educação e Investigação Científica.” 
 

[8] “A definição por via legislativa:…”, Art.º 2º, nº1, do citado Decreto-Lei nº 364/79.

[9] Vidé  https://apatria.org/sociedade/o-subsistema-educativo-regional-da-madeira-como-afirmacao-do-direito-regional/

[10] Explicável certamente pelos conteúdos das revisões da Constituição que foram progressivamente ampliando as competências das Regiões Autónomas e do próprio Estatuto Político-administrativo da Madeira, quando se tornou definitivo, na versão da Lei n.º 130/99.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]