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Durante a pandemia, perdeu-se a liberdade? Ou nem por isso? Parte I

Durante a pandemia, perdeu-se a liberdade? Ou nem por isso? Parte I

Existem inúmeros motivos para esquecer o período que decorreu entre março de 2020 e meados de 2021, cuja designação a constar nos futuros livros de história ainda está por determinar, mas que por agora tem sido chamada Era Covid-19. Olvidar estes tempos compreende-se, quer pelos milhões de vítimas mortais, quer pelas sequelas físicas e mentais de outros tantos milhões que sobreviveram à infeção. Se se acrescentar às anteriores razões outra de ordem social, económica, e demográfica, então percebe-se o desejo expresso por muitos para apagar da memória o cenário apocalíptico vivido pelas populações no período considerado.

Com o respeito devido às vítimas do covid-19, este texto (primeiro de dois) examina a ideia expressa por muitos relativamente à limitação de liberdades durante a pandemia. Começa por abordar as formas mais populares para combater o alastramento do vírus: as máscaras e os confinamentos. A eficácia destas medidas não é relevante para a reflexão. O que é importante é analisar a falta de liberdade que alegadamente trouxe o uso obrigatório de máscara e os confinamentos e restrições de circulação. O texto argumenta que, ao invés de impor uma prisão de respiração e circulação, as máscaras e os confinamentos permitiram a alguns gozar uma rara liberdade. Os mesmos que agora começam a compreender a independência conquistada durante a pandemia, e que questionam os tempos em que havia imensa liberdade para viver, exceto para viver verdadeiramente livre.

Uma equipa de investigadores da Blavatnik School da Universidade de Oxford elaborou um indicador de severidade dos governos no controlo da pandemia. A equipa reconhece que a propalação do vírus se deve a múltiplas razões, e que, como tal, o alastramento da infeção é matéria complexa que não pode reduzir-se a meia dúzia de motivos. Todavia, o papel dos governos é central, dado o controlo imposto às liberdades individuais e coletivas, e que depois se repercutem na capacidade de propagação do próprio vírus. Assim, o Índice de Severidade Governamental (ISG, do inglês Government Stringency Index) é composto de 9 indicadores: i) encerramento das escolas, ii) encerramento dos locais de trabalho, iii) cancelamento de eventos públicos, iv) restrições dos ajuntamentos públicos, v) paragem dos transportes públicos, vi) obrigatoriedade de ficar em casa, vii) campanhas públicas de informação, viii) restrições da movimentação individual, e ix) controlo de viagens internacionais.

Em 2020 e 2021 Portugal e quase todos os países do mundo sentiram de perto estas medidas. O ISG agregado acumulado de Portugal foi 62 (entre janeiro de 2020 a junho de 2021; o índice varia de 0 a 100, com o 100 a representar o nível maior de severidade). Na Europa, a Alemanha foi o país com o ISG mais elevado (75), e a Eslovénia o mais baixo (35).

Outro índice imaginado pela mesma equipa é o de Contenção e Saúde (ICS), que acrescenta quatro indicadores aos anteriores: x) política de testagem, xi) rastreio de contatos, xii) uso de máscaras, e xiii) política de vacinação. No ICS Portugal pontuou 70, com a Irlanda a liderar (76), e a Bósnia-Herzegovina a fechar a tabela europeia, com 44.

Estes números mostram que a limitação das liberdades individuais e coletivas foi real durante a pandemia, que na prática implicou tremendas adaptações pessoais. Por exemplo, o autor deste texto chegou no dia 15 de março de 2020 de uma viagem de trabalho à Rússia, apenas três dias antes do primeiro estado de emergência declarado em Portugal. Nos meses seguintes haveria de cancelar ou adiar perto de uma dezena de outras viagens, mantendo-se em terra firme até à data de redação deste texto.

A paciência do autor deste texto em permanecer em casa contrasta drasticamente com a impaciência de muitos milhares que um pouco por todo o lado saltaram para as ruas em protesto contra a perda de liberdade dos cidadãos, consagrada inclusivamente em algumas das leis fundamentais, como por exemplo a Constituição da República Portuguesa.

Face a isto, como é possível pensar que se teve liberdade, perante tantas e soberanas contenções? Foi realmente possível sentir-se mais livre, quando foi inexequível atravessar fronteiras e concelhos? Não constituiu o distanciamento físico e social afinal uma forma de se ser livre?

Antes de mais, é impreterível admitir que a pandemia efetivamente reduziu a liberdade de milhões de pessoas. Todos aqueles que não puderam sair dos lares nem receber as visitas dos seus entes queridos. Todos aqueles que se viram fechados em casa em condições precárias ou aflitivas. Todos aqueles que se viram impedidos de trabalhar e de produzir. Todos aqueles cujos governantes aproveitaram a situação para reprimir os direitos e liberdades fundamentais. Todos aqueles que sofreram e sofrem ainda as mazelas e consequências da infeção pelo covid-19, ou de muitas outras doenças cujos tratamentos foram adiados ou cancelados. E todos aqueles que perderam o bem mais valioso: a própria vida. O sofrimento de muitos foi real; ainda é real.

Então afinal como é que se foi livre?

A liberdade ocorreu pelo menos em quatro dimensões, todas relacionadas com um estado da mente que permitiu identificar uma existência com inúmeras amarras invisíveis, e no processo descobrir alternativas existenciais muito mais livres. Estas prisões mentais são desenvolvidas no texto dois, a publicar no mês de setembro, e incluem: 1) falta de tempo; 2) consumismo; 3) egocentrismo; e 4) falta de sentido.

O leitor atento e apaixonado por temas de cariz filosófico reconhece aqui a questão do livre-arbítrio, prosaicamente definido como a liberdade de escolher. Ou seja, trata-se da questão complexa de saber se o ser humano é totalmente livre para seguir as suas escolhas, ou se, pelo contrário, é determinado ou condicionado de alguma forma quando toma decisões. No que concerne a clausura representada pelas máscaras e pelos confinamentos, a questão do livre-arbítrio coloca-se deste modo: não obstante a perda objetiva de várias liberdades, poderá pensar-se na conquista subjetiva de outras liberdades? O texto dois, a publicar dentro de dias, dá resposta a esta indagação.

Fontes e referências:

Blavatnik School, Oxford University: em https://ourworldindata.org/policy-responses-covid

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