EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Educação para a Cidadania: opção ou obrigação?

Educação para a Cidadania: opção ou obrigação?

Cerca de uma centena de pessoas, em que se integram o ex-presidente da República portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, o ex-primeiro ministro Pedro Passos Coelho e o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente subscreveram no início de setembro um manifesto intitulado Em defesa da Liberdade da Educação que contesta a decisão do ministério de Educação por ter reprovado dois alunos de uma escola secundária por excesso de faltas à disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento (ECD).

Esta aborda temas como os direitos humanos, a igualdade de género e a educação sexual, fundamentais para a formação e as opções dos jovens no seu futuro próximo,  no entanto, consideradas pelos subscritores formas de doutrinação por parte do Estado que deveria ser neutro nestas matérias, segundo os mesmos.

O manifesto invoca o nº 3 do artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem da Assembleia Geral da ONU que defende que “aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos”, descurando, porém, o nº 2 do mesmo artigo que citamos também: “A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais e religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz”.

De facto, o respeito pelo outro e pelo diferente, excluindo todas as formas de racismo e xenofobia e ainda a ideia de que em democracia as diferenças de opinião não se resolvem com guerras, em que o adversário deve ser um parceiro que em igualdade de circunstâncias debate, argumenta, negoceia e discute, mas no âmbito de um clima de não-violência e compromisso. Neste sentido, deve entender-se a cultura de paz, tolerância e amizade defendida pela Declaração que, no caso da disciplina de ECD, se traduz na relação interpares essencial aos alunos desde muito jovens.

A disciplina de ECD não visa doutrinar mas ensinar o aluno a ser solidário, pacífico, capaz de controlar as próprias emoções e a respeitar as diferenças na sua relação com os outros visando, portanto, ensinar os alunos a lidar com a divergência e o conflito que não pode degenerar em atitudes violentas, dogmáticas e intolerantes.

A imposição por parte dos pais que, segundo eles, decorre da sua mundividência e da educação dos seus filhos, obstando assim a terem acesso mais tarde à sua liberdade de escolha com conhecimento de causa. Ora, por essa mesma razão, defendem, a disciplina de ECD deve ser facultativa e não obrigatória, invocando mesmo a objeção de consciência.

Dias depois, surgiu um outro manifesto a defender o contrário, ou seja, a obrigatoriedade da disciplina. O texto alega que a ética não pode ser sujeita a objeção de consciência. Os subscritores consideram que a aprendizagem dos direitos humanos e da cidadania não é um conteúdo ideológico, mas sim uma disciplina que permite que todos conheçam os seus direitos, respeitem os dos outros e conheçam os deveres que têm para construir uma sociedade que respeite todos.

“Vivemos num mundo com problemas globais como as alterações climáticas, os extremismos, as desigualdades no acesso aos bens e direitos fundamentais e as crises humanitárias, entre outros, em que a solução passa por trabalharmos em conjunto, unindo esforços para encontrar soluções para os desafios que ameaçam a humanidade”, lê-se nesse manifesto intitulado “Cidadania e desenvolvimento: a cidadania não é uma opção”, assinado pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos, o cientista e deputado Alexandre Quintanilha e a candidata à presidência da República Ana Gomes.

O assunto permanece na ordem do dia com argumentos dos dois lados. Mas a maior polémica centra-se sobretudo no debate de vários temas importantes como sexualidade, ambiente, direitos e deveres, saúde, prevenção rodoviária, igualdade de género, voluntariado, interculturalidade.

Filinto Lima, professor, diretor escolar, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) declara: “Reconheço que as famílias, muitas vezes, demitem-se, ou não sabem, ou não têm tempo para passar valores de cidadania, regras de conduta, de relacionamento e de convivência em sociedade, exigindo à escola que cuide, que eduque os seus educandos ao longo de anos a fio”.

Para o presidente da ANDE, educar para os valores da cidadania, liberdade, igualdade, direitos humanos, tolerância é ajudar os alunos a tornarem-se cidadãos mais intervenientes: por tudo isto é desejável, que ocorra diálogo entre a escola e os encarregados de educação”.

Aquele professor não compreende as “afirmações de ‘doutrinação’ que pretendem infligir nova machadada à classe docente, merecedoras do respeito e consideração de todos os quadrantes da sociedade”. Até porque, lembra, “é atribuída autonomia às escolas para a seleção dos domínios, assim como a forma de abordagem e exploração dos mesmos, no maior respeito e adequação à faixa etária dos discentes”, realçando que “nunca como hoje foi tão premente e necessário haver uma verdadeira Educação para a Cidadania” que “é uma disciplina de corpo inteiro. O sucesso escolar e a equidade do nosso sistema educativo são absolutamente centrais para todas as crianças”, incluindo, refere, àqueles alunos a quem, garante, “não há, nem nunca houve ou haverá qualquer intenção de penalizar (…) de forma concreta, assim como nunca houve, há ou haverá de menosprezar uma das nossas facetas curriculares”.

Cidadania e Desenvolvimento faz parte das componentes do currículo nacional e é desenvolvida nas escolas segundo três abordagens complementares: natureza transdisciplinar no 1.º ciclo do Ensino Básico, disciplina autónoma no 2.º e 3. º ciclos e componente curricular desenvolvida transversalmente com o contributo de todas as disciplinas e componentes formativas no Ensino Secundário.

Sendo esta área transdisciplinar, permite o desenvolvimento de uma cidadania mais responsável, mais empenhada e mais participada, e acrescenta: “garantindo o respeito pelos valores democráticos básicos e pelos direitos humanos, tanto a nível individual como social no sentido de promover a tolerância e a não discriminação, bem como de suprimir os radicalismos violentos, estamos a contribuir decisivamente para a construção de uma sociedade mais justa e mais equilibrada”.

A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) também é a favor da obrigatoriedade e classifica a desconfiança relativamente à forma como a disciplina está a ser lecionada como “um inaceitável ataque” aos docentes visto que permite “responder, entre muitos outros, ao desafio da cidadania e do desenvolvimento, e essa não pode ser uma mera opção”. Para a FENPROF, os temas abordados e as questões debatidas nesse espaço curricular contribuem “para a formação de cidadãos responsáveis, autónomos, críticos e solidários numa sociedade que se deseja democrática”.

O assunto mereceu um artigo de opinião do secretário de Estado da Educação, João Costa, no jornal Público, defendendo que a cidadania não é uma opção e que o manifesto contra aulas obrigatórias de cidadania, apelando para que os pais possam escolher tem contudo considerandos que partem da informação falsa de que “a cidadania seja uma opção e não um dever de todos”. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu os subscritores dos dois manifestos. Politicamente, o assunto também não é consensual.

BIBLIOGRAFIA

Joaquim Jorge Veiguinha, “Educação para a Cidadania: doutrinação ou aprender a ser?” Escola Digital, SPGL, setembro 2020

Sara R. Oliveira, “Cidadania debaixo de fogo. Obrigar ou facultar?”, Público, 30-09-2020

Imagem gratuita em Pixabay (FrancineS0321)

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]