Duas preocupantes notícias foram vinculadas no primeiro semestre de 2019, no Brasil, ambas do Jornal Valor Econômico. A primeira apontou a queda crescente do peso da indústria brasileira no PIB nacional e, a segunda, que sete commodities concentram metade das exportações brasileiras.
Essas reportagens suscitam uma reflexão sobre o processo de “reprimarização” da pauta de exportação brasileira, a partir de três eixos: a produção de matéria-prima para exportação; a falta de investimento na ciência e tecnologia; e o projeto de privatização dos serviços que envolvem mais tecnologia.
O entendimento do primeiro eixo passa pelo reconhecimento do papel das commodities na economia brasileira. Commodities são mercadorias que funcionam como matéria-prima, imprescindíveis para qualquer produção e riqueza nacionais, e têm como principal característica baixo ou nenhum grau de industrialização. No caso brasileiro, as commodities são compreendidas pelo complexo da soja, óleos brutos de petróleo, minério de ferro, complexo da carne, celulose, açúcar e café.
Analisando as matrizes de exportação de países que participam ativamente do comércio internacional, tais como China, Estados Unidos e México, verifica-se que a participação dos produtos intensivos em recursos naturais é de apenas 10%, 15% e 23%, respectivamente. Percebe-se, também, que há nesses países um equilíbrio entre esse tipo de produto e aqueles de valor agregado em tecnologia. O mesmo não acontece no Brasil: segundo dados oficiais, mais de 60% das exportações brasileiras são constituídas de produtos não industriais ou de baixa intensidade tecnológica. Ao mesmo tempo em que as vendas de produtos primários mostram grande dinamismo desde os anos de 2000, as exportações de produtos manufaturados vão mal, refletindo a falta de competitividade da indústria brasileira.
No tocante ao segundo eixo, cumpre dizer que o país já esteve em um cenário bem mais promissor, mas tem perdido pesquisadores e regredido em pesquisa e inovação quando comparado a outras nações. Na década de 70, o Brasil produzia mais automóveis do que toda a Ásia, menos o Japão. Hoje, todos os asiáticos têm suas próprias marcas e as exportam para o Brasil.
E o quadro tende a piorar. Os cortes nas verbas públicas destinadas à ciência, à tecnologia e à inovação prejudicam não só o presente, mas o futuro do país, inviabilizando diversas pesquisas em andamento. O orçamento de investimentos do setor de ciência e tecnologia passou de R$ 10 bilhões em 2010 para menos de R$ 4 bilhões em 2018 e em 2019. Sem investimentos em ciência e tecnologia, o país deixa de avançar em inovação, ampliando ainda mais sua dependência das commodities.
O terceiro e último eixo, o projeto de privatização das empresas estatais, ganha impressionante força com a eleição do atual governo federal, em 2018.
Vejamos o exemplo da sistemática tentativa de enfraquecimento da Petrobrás, a empresa que possui a maior tecnologia para exploração de petróleo em águas profundas no mundo, graças a programas continuados de investimento na aquisição de conhecimento e na pesquisa. Empresa premiada internacionalmente, mas atacada publicamente para ser desacreditada e já com grande desinvestimento, a Petrobrás percorre o mesmo caminho da Vale do Rio Doce, privatizada há mais de vinte anos. Esta, maior mineradora mundial de minério de ferro hoje é controlada pelo capital financeiro e internacional. Preocupante é que a opção feita pela empresa tem sido pelo atropelo da legislação trabalhista brasileira, exportação com alto consumo de energia e nenhum beneficiamento do produto. O mais grave é que a intensificação da produção de matérias-primas voltadas para exportação causa rápido esgotamento das reservas naturais, além de impactos nefastos no meio ambiente. No Brasil, esse modelo de exploração tem deixado um rastro de morte e destruição, vide os casos da Samarco, em Mariana, e da Vale, em Brumadinho, rompimento de barragens de rejeitos que deixaram centenas de mortos e devastaram o meio ambiente, destruindo fauna, flora e dois rios, o rio Doce e o rio Paraopebas.
O projeto de país do governo atual, dando sequência ao do governo antecessor, tem sido interromper o processo de industrialização nacional e entregar ao capital e às tecnologias estrangeiras a exploração de setores estratégicos, como telecomunicações, setor elétrico, petróleo e gás. Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro, além de enfraquecer o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações com cortes brutais em seu orçamento, foi a criação da Secretaria das Privatizações, responsável pela venda das empresas estatais nacionais, inclusive “partes” da Petrobrás.
Não basta o Brasil ser um país rico, composto por um setor empresarial sofisticado e uma produção acadêmica de excelente nível, sem que isto seja canalizado, mediante políticas e investimentos públicos e privados, para alavancar a ciência, a tecnologia e a inovação. Ninguém é contra o agronegócio ou a exploração consciente de minérios, mas precisamos ser mais inteligentes e estratégicos. Por interesses imediatos e predatórios de alguns segmentos privilegiados, inviabiliza-se um projeto de país que envolva um desenvolvimento amplo e inclusivo, cada vez mais autossuficiente, com uma balança comercial equilibrada e uma agenda de desenvolvimento que possibilite aos seus cidadãos o emprego, a segurança, a saúde, a educação e, consequentemente, a dignidade.