Haverá melhor do que começar o ano a discorrer sobre uma polémica que surge dessa grande fonte de polémicas que é a classe política?! Para quem leu o título, e está atento à actualidade, talvez já tenha adivinhado: vou falar do “novo” Aeroporto do Montijo (Setúbal, Portugal)! Como Biólogo, vou analisar uma perspectiva que me é cara, nomeadamente para que serve um Estudo de Impacto Ambiental (EIA, que o assunto é sério e merece uma sigla, ou acrónimo, conforme quiserem ler), numa altura em que assistimos a uma esperança cega (ou certeza?!) na realização deste grande projecto antes do respectivo EIA (e pensar-se-á: “Eia! Tal coisa é possível? Não há regras sobre isto?!”), por parte de uns, e a certeza do nosso Primeiro-Ministro quanto à força do EIA para travar o mesmo grande projecto, caso o EIA não seja favorável às pretensões dos primeiros. Em que ficamos!?
Primeiro, de que estamos a falar? Um EIA é efectivamente um estudo (uma avaliação, um levantamento) do impacto (um conjunto de danos, perturbações, enfim, alterações à ordem anterior) a nível ambiental (incluindo rios, mares, solos, atmosfera, espécies animais e vegetais) que um certo projecto (geralmente uma grande obra de engenharia como um aeroporto, ou uma barragem) vai causar. O EIA compreende também a fase de construção, que muitas vezes é tão ou mais agressiva para o ambiente do que a fase consequente, a de implementação e usufruto do projecto. Em termos geográficos, podemos estar a falar de um raio de alguns metros a vários quilómetros de distância (recordemos casos como o do afundamento do petroleiro Prestige, cuja maré negra criada afectou directamente três países: Portugal, Espanha e França). Como estudo que é, convém ainda que seja feito por alguém que efectivamente tenha “estudos” em Biologia, Ecologia, Ciências do Ambiente e áreas afins. E, finalmente, deve ser divulgado, incluindo apresentações públicas que, infelizmente, não têm a visibilidade ou a participação necessárias.
Será um EIA realmente importante? Numa sociedade capitalista e consumista como a nossa, poderá haver a tendência para considerar o EIA apenas mais uma burocracia, um entrave aos grandes investimentos (cujos fins – os lucros – justificam todos os meios), ou simplesmente um desvario de “pessoas que gostam de fumar certas plantas que encontram na Natureza”. Parece-me haver, no entanto, uma sensibilização crescente para as matérias ambientais, porventura decorrentes de alterações climatéricas que mesmo no nosso pacífico país causam estragos (agora há furacões, vagas de frio e calor mais extensas e frequentes, estações do ano indefinidas, …), e que levam a questões preocupantes e abstractas como: a nossa vida vai mudar? E que podemos fazer para evitar as desgraças que choramos mas não prevenimos? Além disto, há legislação sobre a matéria, obviamente, e a nossa existência na Europa, um Velho Mundo cuja vetustade traz sapiência e cautela, reforçou e vulgarizou a realização dos EIA: qualquer grande projecto tem um EIA que efectivamente pode chumbar a execução de um projecto (quaisquer que sejam os valores monetários envolvidos), e que pode impedir, em particular, a reformulação do Aeroporto do Montijo.
Dum ponto de vista mais prático, os EIA poderão mudar um projecto de modo a torná-lo mais “amigo do ambiente”? A resposta é clara: sim! E, na minha opinião, será essa a grande virtude dos EIA: encontrar um equilíbrio, um compromisso entre as nossas necessidades socio-económicas e biológicas ou ambientais. Um EIA, mais do que permitir (ou não) a realização de um projecto, deve apreciar o impacto ambiental do mesmo e sugerir alternativas para o minimizar, através das chamas medidas de mitigação (por exemplo, algo tão simples como reflorestar um zona contígua à da obra de modo a minimizar o impacto do abate de vegetação necessário ao começo dos trabalhos).
É relativamente fácil quantificar o custo dum novo aeroporto, ou atribuir um preço a uma viagem de avião, mas como podemos quantificar os custos ambientais? É mais importante manter o rio da nossa terra limpo, onde nos podemos banhar, e onde possivelmente aprendemos a nadar, ou é mais importante receber um projecto que vai trazer desenvolvimento económico, nomeadamente empregos, mas onde talvez o mesmo rio venha a cheirar mal por infiltrações de óleos e combustíveis derramados? É mais importante ouvir as aves a cantar cada manhã ou ouvir o rugido dos gigantes motores do progresso? Um EIA poderá acalmar a iminente erupção dos milhões, de onde cairão sempre milhares para alguns, e ensinar-nos que há outros custos, muito menos evidentes mas sempre presentes em qualquer grande obra de engenharia. O EIA deve ser mais preventivo e conciliador do que punitivo, e todas as partes poderão beneficiar com esta visão positiva e inclusiva da realidade.
O ano está a começar, e ainda nos lembramos dos nossos novos projectos e desejos para o novo ano. E desejámos uma melhor economia, um ambiente melhor, ou ambos? E o problema da lotação do Aeroporto da Portela vai-se resolver no Montijo? Ou esta é uma solução anunciada para divertir o povo em ano de eleições legislativas? Talvez seja cedo para termos respostas… Entretanto, aguardemos pelo EIA e sejamos positivos: a decisão final será sempre uma decisão política, logo esperemos que os políticos envolvidos tenham algum conhecimento das questões aqui abordadas, e que escolham bem por todos nós.
Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.
2 respostas
Excelente!!!
Bom texto. E gostei muito das perguntas levantadas no final! Parabéns Morais!