No dia 13 de janeiro, a Human Rights Watch lançou o Relatório Mundial 2021 que analisa a situação dos direitos humanos em diversos países. Neste relatório há uma parte, intitulada Brasil: eventos de 2020, que elenca diversos crimes cometidos pelo governo do presidente Jair Messias Bolsonaro durante o ano de 2020. É um bom resumo a respeito de uma política que integra diversos crimes e se assemelha a um genocídio que atinge principalmente a população mais pobre e mais vulnerável do Brasil. Neste momento em que escrevo já são mais de 220 mil mortes em decorrência da negligência do governo Bolsonaro diante da pandemia da Covid-19. Outros documentos também apontam para os crimes deste governo, tais como: os 64 pedidos de impeachment de Bolsonaro assinados por 1408 pessoas e mais de 400 organizações, e o pedido dos ex-procurados, apresentado no dia 29 de janeiro à Procuradoria Geral da República, para que o presidente Bolsonaro seja denunciado pelo crime de epidemia.
A pesquisa desenvolvida pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa-USP) em parceria com a ONG Conectas, intitulada Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil, constata que não houve apenas incompetência e negligência na gestão da pandemia, mas o governo Bolsonaro levou adiante um plano em prol da disseminação do coronavírus no território brasileiro. Ou seja, não trata-se apenas de genocídio em decorrência de negligência, mas sim de um plano genocida que atinge principalmente a população mais pobre e mais vulnerável.
A tentativa aqui é listar, de forma resumida, os crimes de Jair Messias Bolsonaro e de seu governo que estão dentro deste plano genocida, algo que foi apresentado nos levantamentos, nas pesquisas e nos documentos.
- Bolsonaro tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter a propagação da pandemia de Covid-19;
- governo Bolsonaro tentou restringir a publicação de dados sobre a Covid-19; e Bolsonaro solicitou que dados sobre a Covid-19 fossem deturpados (Reunião ministerial 22/4/2020);
- governo Bolsonaro tentou impedir os governos estaduais de imporem medidas de distanciamento social (MP 926); governo Bolsonaro tentou impedir a obrigatoriedade do uso de máscaras (Mensagem 374/20);
- governo Bolsonaro desrespeitou a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a necessidade de campanhas de esclarecimento da população a respeito do distanciamento social e da vacinação para conter a propagação da pandemia de Covid-19 (Acórdão TCU 1.616, Acórdão TCU 4.075);
- Bolsonaro minimizou a Covid-19 e de forma criminosa disseminou informações equivocadas (Pronunciamento 24/3/2020, Discurso 09/11/2020, Discurso 10/11/2020); Bolsonaro proferiu reiterados discursos contra a obrigatoriedade da vacinação e lançando dúvidas sobre a sua eficácia e efeitos colaterais; governo Bolsonaro fez propaganda contra a saúde pública (Campanha Brasil Não Pode Parar); governo Bolsonaro priorizou medidas de proteção econômica em detrimento da saúde pública (Acórdão TCU 2.092, Acórdão TCU 4.075);
- Bolsonaro demitiu o ministro da saúde por defender as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e seu substituto deixou o cargo no ministério em razão da defesa do presidente de um medicamento sem eficácia comprovada para tratar a Covid-19;
- Bolsonaro fez apologia ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes e prejudiciais aos pacientes portadores de Covid-19 (Discurso 10/12/2020); governo Bolsonaro investiu recursos públicos na produção em larga escala e distribuição destes medicamentos, e prescreveu o chamado “tratamento precoce” com base nestes medicamentos (Protocolo 20/5/2020, Mensagem 654/20, App Tratecov); governo Bolsonaro rejeita doação de testes PCR para Covid-19 (25/8/2020); governo Bolsonaro deixou mais de 6 milhões de testes PCR estocados perderem sua validade (22/11/2020);
- governo Bolsonaro tentou isentar agentes públicos de responsabilização por atos e omissões diante da pandemia (MP 966);
- governo Bolsonaro não agiu com antecedência para impedir o colapso da saúde em Manaus e em outras cidades (Ofício MS 07/1/2021, ADPF 756), muitas pessoas morreram asfixiadas;
- governo Bolsonaro não investiu recursos necessários no Programa Nacional de Imunizações (PNI) e no desenvolvimento da vacina pelos centros de pesquisa brasileiros, impôs barreiras à produção e aquisição de insumos das vacinas (ACO 3.463, Mensagem 6/21); recusou a oferta da empresa Pfizer (15/8/2020) de aquisição de 70 milhões de doses de seu imunizante; Bolsonaro combateu abertamente a vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan (Coronavac) (Discurso 20/10/2020, Discurso 15/12/2020), e agiu no sentido de retardar ou mesmo frustrar o processo de vacinação;
- governo Bolsonaro não implementou uma política de segurança alimentar durante a pandemia para impedir o crescimento da fome, a má alimentação e o aumento excessivo dos preços dos alimentos;
- governo Bolsonaro limitou e dificultou o acesso da população pobre ao auxílio emergencial (Mensagem 268/20);
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para reduzir a letalidade policial e os abusos policiais; as mortes causadas por policiais e os abusos policiais aumentaram;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para evitar os homicídios de pessoas pobres e negras;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para proteger a saúde de presidiários e internos de unidades socioeducativas;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para reduzir a superlotação das prisões durante a pandemia;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para proteger a saúde da população negra e das comunidades quilombolas (Mensagem 378/20), já que as pessoas negras tiveram maior probabilidade do que outros grupos raciais de apresentarem sintomas consistentes da Covid-19 e de morrerem nos hospitais;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para proteger a saúde dos moradores de favelas e para proteger a saúde da população em situação de rua durante a pandemia;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para combater a violência doméstica e o feminicídio durante a pandemia;
- governo Bolsonaro tentou proibir a discussão sobre orientação sexual, identidade de gênero ou opiniões políticas nas escolas (03/9/2019); e combateu as cartilhas de educação sexual para adolescentes elaboradas pelo Ministério da Saúde;
- governo Bolsonaro exonerou servidores públicos após a edição de uma nota técnica recomendando que as autoridades mantivessem serviços de saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia, e criou novas barreiras ao acesso ao aborto legal;
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para fornecer internet aos estudantes pobres que estão com aulas suspensas durante a pandemia, isto provocou o aumento das desigualdades educacionais;
- governo Bolsonaro editou uma nova política nacional que incentiva a criação de escolas segregadas para pessoas com deficiência, algo que vai contra a educação inclusiva (Decreto 10.502, ADI 6.590);
- governo Bolsonaro violou os direitos dos imigrantes e dos refugiados durante a pandemia, especialmente dos venezuelanos (Portaria interministerial 120/20);
- governo Bolsonaro não tomou medidas necessárias para proteger a saúde dos povos indígenas e o presidente negou algumas ações assistenciais para ajudar indígenas a lidarem com a pandemia (Mensagem 378/20, Decisão STF 18/12/2020); danos e invasões de territórios indígenas para explorar seus recursos aumentaram;
- governo Bolsonaro enfraqueceu a fiscalização ambiental, desestruturou os órgãos de fiscalização e deu sinal verde às redes criminosas envolvidas no roubo de terras, no desmatamento ilegal e no garimpo ilegal; o roubo de terras, o desmatamento e as queimadas aumentaram;
- governo Bolsonaro não combateu as redes criminosas responsáveis pelo roubo de terras, pelo desmatamento ilegal e pelo garimpo ilegal na Amazônia e que continuaram a ameaçar e matar indígenas, moradores locais e servidores públicos;
- Bolsonaro acusou, sem provas, indígenas e ONGs de serem responsáveis pelo desmatamento e pelas queimadas;
- Bolsonaro, autoridades de seu governo e outros políticos aliados ao governo proferiram diversos ataques a jornalistas;
- governo Bolsonaro se valeu do Ministério da Justiça e da Polícia Federal para perseguir funcionários públicos e diversos profissionais considerados dissidentes do governo;
- governo Bolsonaro violou o princípio da laicidade e o direito à liberdade religiosa, privilegiou e estabeleceu parcerias com determinados grupos evangélicos em detrimento de outros grupos religiosos e não religiosos; governo Bolsonaro incluiu atividades religiosas entre atividades essenciais durante a pandemia em resposta a pedidos de determinados grupos evangélicos (Decreto 10.292); governo Bolsonaro se valeu do Ministério das Relações Exteriores para defender os interesses da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola;
- Bolsonaro elogiou repetidamente a ditadura (de 1964 a 1985) e as violações aos direitos humanos, e disseminou “desinformação” sobre o regime militar; Bolsonaro convocou e participou de atos antidemocráticos, pró-ditadura e em defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal.
Esse levantamento dos crimes de Bolsonaro e de seu governo não é exaustivo e não aponta para todos os discursos e todas as normas jurídicas envolvidas. Novas pesquisas e novas análises são necessárias. Mas tudo indica que trata-se, sim, de um plano genocida em curso.
Referências:
Cepedisa-USP e Conectas. Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. In: Boletim Direitos na Pandemia, São Paulo, n. 10, 21/1/2021.
Human Rights Watch. Brasil: Eventos de 2020. In: Relatório Mundial 2021 da Human Rights Watch, 13/1/2021.
Krueger, A. Ex-procuradores pedem que Bolsonaro seja denunciado por “crime de epidemia”. In: Congresso em Foco, Brasília, 29/1/2021.