É verdade, acertaram, as novidades da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que surgiram entre ontem e hoje, constituem o tema desta semana – já lá vamos, nos próximos parágrafos, os mais impacientes podem ir já para lá. Antes disso, explico por que não escrevo já sobre os resultados eleitorais: após o meu artigo sobre a utilidade do actual voto em branco, faria sentido analisar as votações de Domingo.
Apesar de até já estar indigitado o Primeiro-Ministro, o que aconteceu na passada Terça-feira, os resultados não estão fechados: há 4 mandatos por atribuir, que correspondem aos chamados círculos da emigração. Ainda que haja razões para estas pressas na indigitação, devido à realização do Conselho Europeu nos dias 17 e 18 do corrente mês, e o Brexit no dia 31 (data curiosa, vamos lá ver se não sairá dali uma partida do Halloween…), não deixa de se poder considerar uma falta de respeito por cerca de um milhão e meio de Portugueses emigrados, cujos votos ainda não estão contabilizados. Refira-se que estes emigrantes continuam a ser Portugueses, e que inclusive podem voltar a Portugal num futuro próximo, e assim verem o seu voto contado mais rapidamente…
Também é discutível se se deve continuar com estes círculos da emigração para as eleições, mas uma vez que existem devem ser respeitados. Com certeza que os 4 mandatos em falta, independentemente do lado para que caírem, não vão alterar muito as contas finais. Por outro lado ainda, se a motivação para votar no estrangeiro já deve ser baixa (possíveis grandes distâncias a percorrer e consequentes custos elevados para chegar às mesas de voto, a sensação de eleger alguém sem relevância prática para o quotidiano, entre outras), com estas atitudes deve ficar totalmente perdida: parece-me que a mensagem que passa é a da irrelevância destes votos.
Assim, para quê votar?! Mais uma postura negligente da classe política, e que contribuirá para o aumento da abstenção. Estou a exagerar? Não sei, tirem as vossas conclusões. E não esqueçamos que os emigrantes Portugueses já não são “apenas” as pessoas de baixa formação que saíram do país na década de 60 à procura de condições de vida condignas; uma parte considerável tem já formação superior, cargos de alguma relevância e destaque na sociedade em que estão inseridos, e portanto com um espírito crítico mais elevado e uma facilidade em formar uma opinião sobre qualquer tema. Não ouço grandes zumbidos à volta deste tema mas a mim incomoda-me, e fica o reparo. Quando os resultados oficiais estiverem fechados, e os 230 deputados eleitos, farei a minha contabilidade das votações, pois há muito mais a dizer dos resultados do que as percentagens comummente apresentadas.
E agora vamos a outras contas…
A CGD anunciou um aumento generalizado das comissões de manutenção de contas (com notáveis excepções que serão aqui referidas e analisadas) e outros serviços. É curioso (ou revoltante?) que tenha havido em Maio deste ano – há apenas 5 meses! – uma grande revisão destes mesmos custos, com prejuízos evidentes para os clientes. A altura em que isto é divulgado, uns dias após as eleições legislativas, e no início do último trimestre do ano, sempre tão importante em termos económicos, não parece ser irrelevante, ou pelo menos não deixa de parecer simbólico – simbolicamente mau. Esta legislatura, ainda antes de começar, começa já mal. E porquê? Porque, e isto até parece ironia, a CGD ainda é um banco público, ou melhor, é O banco público. Dito de outro modo, o accionista da CGD é o Estado, ou seja, todos nós Portugueses contribuintes. Portanto, isto é uma questão política!
Então temos um banco público, num país com uma maioria absoluta de esquerda eleita, coliguem-se ou não (e ainda com uma maioria parlamentar de esquerda na governação), e portanto parece ser óbvia a escolha dos Portugueses por um caminho com maior preponderância do Estado do que dos privados. Um banco público a competir directamente com os privados, que é o que se insinua, não faz qualquer sentido. E, na minha opinião, urge a intervenção política que regule este banco “rebelde”. Ou então defina-se que é para acabar com o banco público.
No entanto, se for para manter, e faz sentido que seja mantido, tem de ser gerido de outra maneira, de um modo diferenciado, e que leve os serviços bancários a todos aqueles que não os poderão ter no privado – soa um pouco “aclichesado” mas não é isto o estado social? E atenção que isto é independente da minha opinião política, é uma questão de lógica. Existe banco público mas não está a cumprir com a direcção que se esperaria de um banco público – portanto, ainda existe?!
Podemos ver a posição da CGD de outra perspectiva, mais intrincadamente financeira: estas medidas servem para garantir a robustez do próprio banco, que teve prejuízos em exercícios anteriores. Isto, obviamente, faz algum sentido. A questão aqui é que se quisermos escavar chegamos à raíz do problema: o que gerou os prejuízos? Terão sido as “borlas” que deram aos clientes com conta de serviços mínimos bancários, entre outros benefícios “menores”, ou terá sido a salvação de bancos privados falidos, supostamente para manter a integridade do sistema bancário, cujas dívidas assumidas são incobráveis ou facilmente perdoadas?! Não sejamos insensíveis aos elevados custos que se geram pela “falta” de cobrança de alguns cêntimos a muitos clientes mas tenhamos espírito crítico: esse tipo de medidas, algumas legalmente previstas e protegidas, como isenções de custos de manutenção de contas de clientes com rendimentos menores, é razoável numa lógica de igualdade de oportunidades num banco público. Se quiserem, é serviço social – que não pode ser só um termo da moda, tem de ter um significado prático.
Portanto, mesmo querendo ver aqui uma razão de ordem estrutural para justificar o injustificável, a conclusão a que chego é só uma: estas novas comissões são injustas, e oneram exactamente aqueles que menos contribuíram para o colapso do sistema financeiro: os contribuintes “médios”, ou mesmo, neste caso, os contribuintes com rendimentos mais baixos. As más práticas da banca, da responsabilidade do Banco de Portugal), do Estado, e dos próprios administradores da banca, são pagas pelo contribuinte, que está a jusante de todas estas acções, algumas delas verdadeiramente escabrosas e cujas responsabilidades têm sido sucessivamente diluídas no mar da inconsequência: nunca há responsáveis, mas há alguém que arca com os custos – o derreado Zé Povinho…
Para acabar este assunto, e se a pouca vergonha já era grande ainda vai aumentar, não esqueçamos as notáveis excepções ao generalizado aumento das comissões e serviços da CGD: não só se “passa a factura” aos clientes de menor rendimentos como, por oposição, se diminui as comissões a pagar pelos clientes com maior capacidade financeira! Num país mais reivindicativo, creio que amanhã as notícias seriam de motins pelas ruas…
Nesta lógica, vejamos, só os clientes que aufiram o salário mínimo nacional, e que não tenham qualquer outra conta no sistema bancário além da conta da CGD, é que ficarão isentos da cobrança pela conta de serviços mínimos bancários! Se isto ainda não está claro, deixem que clarifique: a CGD torna-se, assim, um banco que aposta em dois perfis totalmente opostos de clientes, por um lado o banco dos miseráveis que não têm possibilidade de ter conta em mais lado nenhum, e por outro lado o banco dos grandes capitais, pois é esse o incentivo com estas medidas. Está assim visto que os primeiros servirão para manter a ideia de que o banco público faz serviço social, e os segundos serão os verdadeiros alvos comerciais do banco, pois que o banco necessita de capital, e eu pergunto – até voltarem os abusos e os colapsos e os incumprimentos, e então o Zé Povinho é, novamente, chamado a consertar aquilo que outros destruíram? Ainda há banco público em Portugal? A minha opinião é que, nada fazendo, e permitindo esta linha de actuação, a CGD deixa de ser um banco público de facto, e é apenas mais um competidor no sistema bancário dominado pelos privados. Chamem-lhe Estado social, a este estado das coisas…
Para acabar, deixo uma fotografia que tirei em Almeida em 2017, na altura do encerramento do balcão da CGD local (lembro-me de ter pensado que a foto um dia seria útil…). Houve tantos avanços e recuos sobre esta matéria do encerramento dos balcões que não sei o estado actual do local da foto. Ainda há CGD em Almeida? Não sei. Ainda há banco público em Portugal? Também não sei. E não saber o que esperar de um banco público não parece ser muito reconfortante…
Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.