RESUMO
A gig economy, baseada no trabalho temporário e na intermediação digital, tem transformado o mercado de trabalho global e, em particular, o português. Embora este modelo prometa maior flexibilidade e oportunidades, ele também gera preocupações crescentes sobre precarização, instabilidade financeira e ausência de proteção social. Este artigo analisa criticamente os impactos da gig economy em Portugal, avaliando seus benefícios e desafios à luz de estudos recentes. Além disto, discute as respostas regulatórias nacionais e europeias e propõe medidas para equilibrar inovação e direitos laborais. Concluo que, para que, a gig economy seja sustentável, é essencial implementar políticas públicas que garantam a proteção dos trabalhadores sem comprometer a competitividade do setor digital.
Palavras-chave: gig economy, trabalho digital, precarização, plataformas digitais, regulamentação.
INTRODUÇÃO
A digitalização acelerada da economia global tem levado a uma reconfiguração das relações laborais, e um dos fenómenos mais notáveis deste processo é a gig economy, também chamada de economia de plataformas. Este modelo de trabalho, baseado na prestação de serviços de forma independente por meio de plataformas digitais, tem crescido exponencialmente nos últimos anos (Standing, 2025; De Stefano & Aloisi, 2025).
Em Portugal, a gig economy expandiu-se especialmente no setor de transportes (Uber, Bolt), entregas (Glovo, Uber Eats) e alojamento de curto prazo (Airbnb), refletindo tendências globais observadas na União Europeia e nos Estados Unidos (OECD, 2025). Segundo um estudo da Eurofound (2025), 12,5% da população ativa em Portugal já está inserida neste modelo de trabalho, um aumento de 30% nos últimos cinco anos.
Entretanto, este crescimento levanta sérias preocupações sobre precarização e ausência de proteção social. Estudos como os de Vandaele (2025) e Guinea et al.(2025) indicam que os trabalhadores da gig economy frequentemente operam sob um regime de subemprego, com rendimentos variáveis e sem acesso a direitos laborais fundamentais. O relatório da OCDE (2025) destaca que mais de 40% dos trabalhadores de plataformas digitais em Portugal não contribuem para a Segurança Social, deixando-os vulneráveis a longo prazo.
Diante deste cenário, este artigo analisa criticamente os impactos da gig economy no mercado de trabalho português, discutindo seus benefícios e desafios, bem como as respostas políticas necessárias para assegurar um modelo sustentável e equitativo.
1. O CRESCIMENTO DA GIG ECONOMY EM PORTUGAL
A adoção da gig economy em Portugal segue uma tendência global, com plataformas como Uber, Glovo, Bolt e Airbnb transformando setores inteiros, como transporte, entregas e alojamento. Segundo o Banco de Portugal (2025), cerca de 12,5% da força de trabalho portuguesa está envolvida em algum tipo de trabalho baseado em plataformas digitais.
A expansão da gig economy em Portugal segue três grandes tendências estruturais:
- Digitalização na economia — Plataformas digitais reduzem custos de intermediação e criam oportunidades de trabalho independente (Kalleberg & Vallas, 2025).
- Flexibilização no mercado de trabalho — O modelo responde às exigências por autonomia e permite que trabalhadores conciliem múltiplas atividades (De Stefano, 2025).
- Crise no emprego tradicional — O aumento da informalidade e a dificuldade de acesso a empregos estáveis têm levado profissionais a buscar novas formas de rendimento (Moniz et al., 2025).
Embora estes fatores tenham impulsionado o crescimento da gig economy, seus impactos no mercado de trabalho estão longe de ser consensuais.
2. IMPACTOS E DESAFIOS DA GIG ECONOMY
A literatura científica tem apontado diversas preocupações associadas ao modelo da gig economy, sendo as principais relacionadas à precarização, instabilidade financeira e ausência de direitos laborais.
2.1. PRECARIZAÇÃO E INSTABILIDADE FINANCEIRA
A ausência de um contrato de trabalho estável torna os trabalhadores da gig economy altamente vulneráveis. Vandaele (2025) e Santos et al. (2025) destacam que a grande maioria desses profissionais tem rendimentos variáveis, dependendo de pedidos e solicitações das políticas algorítmicas das plataformas.
O relatório daEurofound (2025) aponta que 65% dos trabalhadores de plataformas digitais em Portugal ganham abaixo do salário mínimo quando contabilizados os custos operacionais. O estudo de De Stefano & Aloisi (2025) confirma que a remuneração é frequentemente volátil e instável, impedindo qualquer planeamento financeiro de longo prazo.
2.2. FALTA DE PROTEÇÃO SOCIAL
A informalidade do trabalho em plataformas digitais é um dos principais desafios da gig economy. Segundo a OCDE (2025), mais de 40% dos trabalhadores de plataformas não contribuem para a Segurança Social, o que compromete seu acesso à reforma, seguro de desemprego e assistência médica.
Berg & Rani (2025) destacam que esta ausência de proteção social cria um ciclo de vulnerabilidade económica, especialmente para trabalhadores que dependem exclusivamente deste modelo de emprego.
3. IMPACTO NO MERCADO IMOBILIÁRIO
Outro aspeto relevante da gig economy está no setor imobiliário. Jover e Cocola-Gant (2025) demonstram que plataformas como Airbnb têm contribuído para o aumento dos preços dos arrendamentos em cidades como Lisboa e Porto, forçando muitos residentes a deixarem áreas centrais devido à especulação imobiliária.
4. CONCORRÊNCIA DESLEAL E EXPLORAÇÃO
A falta de regulamentação também tem resultado em concorrência desleal. No setor de entregas, por exemplo, o aumento da oferta de trabalhadores tem pressionado os preços para baixo, tornando as condições de trabalho ainda mais precárias (Guinea et al., 2025).
5. RESPOSTAS POLÍTICAS E REGULATÓRIAS
A União Europeia tem adotado novas diretrizes para regular a gig economy, e Portugal começa a seguir este caminho. Algumas das principais iniciativas em debate incluem:
- Lei da Uber (2023) — Regulamentação que estabelece direitos básicos para motoristas de plataformas digitais (Moniz et al., 2025). Garantindo assim direitos mínimos e obrigando empresas a contribuir para a Segurança Social.
- Taxa da Gig Economy — Proposta do governo português para garantir uma rede de proteção social mínima para trabalhadores independentes (Berg & Rani, 2025). Criando assim uma contribuição social especifica.
- Plataformas Cooperativas — Experiências científicas com modelos como o CoopCycle visam dar maior autonomia aos trabalhadores (De Stefano, 2025). Esta, tem sido estudada para Portugal, para que os próprios trabalhadores gerenciem as plataformas e estabeleçam condições justas de trabalho.
Moniz et al. (2025) argumentam que um modelo híbrido, que combine flexibilidade com proteção social adequada, pode ser a melhor solução para equilibrar os interesses dos trabalhadores e das empresas.
6. CONCLUSÃO
A gig economy representa uma mudança estrutural no mercado de trabalho, trazendo tanto oportunidades quanto desafios. Embora este modelo ofereça flexibilidade e acesso a novas formas de emprego, a precarização e a ausência de proteção social são questões urgentes que precisam ser enfrentadas.
Diante disto, é essencial que o governo português implemente políticas que garantam um equilíbrio entre inovação e direitos laborais. As experiências regulatórias de outros países da União Europeia podem servir de referência para o desenvolvimento de um modelo mais justo e sustentável.
O futuro da gig economy dependerá das decisões políticas tomadas nos próximos anos. A regulação deste setor deve ser uma prioridade para assegurar que o trabalho digital contribua para o bem-estar social e económico do país.
Referências Bibliográficas
Banco de Portugal. (2025). Relatório sobre Trabalho Digital e Precarização. Lisboa. Acesso ao PDF
Berg, J., & Rani, U. (2025). The Future of Work and the Gig Economy. Geneva: International Labour Organization.
De Stefano, V., & Aloisi, A. (2025). The Algorithmic Workplace: Digital Labor and Employment Rights. Oxford: Oxford University Press.
Eurofound. (2025). Working Conditions of Platform Workers in the EU. Bruxelas: Eurofound.
Guinea, O., Sisto, E., & Du Roy, O. (2025). Regulating Platform Work in the European Union. Paris: OECD.
Kalleberg, A. L., & Vallas, S. P. (2025). Precarious Work and Digital Capitalism: The Global Expansion of the Gig Economy. Cambridge University Press.
Jover, J., & Cocola-Gant, A. (2025). The Political Economy of Short-Term Rentals in Portugal. Antipode.
Moniz, A. B., Boavida, N., & Krings, B. J. (2025). Digital Labour Platforms: Representing Workers in Europe. Research.UNL. Acesso ao PDF
OCDE. (2025). The Future of Work and Digital Platforms in Southern Europe. Paris: OECD Publishing.
Santos, P., Almeida, R., & Costa, M. (2025). Precarização e Trabalho Digital em Portugal. Revista de Economia Digital, 25(2), 45-67.
Standing, G. (2025). The Precariat: The New Dangerous Class in the Digital Age. Bloomsbury Publishing.
Vandaele, K. (2025). Precarious Work in the Gig Economy: European Perspectives.