Como referi no meu último artigo, não sou uma pessoa afortunada no respeitante à saúde, pelo que senti na pele as consequências do período de confinamento de que estamos paulatina e algo receosamente a sair.
Passo a explicar: já tinha marcação de consultas e exames que já não se chegaram a realizar, além de uma pequena cirurgia que ficou adiada sem saber para quando, com possíveis consequências de saúde por ter ficado suspensa.
Assim, fiquei confinada no meu canto, rezando para que mais nada me acontecesse até ao fim destes dois meses de fechamento em casa e sobre nós mesmos, levando-nos a pensamentos ainda mais indesejáveis. Valeu-me o facto de nunca ter sido uma pessoa tendencialmente depressiva e de ter colmatado o tempo com atividades que me dão mais proveito e prazer, entre quatro paredes.
Com efeito, logo que surgiram as primeiras vítimas mortais do COVID-19, todas as atenções dos profissionais de saúde se viraram para as doenças respiratórias provocadas por esse vírus, em detrimento de outras patologias tão ou mais graves do que as provocadas por aquele. Assim, a Direção Geral de Saúde obrigou à requisição de médicos e enfermeiros dos setores público e privado, de modo a poderem cuidar dos pacientes vítimas do vírus letal.
Embora algo intuitivamente, tenho a perceção de que, daqui a algum tempo, se verificará também um pico de mortalidade durante este período de vítimas de outras doenças como AVC, cancro ou cardíacas, entre outras. Tudo isto agravado pelo facto de se ter apoderado das pessoas o temor de apanhar esse terrível virus se recorressem às urgências hospitalares.
Ainda agora, só muito timidamente as pessoas vão voltando às consultas e a realizar exames anteriormente cancelados ou adiados sine die, apesar dos constantes apelos dos hospitais, tentando convencer os seus utentes a regressarem por considerarem estar reunidas todas as condições de higiene e segurança para tal. Também os estabelecimentos de saúde privados, que logo e predispuseram a receber doentes com COVID-19, tentam agora por tudo que os seus pacientes habituais remarquem consultas e exames que deveriam ter sido efetuados nos últimos dois meses.
Aliás, já em meados de abril, houve um comunicado da Convenção Nacional de Saúde, propondo a ativação de um plano de emergência para a retoma de toda a atividade assistencial de saúde, referindo que antes de ser declarada a pandemia “havia 50 mil portugueses a aguardar cirurgias e mais de 240 mil a necessitar de consultas de especialidade hospitalar”.
Face ao peso de outras patologias, como doenças do aparelho circulatório e respiratório, diabetes ou cancro, entre os óbitos, a CNS deixou um aviso: “Se nada for feito para tratar e ajudar os doentes portadores de outras patologias, como as do aparelho circulatório e respiratório, diabetes ou cancro, entre os óbitos, o cenário pós-pandemia terá consequências dramáticas para muitos doentes e suas famílias, terá um custo evitável em termos de sofrimento e vidas humanas e observaremos nova acentuada degradação” do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
No sentido de reiterar a “ativação de um plano de emergência” para a retoma da atividade assistencial, defende que o sistema opte pela generalização de teleconsultas sempre que possível, bem como a adoção de medidas que permitam que os cidadãos tenham acesso à medicação sem terem de se deslocar aos hospitais.
Em relação a exames de diagnóstico, cirurgias e outros atos clínicos que obriguem à interação presencial entre doentes e profissionais de saúde, a CNS apelou ao envolvimento de “todo o sistema de saúde (SNS), privados e setor social, para garantir a maior cobertura” aos cidadãos.
Em jeito de nota final, afirma-se ainda: “Tempos extraordinariamente difíceis exigem medidas extraordinárias e urgentes. (…) Num momento dramático (…), toda a capacidade do sistema de saúde nacional tem de estar ao serviço dos portugueses”.
Pessoalmente, já tive a oportunidade de remarcar os exames anteriormente cancelados. Já quanto à cirurgia, no hospital onde a farei, ainda não abriram os blocos cirúrgicos e não fazem previsões de datas para o seu “desconfinamento”.
Espero que as consequências físicas que do seu atraso podem advir não sejam consideradas, de certo modo, uma negligência discriminatória em relação ao foco quase obsessivo no COVID-19 durante estes dois meses em que vivemos numa espécie de filme de ficção científica. Isto não significa de todo que eu não viva com muito medo do contágio desse vírus letal. Bem pelo contrário!
Helena Garvão
Lisboa, 16 de maio de 2020
BIBLIOGRAFIA:
LUSA, “Covid-19: Convenção Nacional de Saúde pede retoma de toda a assistência médica”, EXPRESSO, 13/04/2020.
Imagem (PublicDomainPictures) gratuita em Pixabay




2 respostas
Tudo gira em torno do vírus. Sensação de abandono total, porque tudo foi adiado: exames médicos, consultas…
Deus nos acuda, querida Lena.
Tem toda razão, Joaquina. Obrigada pelo seu comentário que é coincidente com as ideias do meu artigo.
E a sensação de abandono é muito pior quando a saúde é escassa por sofrermos de doenças crónicas…
Que Deus e todos os que nos estimam nos acudam, quando for necessário, querida amiga.