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Do Betão ao Futuro: Novas Formas de Habitação Jovem e Sustentável

Do Betão ao Futuro: Novas Formas de Habitação Jovem e Sustentável

A crise da habitação jovem em Portugal exige respostas que transcendam o paradigma tradicional do “betão armado” e incorporem soluções adaptadas aos desafios ecológicos, sociais e económicos do século XXI. O crescimento urbano desordenado, a escassez de solo acessível e o aumento da consciencialização climática impulsionaram, a nível internacional, novas formas de habitação que conciliam inovação construtiva, sustentabilidade ambiental e modelos cooperativos de acesso. Este artigo analisa alternativas emergentes para a habitação jovem em Portugal, como a construção modular em madeira, os modelos de co-housing cooperativo e os projetos participativos de urbanismo regenerativo. Com base em exemplos aplicados com sucesso em países da Europa do Norte, defende-se uma reconfiguração do ecossistema habitacional português, centrada em soluções leves, flexíveis, ecológicas e socialmente inclusivas.

O modelo dominante de habitação portuguesa assenta, desde o Estado Novo até à atualidade, na promoção da propriedade privada, construção em betão e urbanização periférica orientada para o automóvel. Embora este modelo tenha respondido, durante décadas, às necessidades de alargamento do parque habitacional, tornou-se desajustado às exigências atuais. A juventude portuguesa, caracterizada por trajetórias profissionais instáveis, rendimentos reduzidos e maior mobilidade, carece de soluções mais flexíveis, acessíveis e adaptadas a modos de vida colaborativos. Esta desadequação é acentuada pela crescente importância da sustentabilidade ambiental nas políticas públicas, consagrada nos compromissos do Acordo de Paris, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e nos critérios de financiamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE.

A literatura científica tem acompanhado este debate, apontando a necessidade de transição para formas de construção menos intensivas em carbono, mais rápidas e adaptáveis. Segundo o relatório Mais do que Casas — Starbursting (2025), publicado pela Universidade do Porto, as soluções em madeira, designadas por CLT (Cross Laminated Timber), têm ganhado expressão em projetos-piloto urbanos, sobretudo no norte da Europa. Estas estruturas apresentam múltiplas vantagens: menor pegada ecológica, rapidez de montagem, boa performance energética e elevada flexibilidade arquitetónica. Em cidades como Estocolmo, Viena e Hamburgo, edifícios inteiros de habitação jovem em CLT demonstram que é possível aliar inovação técnica a políticas sociais ambiciosas.

Portugal, no entanto, permanece hesitante quanto à adoção generalizada destes modelos. As barreiras vão desde a regulamentação desatualizada à falta de incentivos fiscais e técnicos à construção leve. Em declarações recentes, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) alerta para a ausência de normas claras para a certificação de edifícios modulares, dificultando a sua aprovação pelos municípios. Além disto, o setor bancário continua a privilegiar construções convencionais, penalizando soluções alternativas em termos de financiamento hipotecário.

O presente estudo assenta numa abordagem qualitativa e comparativa, com base em revisão de literatura técnica e académica, análise de casos europeus e levantamento de projetos emergentes em Portugal. Foram analisados dados de projetos-piloto em Lisboa, Braga e Évora, bem como iniciativas escandinavas e bálticas de habitação jovem sustentável. A recolha centrou-se nos últimos cinco anos (2020–2025), priorizando fontes com validação científica, relatórios técnicos e experiências documentadas por universidades e ONGs europeias.

Entre os modelos alternativos estudados, o co-housing cooperativo representa uma das soluções mais promissoras. Este modelo, amplamente difundido na Dinamarca e na Suécia, combina unidades habitacionais privadas com espaços comuns e gestão partilhada. Em Copenhaga, por exemplo, o projeto Fælleshuset Nordvest integra 24 famílias jovens em regime de autogestão, com zonas partilhadas de cozinha, lavandaria, biblioteca e horta urbana. O financiamento é assegurado por um fundo municipal rotativo, que oferece crédito a cooperativas certificadas. O impacto vai além do preço: promove coesão social, segurança comunitária e práticas ambientais partilhadas.

Em Portugal, apesar do potencial, os modelos cooperativos enfrentam resistência cultural e institucional. O conceito de propriedade partilhada não é amplamente difundido, e os regulamentos urbanísticos municipais não preveem tipologias híbridas ou uso misto intensivo. No entanto, surgem sinais de mudança. O projeto-piloto Habita+, em Braga, reúne jovens arquitetos, engenheiros e associações juvenis na construção de unidades modulares em CLT com gestão cooperativa. Apoiado parcialmente por fundos PRR e pela Câmara Municipal, este projeto tem demonstrado viabilidade técnica e adesão comunitária, embora enfrente entraves legais na aprovação de loteamento.

Outra dimensão crítica é a eficiência energética das soluções habitacionais para jovens. A pobreza energética afeta desproporcionalmente este grupo, que habita frequentemente edifícios antigos, mal isolados e sem acesso a equipamentos eficientes. A combinação de rendimentos baixos e consumo energético elevado gera situações de vulnerabilidade múltipla. Como refere Salafranca (2024), no seu estudo sobre o interior de Portugal, “os jovens vivem entre o sobreaquecimento no verão e a privação térmica no inverno, com impacto direto no seu bem-estar físico e mental”.

Neste contexto, os projetos de reabilitação sustentável com foco em juventude tornam-se estratégicos. A utilização de materiais naturais, como a cortiça e a madeira, a instalação de painéis solares comunitários, e o acesso a sistemas de ventilação passiva devem ser integrados nas políticas públicas. A ligação entre habitação jovem e eficiência energética deve estar presente nos critérios de financiamento, nos regulamentos camarários e nos programas universitários de habitação estudantil.

O artigo propõe um conjunto de medidas para reconfigurar o ecossistema habitacional português num sentido mais jovem, ecológico e participativo. Em primeiro lugar, a criação de um Programa Nacional de Habitação Leve, que financie a construção modular em madeira, o co-housing jovem e a reabilitação participativa de edifícios devolutos. Este programa deve incluir incentivos fiscais, linhas de crédito a cooperativas e apoio técnico multidisciplinar. Em segundo lugar, é urgente atualizar a legislação urbanística, incluindo normas de tipologias mistas e construção sustentável. O Plano Diretor Municipal deve ser um instrumento de inovação, e não de bloqueio.

Terceiro, propõe-se a integração de conteúdos sobre habitação cooperativa, construção sustentável e urbanismo participativo nos currículos das universidades e escolas técnicas, de modo a criar uma geração de profissionais sensibilizados para a transição ecológica no setor. Finalmente, deve ser criado um Observatório Nacional da Inovação Habitacional Jovem, que recolha, avalie e divulgue boas práticas, em articulação com universidades, autarquias e redes europeias.

A habitação jovem em Portugal não pode continuar prisioneira de modelos do século passado. A crise climática, a transformação tecnológica e a exigência de justiça intergeracional exigem novas formas de pensar, construir e habitar. As soluções existem — o desafio é institucional, cultural e político. Apostar em madeira, módulos, cooperativas e partilha não é utopia: é já a realidade de milhares de jovens em Helsínquia, Viena ou Copenhaga. Portugal pode, e deve, seguir o mesmo caminho.

Referências Bibliográficas

Starbursting. (2025). Mais do que Casas: Inovação Habitacional Jovem na Europa. Universidade do Porto.

Salafranca, B. (2024). Pobreza Energética no Interior de Portugal. Universidade de Coimbra.

INE — Instituto Nacional de Estatística (2025). Estatísticas da Juventude e Habitação.

LNEC — Laboratório Nacional de Engenharia Civil (2023). Relatório Técnico sobre Construção Modular em Portugal. Lisboa.

European Commission (2023). Sustainable Youth Housing Toolkit. Directorate-General for Regional and Urban Policy.

OECD (2024). Urban Innovation and Youth Housing. Paris.

Municipality of Braga (2024). Projeto Habita+: Relatório de Avaliação Intercalar.

Municipality of Copenhagen (2023). Cooperative Housing Projects in Nordvest. Urban Housing Department.

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