Torna-se patente nas Constituições dos Estados modernos, nas quais Portugal é eloquente a este propósito, a passagem do constitucionalismo liberal, preocupado sobretudo com a garantia da autonomia pessoal do indivíduo face ao poder do Estado, para o constitucionalismo social, caracterizado pelo intervencionismo estadual com fins de solidariedade e justiça social. Avulta, nestas, assim, naquele que é o núcleo essencial, face ao Trabalho, que os princípios do Direito do Trabalho inegavelmente constituem uma forma de proteção do trabalhador, já que neste ramo do Direito, ao contrário da paridade das partes existente por regra no Direito comum (Civil), acaba por existir uma “flagrante” desigualdade. Poder-se-á dizer, em linha com Monteiro Fernandes, que o princípio basilar constitutivo do Direito do Trabalho é, pois, o princípio da proteção do trabalhador (MONTEIRO FERNANDES, 2006, p.15).
A este propósito, Leal Amado escreve:
“Sendo a força de trabalho uma qualidade inseparável da pessoa do trabalhador, o que supõe um profundo envolvimento da pessoa deste na sua execução em moldes hétero determinados, isso implica que o Direito, embora centrado na relação laboral como relação patrimonial de troca trabalho salário, tenha em atenção essa envolvência pessoal. A relação de trabalho é uma relação profundamente assimétrica, isto é, manifestamente inigualitária, marcada pela dependência económica e pela subordinação jurídica. Para o trabalhador cumprir é, antes de mais, obedecer, não se limitando a comprometer a sua vontade no contrato, mas também a submeter-se a esse mesmo contrato.”
(LEAL AMADO, 2009, p.13)
O direito fundamental ao Trabalho possui, portanto, não só uma dimensão de defesa, em que o seu titular tem a garantia de exigir que o Estado se abstenha e proteja a plena fruição do direito tutelado, mas ainda uma dimensão de atuação positiva, no sentido em que o Estado deve proteger o gozo da liberdade de trabalho contra aquilo que este possa vir a ser atingido por terceiros (REIS NOVAIS, 2010).
Na realidade, toda a subjetividade, que se encontra inerente a este dever de proteção, deve ser assegurada no âmbito dos princípios dos direitos fundamentais confrontados a cada momento, e em cada situação, em face do contexto fáctico e jurídico. Quer isto dizer, assim, que em cada situação concreta, em que estão em confronto os dois princípios constitucionais: o da livre iniciativa económica do empregador, por um lado, e o do direito ao trabalho, por outro; este princípio deve prevalecer sempre que estiver em causa uma manifestação da dignidade da pessoa humana, o valor fundamental ordenador de todo o sistema jurídico, acabando então por tornar, assim, o trabalhador o núcleo central do Direito do Trabalho.
Nesta decorrência, podemos afirmar, então, que direito ao trabalho, enquanto direito fundamental, assuma uma dimensão suficiente que assegure a dignidade da pessoa humana e exija ao Estado que atue positivamente na promoção de políticas públicas de emprego, no auxílio ao desemprego e na formação profissional.
Já a outro nível, aquilo que é o papel económico de intervenção social dos empregadores não é elemento integrante dos direitos fundamentais. Não é parte do núcleo essencial do Direito do Trabalho, nem se enquadra e integra nos limites imanentes dos direitos fundamentais. Como alude, e bem, Reis Novais (2010) a reserva do financeiramente possível deve apenas atuar como limite fático e jurídico dos direitos fundamentais. O papel do direito fundamental ao trabalho é vital na promoção da dignidade humana, enquanto meio adequado a produzir a autonomia, a autodeterminação do indivíduo e a torná-lo sujeito de direitos subjetivos (IDEM, 2010).
GLOBALIZAÇÃO
Hoje, as fronteiras daquilo que se acabou de traçar encontram-se deveras esbatidas. A globalização levou o comércio mundial a um patamar de competitividade enorme, mas também de interdependências. Com isso, as empresas passaram a ajustar-se e a procurar inúmeras alternativas e a criarem adaptação a essa concorrência mundial. O papel desta globalização foi apresentado ao mundo no sentido em que as empresas poderiam romper barreiras, interagindo diante de um sistema não mais de cariz local, regional ou nacional, mas antes mundial.
Convenhamos que os atores no mundo laboral, em especial os empregadores, com realce para as empresas, como expressa Ianni (2006) tanto produzem e reproduzem os seus próprios dinamismos, como assimilam diferencialmente os dinamismos provenientes da sociedade global, enquanto totalidade mais abrangente. Granato (2015) afirma que é no “espaço” onde o desenvolvimento se afigura desigual, combinado e contraditório, que se expressam diversidades, localismos, singularidades, particularismos ou identidades. E a seu modo de atuar, os localismos, provincianismos ou nacionalismos podem exacerbar-se precisamente devido aos desencontros, às potencialidades e dinâmicas próprias de cada um e de cada parte; e, também, devido às potenciações provenientes da dinâmica da sociedade global, das relações, processos e estruturas que movimentam o todo abrangente (ALVES, 2018).
Acaba por se tornar inerente ao capitalismo, então, que as organizações sociais/técnicas de trabalho e de produção acabem transformadas, de modo estrutural igual, visto que se desenvolvem a todo o momento e em todo lugar. É um processo muito rápido, que inevitavelmente vem tornando as forças produtivas dispensáveis, técnica e socialmente obsoletas. Modernizam-se as formas sociais e as técnicas de organização da produção e do trabalho para amenizar o desenvolvimento desigual em escala, tanto nacional, quanto regional ou mundial (IANNI, 2006).
Na realidade, o cenário descrito acaba por aludir a uma diferente modalidade de prestação laboral e constatar, em nosso entendimento, que estaremos aqui perante, também, uma inevitável mudança organizacional das empresas. Para estas, isto significa alargar os “horizontes” daquele que era o seu modelo funcionamento, o que acaba por incluir as relações laborais e a forma como estas se desenrolam, dando-lhes uma conotação mais maleável e plástica em virtude da dimensão real que a sua execução implica.
Por consequência, o Trabalho, no formato tradicional que era concebido, vem sofrendo transformações significativas, em muitos casos criando um abismo entre os diversos tipos de trabalhadores. Quiçá, hoje, por tudo aquilo que antes se demonstrou, a produção do capitalismo desenvolvido aponta a mudanças no Trabalho. A flexibilidade universal do trabalhador e a fluidez da sua função. Ao que se contrapõe a condição durável, estável e sólida do Capital com a fragilidade e a incerteza dos trabalhadores. Isto, sem embargo, de o processo do Trabalho, pela sua natureza, possuir fundamentos tão precários, que justificam a existência sempre dos trabalhadores, bem como suas funções parciais. No limite, o risco deste desequilíbrio é levar a que os trabalhadores se tornem inúteis e “excedentes numerários” sem ao menos terem controle desse processo (SPURK, 2005). A globalização recebeu o Capitalismo, portanto, acompanhado das forças e relações de produção. As consequências disso são inúmeras, vimo-lo nalguns aspetos.
A questão aqui sujaz e conduz à reflexão. Saber como moldar uma formação social capitalista condizente com a supressão relativa e mudanças possíveis das necessidades dos trabalhadores, enquanto seres sociais, mas sem nunca condicionar ou prejudicar aqueles que são os direitos fundamentais consagrados pelo Direito do Trabalho e cuja inscrição radica sobremaneira nas Constituições dos Estados modernos.
Incumbe ao Estado, mas também à sociedade, ficar atento e acompanhar as mudanças, corrigindo se necessário e aplicando a redução das diferenças (ALVES, 2014).
REFERÊNCIAS
ALVES, Eduardo. Globalização e Subsistema educativo regional. Políticas educacionais públicas da Madeira. Revista Sensos 8, 4, nº 2, p. 67-91, 2014.
ALVES, Eduardo. Modelo alternativo de Governança num espaço português. O caso paradigmático da administração educativa da Região Autónoma da Madeira. Revista Brasileira de Politica e Administração da Educação, 34, p. 567-591, 2018.
GRANATO, Leonardo. Brasil, Argentina e os rumos da integração: o Mercosul e a Unasul. Curitiba: Appris, 2015.
IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
LEAL AMADO, João. Contrato de Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora, 2009.
MONTEIRO FERNANDES, António. Direito do Trabalho (13ª ed.). Coimbra: Almedina, 2006.
REIS NOVAIS, Jorge. As Restrições aos Direitos Fundamentais (2ª ed.). Coimbra: Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010.
SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx. In D. Mercure, & J. Spurk. O trabalho na história do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
(Imagem de capa: Domínio público, de Gerd Altmann por Pixabay)