O Princípio da Subsidiariedade por muitos considerado pedra angular, naquilo que possa ser a relação entre os poderes e fator de proximidade aos cidadãos, além de indutor para o desenvolvimento e melhoria das populações, tem entre nós, em Portugal, uma consagração constitucional justamente na Constituição da Republica (CRP), não na sua versão original de 1976, mas introduzida pela Revisão de 1997 que veio acrescentar no seu artigo 6º, nº 1, uma referência a este Principio, como mais um item paramétrico a dever ser tido em conta nas relações entre o Estado e as Regiões Autónomas , assim como as autarquias locais.
Nem todos terão a perceção, no entanto, uma vez que o Princípio da Subsidiariedade acaba surgindo deveras ligado à relação da União Europeia (UE) e os Estados membros (e com esta tem tido ampla divulgação), que a sua matriz é já antiga e radica na própria doutrina social da Igreja. Efetivamente, a sua origem assenta na “Encíclica Quadragesimo Anno”, de Pio XI (15 maio de 1931), que a propósito da restauração e aperfeiçoamento da ordem social, propugna que a justiça material deve existir na organização coletiva e que se deve pugnar por uma “autonomia a partir de baixo”.
Na realidade, perscrutando a fundo este Princípio, encontra-se a ideia de que este surge associado, fundamentalmente a uma limitação de poderes de uma entidade superior a qual só deve “chamar para si” aquelas funções que não possam, ou não devam, de forma eficaz e adequada, ser prosseguidas pelas instâncias inferiores. Estamos claramente perante uma aproximação dos cidadãos ao poder político, na mais correta distribuição vertical de atribuições competenciais, na essência um desígnio democrático de limitação de poderes.
Ainda, e numa leitura constitucional do Princípio, segundo Canotilho & Moreira (2007), este acaba vertido, todavia, no texto da CRP, já própria Revisão de 1992. Surgiria aqui, enquanto princípio diretor da cláusula da UE, condicionando o exercício comum de poderes entre o Estado e a UE em dois parâmetros: primo, as medidas destinadas à prossecução da UE devem ser adotadas a nível comunitário, quando não possam ser satisfatoriamente adotadas e concretizadas pelos Estados membros; secundo, as medidas necessárias à construção da UE podem ser tomadas a nível comunitário quando, em face da sua extensão e efeitos, têm aí, nesse fórum, melhor possibilidade de sucesso.
Outrossim, se extrairá do artigo 5º, nº3, do Tratado da UE, no sentido em que esta deve intervir na medida em que os objetivos da sua ação não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados membros, não só ao nível estatal, como regional e/ou local.
Retornando ao artigo 6º, nº 1, da CRP, naquilo que aqui nos relevará destacar, este Princípio da Subsidiariedade tem igualmente de paralelo com esta, diríamos dimensão externa, uma mais valia intrínseca ou dimensão interna, que importa sobejamente enfatizar enquanto parâmetro regulatório entre os poderes em Portugal. Quer isto dizer, concretizando, que igualmente, entre nós, os assuntos que podem, ou devam ser resolvidos ao nível das Regiões Autónomas ou autarquias, não devem ser resolvidos pelo Estado. A este propósito, os assuntos regionais caberão às Regiões Autónomas (artigo 225º, nº2, da CRP) e os assuntos de âmbito local às entidades autárquicas (235º, nº2, da CRP), assegurando-se o mais possível uma aproximação do poder decisório aos cidadãos.
Relevante no presente é, a nosso ver, atender hoje ao sentido interpretativo de pendor “operativo” (como defende Blanco de Morais), que impeça que o mesmo surja, quando chamada a sua aplicação, a “flutuar indiferenciadamente a par dos restantes” (idem).
Concretizando, trata-se de ver no Princípio da Subsidiariedade uma dimensão interpretativa que o coloque, quando chamado a intervir, à luz do artigo 6º, nº1, da CRP, numa perfeita igualdade de tratamento a par com os outros princípios aqui constantes, ao invés de mero critério orientador do estatuto organizativo do Estado. Nessa medida, a sua fórmula interpretativa deve assentar então, num claro parâmetro material de equilíbrio entre os princípios da unidade nacional e da autonomia política das Regiões Autónomas e da autonomia administrativa das autarquias locais. Serão estes, aliás, princípios indutores, que devidamente articulados e coerentes entre si, asseguram de forma útil e eficaz a autorregulação destas pessoas coletivas públicas de âmbito territorial descentralizado.
Em rigor, num tempo em que se discutem mais competências para as autarquias, se reivindicam aprofundamentos nas matérias descentralizadas para as Regiões Autónomas, e se coloca por vezes a tónica numa discussão ideológica eminentemente política/partidária e financeira, se não esqueça a dimensão jurídica e o quadro regulatório (limites e desafios), que a nossa Constituição estabelece para estes fins.
Referências:
BLANCO DE MORAIS, Carlos. 2010. A dimensão interna do Princípio da Subsidiariedade. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 58. Vol.II. Lisboa. pp. 779-822.
CANOTILHO, Gomes & MOREIRA, Vital. 2007.Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. I, 4ª Edição revista. Coimbra Editora.pp.245.
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3 respostas
Excelente artigo, confesso que recorri ao dicionário algumas vezes. Mea culpa 🙂