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Quando a Complexidade do Futebol Encontra a Ciência das Organizações

Quando a Complexidade do Futebol Encontra a Ciência das Organizações

Na jornada que conduz um clube de futebol ao sucesso ou ao declínio, é tentador atribuir os altos e baixos exclusivamente ao talento de jogadores ou treinadores. No entanto, como John H. Holland observou, “num sistema complexo, a interação de pequenas partes pode criar o todo de uma forma que ninguém poderia prever.” Esta ideia encontra eco na forma como os clubes de futebol operam como sistemas organizacionais dinâmicos e complexos. Como ex-jogador profissional que transitou para uma carreira académica, defendo que, no futebol contemporâneo, perceber as nuances do jogo é indispensável, mas já não é suficiente.

O recente declínio do Sporting Clube de Portugal, após a saída do treinador Ruben Amorim para o Manchester United, exemplifica como mudanças aparentemente pontuais podem desencadear transformações sistémicas nas organizações complexas. Líder destacado no campeonato português e na rota do bicampeonato, o Sporting colapsou numa sequência de maus resultados após a partida de Amorim. Paralelamente, o Manchester United, que vivia um período de estagnação sob orientação de Erik ten Hag, prepara-se agora para emergir como um grande renascido sob a liderança do novo técnico. Essa transição no Sporting remete ao que o Manchester United enfrentou após a saída de Alex Ferguson em 2013. Durante anos, o United passou por um período de instabilidade, marcado por mudanças frequentes de treinadores e dificuldades em recuperar a sinergia coletiva que caracterizava a era Ferguson. Tal como Ferguson liderava com um profundo entendimento das complexidades organizacionais do clube, Ruben Amorim desempenhou um papel semelhante no Sporting. Agora, no Manchester United, o mesmo técnico parece estar a orquestrar uma reconfiguração positiva: pequenas alterações em lideranças internas e ajustes táticos estão a desencadear transformações profundas, exemplificando o fenómeno de emergência, onde as variações marginais podem gerar resultados significativamente transformadores.

A emergência, conceito central aos sistemas complexos, descreve como o todo revela propriedades e comportamentos que não podem ser explicados pelas características individuais das suas partes. Ruben Amorim, no Sporting, não era apenas um treinador; era um catalisador que sincronizava talentos individuais numa performance coletiva que transcendia a soma das partes. Com a sua saída, as dinâmicas que sustentavam a harmonia e a resiliência desmoronaram, revelando a fragilidade de um sistema excessivamente dependente de interações cruciais. Além disso, sistemas complexos operam de forma não linear, onde os efeitos não são proporcionais às causas. No futebol, as decisões aparentemente triviais — como mudanças na formação ou a introdução de novos métodos de treino — podem desencadear impactos desproporcionais. O Sporting ilustra como uma perturbação, como a saída de Amorim, pode amplificar desequilíbrios latentes, expondo a interdependência entre as partes. Por outro lado, o Manchester United evidencia potencial inverso: sob o comando de Amorim, cada decisão estratégica parece reverberar em alinhamentos inesperados e sinergias que revitalizam gradualmente o clube. Este comportamento não linear, ilustrado por Lorenz no “efeito borboleta”, evidencia como as decisões iniciais podem provocar cascatas de transformação.

Gerir um clube de futebol no século XXI exige mais do que conhecimento técnico. É necessário compreender o clube como um ecossistema adaptativo, onde as interações entre política, economia e cultura moldam decisões e resultados. As teorias de liderança adaptativa de Uhl-Bien e Arena, que destacam a criação de “espaços adaptativos” para promover a inovação e resiliência, são especialmente pertinentes. Ruben Amorim não atua apenas como treinador, mas como arquiteto de sistemas, moldando narrativas, conectando jogadores a objetivos partilhados e promovendo um ambiente propício à emergência de comportamentos adaptativos. Em contraste, o Sporting, sem uma liderança capaz de restaurar a sincronia perdida, enfrenta o desafio de reconfigurar o seu sistema organizacional. Por exemplo, a incapacidade de preencher rapidamente o vazio de liderança após a saída de Amorim evidencia um problema estrutural que requer não apenas substituição, mas uma compreensão sistémica de como reintegrar o clube em torno de novas dinâmicas.

As lições extrapoladas vão muito além do futebol e oferecem reflexões profundas para gestores em todos os setores. Startups, por exemplo, muitas vezes operam como sistemas dinâmicos onde pequenas decisões — como a escolha de uma tecnologia ou a definição de uma estratégia de marketing — podem transformar radicalmente o percurso de uma empresa. De igual modo, grandes organizações como multinacionais enfrentam desafios semelhantes ao tentarem alinhar equipas globais em torno de objetivos comuns, muitas vezes sob pressão dos mercados voláteis. Reconhecer que as organizações são sistemas vivos que resistem à previsibilidade é fundamental. Decisões estratégicas devem ser tomadas com sensibilidade para as conexões internas e externas do sistema. Para líderes em qualquer domínio, a lição é clara: criar “espaços adaptativos” — ambientes onde as ideias e as interações possam fluir livremente — é essencial para fomentar inovação e resiliência. Adotar uma abordagem de liderança que integre incertezas, dinâmicas relacionais e uma visão de longo prazo permite transformar crises em oportunidades.

Ao perspetivar o futuro, é possível prever que o Manchester United colherá os frutos da liderança de Amorim, enquanto o Sporting continuará a enfrentar desafios até encontrar uma nova energia catalisadora. Este contraste reforça um princípio fundamental: algo que está em movimento não garante a sua continuidade sem liderança e adaptabilidade; por outro lado, algo em estado de inércia exige uma força externa que o impulsione — e Ruben Amorim simboliza essa força. Mais do que isso, o sucesso sustentável exige uma visão que transcenda as vitórias imediatas, integrando resiliência e inovação como pilares da estratégia organizacional. Grandes clubes de futebol, se desejam efetivamente ter sucesso a longo prazo, precisam de alinhar as suas operações internas e externas, investindo tanto em liderança visionária quanto na capacidade de adaptação contínua. Este ciclo de energia e transformação encapsula a essência dos sistemas organizacionais modernos: o equilíbrio é efémero, e o verdadeiro desafio reside na capacidade de orquestrar mudanças e antecipar emergências.

Como ex-jogador e académico, vejo no futebol um poderoso laboratório para compreender as dinâmicas organizacionais. Prosperar exige mais do que conhecimento técnico; é necessário liderar com visão, integrando tenacidade, adaptabilidade e inovação. Sob a liderança transformadora de Ruben Amorim, o Manchester United parece trilhar um caminho de renascimento sustentado. Já o Sporting enfrenta uma encruzilhada: sem uma liderança capaz de reorganizar a sua energia organizacional, continuará imerso na incerteza. O papel do presidente, embora menos visível, é determinante para criar espaços adaptativos que fomentem a inovação e a sinergia. Essas narrativas transcendem o desporto, oferecendo lições universais sobre como liderar na complexidade e transformar crises em oportunidades, posicionando a liderança visionária como o diferencial em tempos de incerteza.

Eduardo Leite, Ph.D.
Antigo jogador profissional de futebol
Professor, Universidade da Madeira
Professor Honorário, Escola de Direito, Universidade de Aberdeen
Madeira, 15 de janeiro de 2025

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