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A observação, análise e interpretação da performance no treino de futebol

A observação, análise e interpretação da performance no treino de futebol

No passado escrevemos um artigo intitulado “Avaliação e controlo da performance no futebol profissional” no qual, de uma forma muito generalizada, discorremos sobre alguns meios que consideramos importantes quando se trata de avaliar o processo de preparação de uma equipa de futebol. No presente artigo, vamos centrar-nos num meio que consideramos ser fundamental: a observação, análise e interpretação da performance no treino.

Tendo em conta que o processo de treino visa promover uma determinada forma de jogar, através da modelação dos comportamentos dos jogadores/equipa orientada para ideia de jogo (Sá, 2019), surge a necessidade de, diariamente e ao longo de toda a época, haver espaço para o treinador refletir entre o que é a intenção da forma de jogar e os comportamentos que emergem no decorrer das sessões de treino (Tamarit, 2013).

Hoje em dia, são vários os treinadores que não abdicam desta informação. No programa Decoding The Game – Match Analysis Talks, o Beñat Labaien (responsável pelo departamento de análise da Real Sociedad), o analista Pablo Pérez (Valencia FC) e o Alberto Iglesias (responsável pelo departamento de análise do Athletic Club) explicaram as suas perspetivas e experiências em relação à análise do treino. Beñat Labaien referiu que para a sua equipa técnica essa informação é indispensável, sobretudo para analisar individualmente os jogadores e para verificar se a sessão se ajustou ao que pretendiam. Pablo Pérez contou que após cada sessão de treino o departamento de análise prepara um conjunto de informações para colocar à disposição da equipa técnica. Alberto Iglesias acredita que quanto mais possibilidades de gravação e análise tiverem, mais possibilidades vão ter para colocar toda a informação ao serviço da equipa técnica, para corrigir ou reforçar comportamentos.

O treinador da Roma, Paulo Fonseca também dá especial atenção à análise do treino. O analista da sua equipa técnica, Tiago Leal, numa entrevista concedida a Pimenta (2019) – analista do Sevilha FC ‘B’ – mencionou o seguinte quanto ao seu propósito:

“… nós cometemos determinados erros no último jogo, preparamos exercícios corretivos para essas situações e, depois do treino, vamos analisar o exercício. Para perceber até que ponto o objetivo que nós pretendíamos do exercício foi atingido ou não. Se as correções que nós pretendíamos efetuar foram atingidas ou não”.

Neste sentido, o principal propósito da observação do treino consiste na verificação da coerência entre os comportamentos pretendidos (objetivos) para os exercícios de treino e os comportamentos que emergem durante a prática desses contextos (Sá, 2019), com o intuito de obter um conhecimento mais preciso acerca das suas implicações (Pimenta, 2019). A atenção dada aos aspetos individuais dos jogadores também sai reforçada.

Esta ferramenta possibilita melhorarmos o conhecimento acerca da equipa (Pimenta, 2019); avaliar a efetividade dos contextos de prática criados (Garganta, 2008); intervir de forma mais assertiva no sentido de direcionar e acelerar a evolução individual e coletiva (Silva, 2016); e esbater as prováveis diferenças entre a perceção do treinador e o que realmente ocorre no treino.

Por via da observação indireta (vídeo), esta análise deve ser efetuada de forma qualitativa e objetiva, através de algumas estatísticas ‘funcionais’ (Afonso, 2017), ou seja, por meio da quantificação dos comportamentos qualificados à priori (os comportamentos intencionais relativos à forma de jogar pretendida).

Como guia da observação do treino, sugerimos procurar obter respostas às seguintes questões:

  • Quantas vezes os jogadores expressaram o comportamento pretendido?
  • Quantas vezes obtiveram sucesso / qualidade nos comportamentos?
  • Que outros comportamentos relevantes efetuaram os jogadores?
  • A relação desempenho-recuperação efetivou-se como pretendido?
  • Quais as razões para as respostas obtidas às perguntas anteriores?

Com isto pretendemos aferir, sobretudo, a densidade dos comportamentos pretendidos (individuais ou coletivos), bem como a sua qualidade e variabilidade, pois são critérios fundamentais para a aprendizagem do jogador / equipa.

Os indicadores a procurar devem estar relacionados com o modelo de jogo e com os objetivos de treino (Pablo Pérez). Não devem ser indicadores fixos, e dependem da necessidade e do que pretende o treinador (Beñat Labaien). A importância e a seleção da informação a recolher estará dependente do momento da equipa e dos objetivos pretendidos. Beñat Labaien considera que todas as sessões têm a sua importância, o que irá mudar são os objetivos da análise de cada sessão. É diferente analisar o treino seguinte ao jogo ou um treino realizado dois ou três dias antes do jogo, em que se pretende preparar o plano de jogo.

No período preparatório esta ferramenta pode ter especial importância, tal como considera Tiago Leal (em Pimenta, 2019):

“… a análise do processo de treino tem uma importância muito grande no período preparatório”, porque é “uma fase onde não temos muitos jogos e o treino serve para, portanto, exercitarmos/analisarmos exercícios e aí começar logo a tirar cortes e a corrigir os jogadores sobre os comportamentos que estão a ser bem executados ou mal executados”.

Guardiola também utiliza este meio, sobretudo no período preparatório. No livro onde relata a sua passagem pelo Bayern Muniche, Perarnau (2015) descreve o que se passou num dia de estágio do período preparatório, em Itália:

“Guardiola está no terraço do Lido Palace revisando no computador o treino do dia anterior. (…) Atrás da vidraça, Domènec Torrent, assistente técnico, também estuda em seu computador o último treino. É uma situação curiosa: Pep do lado de fora e Domènec, dentro, ambos revisando separadamente a “pressão de quatro segundos” treinada no dia anterior: “Prefiro ver sozinho, para fazer minha própria avaliação e depois comparar com a dele”, nos diz o assistente…”.

Já durante a época, Tiago Leal, em entrevista concedida à ProScout, refere que pode ter dois objetivos distintos: 1) avaliar os exercícios, i.e., perceber se o efeito pretendido com o exercício ocorreu efetivamente, e 2) quando o exercício tem uma componente estratégica, compreender a efetividade dessa estratégia.

Para além dos aspetos suprarreferidos, este meio também pode ser útil para obter um maior conhecimento acerca do compromisso dos jogadores no processo de treino (Pimenta, 2019), aferir a intervenção dos treinadores, ou centrar em questões mais individuais do jogador. Neste último caso, pode ser importante para identificar e intervir em aspetos relacionados com orientação corporal; com a colocação dos apoios; com as habilidades motoras específicos; entre outros.

Os aspetos a considerar na observação dependerão da relevância dada pelo Treinador Principal, sendo por isso, fundamental definir, à priori, quais os dados e informação que serão úteis para a intervenção do treinador / equipa técnica.

A evolução tecnológica tem contribuindo para a evolução do jogo e das ferramentas utilizadas para suportar todo o trabalho das equipas técnicas. No caso da análise do treino, o uso da tecnologia permite, sobretudo, otimizar o tempo de trabalho. Nas Ligas Profissionais de Espanha, os clubes possuem câmaras instaladas nos campos de treino das suas cidades desportivas. Pablo Perez diz que estas câmaras podem ser controladas e efetuar edição do vídeo diretamente.

Os drones, por exemplo, contribuem para obter informação de forma diferente. Estes aparelhos possuem a capacidade de gravar com uma visão aérea, sendo uma grade vantagem quando se trata de analisar exercícios com conteúdos tático-estratégicos em escalas maiores (intersectoriais ou coletivas). No Manchester City, Pep Guardiola solicitou o uso de drones na gravação dos treinos para ser analisado em tempo real ou posteriormente (Sacristán, 2020). Contudo, estes aparelhos precisam de aperfeiçoamentos para se tornarem indispensáveis aos treinadores de todo o mundo, nomeadamente ao nível da autonomia e ruído.

Em clubes com menos recursos, em que possuem apenas uma ou duas câmaras, a comunicação entre o treinador / equipa técnica e o elemento responsável pela filmagem é determinante, de modo a que a gravação se direcione para os exercícios pretendidos. Este facto assume relevância quando são treinos em que existe a divisão dos jogadores em exercícios distintos.

Por fim, o último passo da análise qualitativa é a intervenção efetuada pelo treinador (Sarmento et al., 2013). A intervenção não se circunscreve à organização do processo de treino, mas a uma variedade de recursos e técnicas que podem ser utilizadas pelo treinador para transmitir as informações aos jogadores (Sarmento et al., 2013), com o intuito de fazer evoluir a performance individual e coletiva.

No caso da pré-época, pode servir para mostrar aos jogadores alguns comportamentos que o treinador pretende que sejam parte do modelo de jogo da equipa, como é o caso de Guardiola:

“Pep aproveitou a manhã de descanso para mostrar aos jogadores um vídeo sobre a pressão que o time deve fazer nos adversários. São imagens extraídas dos primeiros sete treinos” (Perarnau, 2015).

Alberto Iglesias considera que a intervenção pode direcionar-se para os jogadores que têm menor participação na competição, de modo a fazê-los sentirem-se igualmente atendidos, protagonistas, com a mesma atenção do treinador / equipa técnica. Neste caso, alguns aspetos mais individuais que podem ser melhor compreendidos através da visualização do vídeo do treino por parte do jogador e que o mantenham motivado e em evolução para competirem por um lugar na equipa.

Tiago Leal, na entrevista à ProScout, menciona que essa análise pode servir para, num momento pré-jogo (durante o estágio, no balneário no dia de jogo ou mesmo nos minutos antes do jogo), mostrar a determinado jogador um aspeto que seja relevante reforçar ou relembrar para que ele inicie o jogo com aquela imagem. Beñat Labaien está na mesma linha de pensamento, referindo que pode ser útil mostrar algumas dessas sequências dos exercícios no vídeo de preparação de jogo, porque o objetivo principal é que o jogador associe o que está fazendo no treino ao que acontecerá no jogo.

Em suma, esta ferramenta tem sido tendencialmente procurada pelos treinadores e, por isso, acreditamos que será, cada vez mais, um fator importante no desenvolvimento das metodologias de treino e da evolução do jogo.

Foto de Dom Le Roy no Pexels

Referências Bibliográficas

Afonso, J. (2017). Avaliação e controlo do treino: Informação ou ruído? Revista portuguesa de ciências do desporto, S1A, 131-139.

Garganta, J. (2008). Modelação táctica em jogos desportivos: A desejável cumplicidade entre pesquisa, treino e competição. In F. Tavares, A. Graça, J. Garganta & I. Mesquita (Eds.), Olhares e Contextos da Performance nos jogos desportivos (pp. 108-121). Porto: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Perarnau, M. (2015). Guardiola confidencial: Um ano dentro do bayern de munique acompanhando de perto o técnico que mudou o futebol para sempre. Campinas: Grande Área.

Pimenta, A. (2019). A influência da problemática da complexidade na observação e interpretação do jogo de futebol. Porto: Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Sá, F. (2019). Abordagem sistémica no treino de futebol de rendimento: Uma coerência no controlo do treino. Porto: Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Sarmento, H., Pereira, A., Campaniço, J., Anguera, M. T., & Leitão, J. (2013). Soccer match analysis: Qualitative study with first Portuguese League coaches. In D. Peters & P. O´Donoghue (Eds.), Performance Analysis of Sport IX (pp. 10-16). London: Routledge.

Silva, G. G. (2016). A influência no processo de treino da tríade: Treino, jogo e adversário. Porto: Dissertação de Mestrado apresentada a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Tamarit, X. (2013). Periodización táctica vs periodización táctica: Vitor Frade aclara. s. l.: MBF.

Sacristán (2020). Os drones como método de obtenção de dados sobre os atletas. Análise    e Tecnologia Desportiva. Barça Innovation Hub. Consultado em:             https://barcainnovationhub.com/pt/os-drones-como-metodo-de-obtencao-de-dados-    sobre-os-atletas/

https://www.youtube.com/watch?v=Fgvob24zHQs&t=484s

https://apatria.org/desporto/avaliacao-e-controlo-da-performance-no-futebol-profissional/

https://open.spotify.com/episode/3ehXbdBZgBnEmdKDrHBPVV

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