Estamos globais. A economia digital funciona como uma alavanca e catalisador para todo o tipo de organizações nomeadamente as pequenas e médias empresas (PME). As redes digitais permitem desenvolver estratégias e aproximar todos os intervenientes de um mercado. O marketing tornou-se uma ferramenta estratégica bastante útil para se comunicar com os clientes. O marketing evoluiu, mas o seu foco mantém-se: criar valor. Procura-se neste artigo, após percorrer sucintamente a evolução do marketing nos últimos anos, desconstruir alguns desafios que a nova era traz para as pequenas e médias empresas a nível das estratégias de marketing.
Em menos de 100 anos a população mundial assistiu a mudanças que marcaram para sempre a nossa forma de estar. Em menos de 100 anos fomos à lua e agora exploramos marte. Viajamos de avião para qualquer parte do mundo, falamos com um familiar na outra ponta do hemisfério como se estivesse ao nosso lado, a realidade virtual complementa o nosso quotidiano, os progressos com a inteligência artificial permitem ter assistentes virtuais 24/7, temos um computador no nosso bolso apelidado de smartphone. Todos estes eventos mudaram a nossa perceção sobre a envolvente em que nos inserimos e a nossa forma de estar.
A população triplicou. Existem pessoas que pouco percebem da internet e pessoas que não vivem sem internet. A esperança média de vida está a aumentar. Pergunto-me, estamos preparados, enquanto sociedade, para lidar com quatro ou mais gerações da mesma família a coexistir em plenas funções fisiológicas e cognitivas?
Os milleniums estão a amadurecer, a geração Z (zapping) tomará as rédeas. Esta geração, nativos da internet, têm a tecnologia como sua aleada, são altamente permeáveis ao mundo digital, apesar de constantemente impacientes e apressados.
E o marketing? O marketing cresceu e cresce com estas mudanças.
As sociedades estão mais globais, os consumidores mais exigentes e imprevisíveis. A celeridade com que os eventos surgem, as mudanças de atitudes e pensamentos culturais, obriga a uma constante monitorização do ambiente em que uma organização se insere. Torna-se útil e extremamente necessário escutar, satisfazer e fidelizar o consumidor. É neste campo de atuação que o marketing intervém, por um lado procura atrair novos clientes prometendo-lhes valor superior, por outro procura manter e cultivar os clientes atuais, propiciando satisfação.
O conceito de marketing tem evoluído nos últimos tempos bem como o seu âmbito de atuação tem vindo a alargar-se.
Usando a revolução industrial como referência histórica de mudança de paradigmas na sociedade, o marketing de então tinha como campo de ação venda de produtos. A procura era superior à oferta e o foco estava no desenvolvimento de um produto que fosse consumido por massas. Mais tarde, com o desenvolvimento da tecnologia, o objetivo era satisfazer as necessidades e reter os consumidores. As organizações deixaram de se focar no produto e passaram a olhar para os consumidores enquanto seres dotados de inteligência e sentimentos. Como estratégia foi definido a diferenciação e exclusividade. Atualmente olha-se para os valores. Os clientes não são apenas consumidores, são parte integrante das organizações e as organizações esforçam-se por criar uma relação com o cliente e procuram fidelizá-lo. Atualmente o marketing evolui para contornos nunca antes vistos. Os consumidores não procuram exclusividade procuram inclusão. A evolução e transformação de produtos dá-se a um ritmo acelerado. Uma estratégia de marketing adequada hoje, na semana seguinte pode não ser adequada. A proliferação das tecnologias levou ao surgimento do marketing digital. O marketing tradicional funde-se com o marketing digital. Enquanto o marketing tradicional começa com uma segmentação e um alinhamento vertical, na economia digital os consumidores estão conectados através de comunidades e estas passam a ser os novos segmentos. Vejamos os exemplos dos praticantes de crosstraining ou de trails. Conseguimos identificar comportamentos e gostos característicos em cada uma destas comunidades/atividades físicas e a partir desses pressupostos desenhar uma estratégia de marketing mais eficaz. Assim, assistimos a algo denominado de marketing experimental. Atualmente, não existe uma fórmula mágica para chegar a determinado público.
Percorremos de uma forma muito sucinta a evolução do marketing e o seu contributo para uma organização, mas como podemos definir marketing? Existem inúmeras definições de marketing, sendo que a próxima é uma bastante ampla e simples: marketing é o processo de construir relacionamentos lucrativos com os clientes criando valor para eles e recebendo valor em troca.
Em pleno século XXI o digital iniciou um novo capítulo do marketing. As empresas conseguem prestar um serviço de atendimento 24/7, tornou-as mais competitivas e mudou a forma de anunciar. As pessoas tornaram-se avessas aos anúncios. Em vez de vender, as organizações direcionam os esforços para ajudar a comprar. Vende-se sem vender.
As grandes corporações atualmente lidam com desafios tais como: chatbots, em que um programa de computador tenta simular um ser humano numa conversa com pessoas, podendo fazer orçamentos sozinho, vender produtos ou serviços ou mesmo manter o contacto com clientes; marketing de influência, através de parcerias com influenciadores digitais procura-se obter recomendações dos seus produtos ou serviços; business intelligence e big data, que se traduz num conjunto de ferramentas e técnicas que auxiliam no planeamento de estratégias em tempo real, entre outros. Ao mesmo tempo, em que existe uma maior quantidade de informação atual e disponível para se desenhar uma estratégia, surgem mecanismos de controlo tais como o Regulamento Geral de Proteção de Dados que procura regular a forma de quais e como os dados serão utilizados, sendo este também um desafio para as organizações.
Percebemos até agora a importância, contributo e alguns desafios do marketing em organizações bem estruturadas e implementadas no mercado de trabalho, com uma estrutura hierárquica bem delineada e funcional. Mas e as pequenas e médias empresas, com uma realidade distinta, como podem elas atuar e tornarem-se mais competitivas?
Antes de avançar, será importante salientar que a classificação de uma empresa quanto à sua dimensão está relacionada com o volume de negócios ou número de colaboradores. Assim pode-se classificar como microempresa as que apresentam menos de 10 trabalhadores e volume de negócios ou balanço inferior a 2 milhões de euros; Pequena empresa as que apresentam menos de 50 trabalhadores e volume de negócios anual ou balanço inferior a 10 milhões de euros e não estão classificadas como microempresa; Média empresa as que apresentam menos de 250 trabalhadores e volume de negócios anual inferior a 50 milhões ou balanço inferior a 43 milhões de euros e não estão classificadas como micro ou pequena empresa; e Grande Empresa: empresas com grandezas superiores às apresentadas anteriormente. (Diário da República, 2018)(Comissão Europeia, 2015)
Salientamos aqui a importância das PME para o tecido empresarial de qualquer sociedade. Por exemplo, na Região Autónoma da Madeira (RAM), em 2016, existiam 25 351 empresas com sede na RAM, 243 das quais financeiras e 25 108 não financeiras. Entenda-se por entidades não financeiras as que existem com intuito de fabrico de produtos e/ou prestação de serviços. Das 25 108 empresas não financeiras, apenas 15 são consideradas grandes empresas, sendo o restante PME. As PME representam 99,94% do tecido empresarial e dentro destas 96,4% são microempresas. Destaca-se ainda o facto que a dimensão média de uma PME na RAM é de 2,31. (Direção Regional de Estatística da Madeira, 2018)
Para pequenas e médias empresas o desafio do marketing eleva-se e adapta-se a esta realidade. Se por um lado a tecnologia permitiu as organizações competirem lado a lado no mesmo palco digital, por outro lado com o desenvolvimento e especialização da tecnologia poderão surgir algumas discrepâncias. A título de exemplo, nas redes sociais assiste-se a uma especialização dos conteúdos produzidos pelas marcas, vemos empresas de cerveja a incentivar os seus seguidores a marcar jantares de amigos, vemos outras marcas a brincar com situações da atualidade e ao mesmo tempo fazer uma conexão com os seus produtos ou mesmo marcas a convidar celebridades para apadrinhar o seu produto. Estas publicações, que têm tido muitas reações por parte dos seguidores, estão bem implementadas e implicam muitas horas de trabalho em pesquisa feito por equipas especializadas e apenas destacadas para estas funções. Numa pequena empresa, em que o número de colaboradores é mais limitado, o orçamento para este tipo atividade é restrito, torna-se desafiante entrar no jogo, mas é possível.
Um tipo de marketing mais utilizado nas PME é o marketing empreendedor. Este conceito surge com a dificuldade de aplicação dos conceitos tradicionais à realidade deste tipo de empresas. Este conceito bastante amplo associa os conceitos de marketing e de empreendedorismo patentes em qualquer PME. Entenda-se por empreendedor, a pessoa que detém uma forma única, inovadora, disruptiva de se dedicar à atividade de organização, administração e execução de um negócio.
Nesta perspetiva, defende-se que o marketing está orientado para a ideia de negócio e a leitura das necessidades do mercado é intuitiva. A sua divulgação é com base no boca-a-boca e procura estabelecer uma rede de relações para obter informações sobre o mercado. Após o estabelecimento da organização no mercado e sua proliferação, o marketing evolui naturalmente para o marketing tradicional. Em reflexão, esta estratégia acaba sempre por convergir com a estratégia de marketing tradicional: estabelecer relações entre organização e clientes através da criação de valor. Philip Kotler (2012) no seu livro “Administração de Marketing” descreve em três fases, o que as empresas passam de acordo com as práticas de marketing:
- marketing empreendedor, numa fase que o indivíduo deteta oportunidade de negócio e o inicia. Não existem muitos recursos praticando-se um marketing informal;
- marketing personalizado, muito baseado no conhecimento adquirido e feito de forma intuitiva;
- marketing burocrático, quando existe um departamento de marketing e profissionais especializados.
Em suma, vai de encontro ao que costumo ouvir “é preciso é começar, faça-se algo”. Claro que quando estamos a começar alguma coisa tudo acontece ao mesmo tempo e nosso tempo e recursos são diminutos, portanto melhor fazer algo que não se fazer nada. Com o tempo chegamos lá.
Os desafios que uma grande empresa enfrenta, na realidade, são os mesmos que qualquer outra empresa tem. Será necessário ter presente que toda a organização é atingida pela concorrência a nível mundial, deixa-se de competir a nível local (globalização). Todos os clientes ou potenciais clientes procuram valor e a economia gira em torno desta premissa. Numa sociedade em constante evolução, a valorização de determinado produto é subjetiva, hoje valoriza-se, amanhã nem por isso. Os clientes estão mais sensíveis e atentos à responsabilidade social e ética de uma organização. Posso dar o exemplo de há uns anos, de uma organização do ramo automóvel que esteve numa situação complicada quando se descobriu que existiu, alegadamente, adulteração nos valores de poluição. A situação em si não só deu aso a que a verdade fosse reposta, como foi arrasador para a imagem da organização. Nas PME o mesmo pode acontecer. E por fim, humildade. As organizações do século XXI procuram adotar uma postura humilde perante o mercado. Colocam de parte a competição e a afirmação de serem os melhores e deixam essa tarefa para os clientes.
Para quem está a começar deixo aqui algumas reflexões que podem ser úteis.
Uma estratégia de baixo custo monetário e temporal, para este tipo de organizações, pode passar por uma correta leitura e interpretação do ambiente que se insere. Tal como iniciamos esta reflexão, estamos globais e os seres humanos menos pacientes, pretendem tudo agora. Uma organização deve estar preparada para saciar estes desejos no imediato, para isso, por exemplo basta estar atento à sua conta nas redes sociais, site, mail e telefone para sempre que for abordado sobre qualquer produto estar disponível para responder. Tudo isto é possível através de um smartphone, tal como o que usa diariamente.
Perceba quem é o seu cliente e onde ele anda. Se tem uma loja de produtos mais indicados para um segmento jovem procure estabelecer pontos de contacto nas redes sociais em que eles se encontram. Estabeleça uma forma de comunicar com o seu público-alvo. As pessoas hoje em dia procuram conteúdos e não produtos. Todos nós gostamos de uma boa história, comece por contar a sua.
Dedique um pouco de tempo a obter formação especializada nos meios que usa para estar em contacto com os seus clientes. Praticamente todas as plataformas digitais permitem a recolha de dados das pessoas que interagem com as suas páginas. Estes dados contêm informação muito útil, sem custos, que permitem conhecer melhor os clientes e seus hábitos.
Não venda, ajude a comprar. Disponibilize ajuda para esclarecer sobre qualquer produto ou serviço que disponibiliza. Faça pequenos tutoriais de como o produto funciona, explique as mais valias do produto, peça a pessoas para partilhar a sua experiência com o seu produto ou serviço e que façam sugestões de melhoria. Envolva-os no processo de criação do próximo produto, este passa a ser da comunidade e não só seu.
Desenvolva o sentido de pertença dos seus colaboradores. Nada melhor do que a nossa equipa partilhar a missão, visão e valores da organização. Não se esqueça que o marketing existe a três distintos níveis: cultural/filosófico, estratégico e operacional (Maçães, 2017). Marketing deve ser cultura da organização e colaboradores que complementam objetivos pessoais com objetivos da organização são trabalhadores muito mais motivados. O marketing também deve ser feito voltado para o interior da organização.
Partilhando aqui um pouco sobre a minha experiência nesta área, em 2017 fui convidado a participar num projeto de marketing digital, numa empresa na área da panificação, por um período de um ano. A sua presença no digital era um pouco desordenada. Neste período e com muito pouco investimento foi possível, passar de uma presença no digital através de uma rede social com cerca de 2 mil seguidores para presença no digital através de um site institucional, e presença em duas redes sociais, uma delas que passou de 2 mil seguidores para 4 mil seguidores. Em termos de conteúdos foi possível partilhar fotos dos seus produtos em situações do quotidiano e não só as fotos típicas em vitrines, foi possível desenhar estratégias de fidelização como por exemplo o desenvolvimento de um pão em que os próprios clientes escolhiam os ingredientes e os mais votados permitiram fabricar um pão de acordo com as preferências. Estabeleceu-se uma relação de proximidade em que os seguidores sentiram o à vontade de esclarecer dúvidas sobre produtos diretamente com a organização e partilhou-se a história da organização transmitindo confiança num serviço que existia por mais de 4 gerações. Estes foram alguns dos vários exemplos que podia dar desta experiência. Relembro que foram exemplos de situações que foram alcançadas com um baixo custo de investimento financeiro.
Ninguém sabe o que surgirá amanhã, ninguém sabe hoje qual é a próxima rede social que terá mais utilizadores, nem mesmo se no futuro as redes sociais têm a mesma importância que têm agora no nosso quotidiano. O que hoje deu certo, amanhã poderá não dar. Tão importante como saber os desafios e tendências do marketing é aplicá-los hoje na sua organização. O importante é fazer algo.
Referências:
Comissão Europeia. (2015). Guia do utilizador relativo à definição de PME. https://doi.org/10.2873/418863
Diário da República. Código do Trabalho (2018). Retrieved from http://cite.gov.pt/pt/legis/CodTrab_indice.html
Direção Regional de Estatística da Madeira. (2018). SECTOR EMPRESARIAL DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA 2016 Direção Regional de Estatística da Madeira. Retrieved from https://estatistica.madeira.gov.pt/
Kotler, P., & Keller, K. (2012). Administração em Marketing. (P. Hall, Ed.).
Maçães, M. (2017). Marketing e Gestão da Relação com o Cliente. (C. A. Editora, Ed.). Lisboa.
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