EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Decifrando o Cérebro Digital: a Epidemia Silenciosa do Analfabetismo Funcional

Decifrando o Cérebro Digital: a Epidemia Silenciosa do Analfabetismo Funcional

Prezado leitor, prezada leitora,

Antes de mergulharmos em um tema tão crucial e sensível como a Educação — um assunto que, espero, provocará um verdadeiro “tsunami mental” em sua percepção —, permito-me uma breve apresentação. Nos tempos atuais, em que o “lugar de fala” detém uma relevância social e credibilidade inegáveis, sinto a responsabilidade de compartilhar de onde eu falo.

Minha jornada é pavimentada por quatro décadas dedicadas à Educação. Sou Pedagoga por vocação e escolha, e durante esse período, atuei como Professora, Gestora e Supervisora de Ensino. Essa vasta experiência em sala de aula e na administração educacional foi a base para uma busca incessante por conhecimento. Minhas especializações, mestrado e doutorado não foram apenas títulos; foram o combustível para aprimorar uma compreensão robusta sobre os desafios e as possibilidades da aprendizagem.

Além da prática e da academia, sou autora de livros na área educacional, artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, e colunista em revistas e jornais. Mantenho ainda um site onde compartilho reflexões aprofundadas sobre o universo acadêmico e as nuances do nosso cotidiano.

É dessa vivência, desse profundo mergulho no universo da Educação, que emerge a urgência em discutir o que vem a seguir.

Vamos ao texto

O último relatório do Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional) — 2024 – indicou que 29% dos brasileiros de 15 a 64 anos seguem como analfabetos funcionais[1], mesmo patamar verificado em 2018, ano em que a série histórica da pesquisa, publicada desde 2001, foi interrompida devido à pandemia de Covid-19. “Com relação aos jovens, o analfabetismo funcional teve um ligeiro incremento. Em 2018, 14% dos jovens de 15 a 29 anos estavam nessa condição e o percentual aumentou para 16% em 2024(Relatório Inaf — 2001–2024)[2].

Pasmem, não é somente o número de analfabetos funcionais que assusta, é a juventude desse analfabetismo, ele está rejuvenescendo. A geração que se orgulha em estar sempre conectada, na verdade, está se desconectando do mundo, por não conseguir desenvolver uma leitura crítica, um raciocínio lógico, compreender textos básicos e operações matemáticas simples.

TABELA 01

Fonte: INAF — Uma iniciativa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro.

Uma análise rápida da Tabela 01 já nos revela um cenário alarmante: não apenas o analfabetismo funcional persiste em índices preocupantes, mas o número de brasileiros com plena capacidade de leitura e compreensão é lamentavelmente baixo. O que isso significa? Uma sociedade com dificuldade em processar informações, tomar decisões mais assertivas e, em última instância, participar plenamente da vida contemporânea.

GRÁFICO 01

Fonte: Jornal A Hora — edição online — 10/06/2025

Mas o choque maior vem quando olhamos para a faixa etária e a localização geográfica (GRÁFICO 01). A pesquisa que temos em mãos desmascara um mito antigo: o analfabetismo funcional não é mais um problema exclusivo de gerações mais velhas, de áreas rurais ou de trabalhadores que começaram suas jornadas precocemente. Pelo contrário, estamos assistindo a um preocupante rejuvenescimento do analfabetismo funcional. Ele se espalha, silencioso e perigoso, por entre as novas gerações, desafiando tudo o que acreditávamos sobre o avanço da educação.

O Brasil, outrora visto como um país aonde o futuro chegava com um certo atraso, mas com a promessa de transformar vidas através da ciência e da inovação, passou nas últimas décadas de importadores de conhecimento a protagonistas na pesquisa científica global. Nossos cientistas e pesquisadores contribuíram ativamente para o avanço do saber em diversas áreas.

No entanto, com a crescente incapacidade de discernimento e compreensão alfabética, todo esse futuro promissor está sob ameaça. Novas descobertas, avanços tecnológicos e soluções inovadoras podem surgir em nossas universidades, mas correm o risco de não serem compreendidas, de serem condenadas a um esquecimento nas prateleiras do conhecimento, inatingíveis para uma parcela significativa da população.

Fonte: Charge do Duke (dukechargista.com.br)

Ainda nesta mesma pesquisa foi avaliado o desempenho digital e o resultado apontou que “95% dos analfabetos têm nível baixo de proficiência digital, pois só conseguem realizar um número limitado de tarefas em relação ao que foi proposto pelo levantamento” (Relatório Inaf — 2001–2024).

Há algo estranho no ar

Enquanto os números do analfabetismo funcional e de proficiência digital parecem assustar, os números dos usuários de mídia social só crescem. Em 2024, o portal DataReportal[3] divulgou o resultado de uma pesquisa entre brasileiros indicando que havia naquele ano 66,3% de usuários de mídia social, com 96,9% de conexões de telefonia celular ativas.

Se compararmos os dados de conexões de telefonia celular publicados na pesquisa DataReportal de 96,9% e o nível de analfabetismo funcional apontado na pesquisa Inaf de 29%, brotará uma curiosidade, de como esses analfabetos funcionais entre 15 e 64 anos de idade “apreendem” as mensagens que diariamente recebem via internet.

Considerando o cenário de escândalos diários sobre fraudes via internet, propagação de Fake News e o uso recente da Inteligência Artificial (IA) para criar vídeos que “imitam” situações e personagens reais, é fácil concluir que temos um problema, estudado por alguns institutos de pesquisa. Um deles é o Instituto Locomotiva[4], que em 2024 publicou uma pesquisa apontando que oito em cada dez brasileiros já tinham atribuído credibilidade a Fake News e 62% confiavam na própria capacidade de diferenciar informações falsas e verdadeiras em um conteúdo.

Será que a fronteira entre o real e o irreal na internet passou a representar apenas uma linha quase invisível, capaz de ser percebida apenas por alguns alfabéticos privilegiados, com tempo, conhecimento e ferramentas disponíveis para desmascarar as mais variadas farsas?

E a Educação?

A era digital nos bombardeia com informações, tornando o discernimento mais crucial do que nunca. No entanto, o analfabetismo funcional se alastra, comprometendo a capacidade da população brasileira de entender e interpretar o mundo. E a escola, que deveria ser nossa fortaleza de conhecimento, parece estar desarmada diante desse cenário.

Em meio a crises sociais, tragédias e modismos efêmeros, a educação brasileira luta para encontrar seu caminho. Mais do que guiar o conhecimento técnico, histórico e científico, ela se vê refém de políticas de governo que, ao invés de construir um plano de Estado sólido e duradouro, focam em metas populistas do momento. Como a escola pode cumprir seu papel fundamental se nem mesmo sabe para onde está indo?

Os números do último PISA são um grito de alerta: em matemática, 73% dos estudantes brasileiros demonstraram desempenho insatisfatório. Em leitura e ciências, os resultados não são menos preocupantes, com 50% e 55% dos alunos abaixo do esperado, respectivamente. Enquanto celebramos a revolução tecnológica e as conquistas espaciais, uma sombra se alonga: o crescente número de analfabetos funcionais e o desempenho insatisfatório até mesmo entre os que se consideram alfabetizados.

Estamos diante de um mapa para uma tragédia humana.

Se você acompanhou esta leitura até aqui, meus parabéns! Em um mundo obcecado por “likes” e engajamento transitório, a Educação raramente ganha os holofotes. No entanto, é ela quem sustenta nosso futuro e a capacidade de compreender e transformar o mundo.

A realidade que o Brasil enfrenta pode não ser exclusiva. Esse é um problema global que nos convida à ação. Que tal iniciar uma conversa sobre essa questão com sua família, amigos, comunidade ou mesmo em seu ambiente de trabalho? O importante é provocar uma reflexão profunda e humana, acendendo a chama da transformação.


[1] São considerados analfabetos funcionais aqueles que conseguem realizar tarefas bastante simples que envolvem a leitura de palavras, pequenas frases e números familiares como o do telefone, da casa, de preços etc. Porém, ao se deparar com textos mais longos e complexos, números maiores ou que exijam operações para sua compreensão, não conseguem realizar tarefas com base na leitura e na escrita.

[2] Disponível em: https://alfabetismofuncional.org.br/ — Acesso em 31/05/2025.

[3] Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2024-brazil — Acesso em 05/06/2025.

[4] Disponível em: https://ilocomotiva.com.br/#quemsomos — Acesso em 09/06/2025.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

TAGS

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]