Entre os muitos significados de perspectiva temos os de ‘ilusão e aparência’, aos outros significados iremos ver depois quando essa nossa conversa se alargar. Perspectiva é ilusão porque configura um aspecto de algo que se vê, mas não é o que se vê, é um arranjo para aparentar o que se vê, como aquilo que se viu, uma composição para mostrar o que ficou visto como foi visto, mas que sua aparência, a que se lhe atribuímos, só pode ser demonstrada com ilusão, distorções misteres a configurar o que se viu. Quem desenha sabe bem do que falo. E não esqueçam a máxima budista: Esse é o mundo de ilusão. E a alma e os sentimentos são boas portas para a ilusão se instalar.
Atentemos também que desde há muito se diz que o homem é o homem e suas circunstâncias, repetindo ao que Ortega y Gasset se deu conta. O que significa dizer que ele, o homem, está sempre cercado, o que nos leva a notar que a alma humana nunca é livre. Vejamos o que implicam as circunstâncias, que sendo uma particularidade, qualidades anexas cada uma, ainda que muitas vezes determinantes, são sempre causas, motivos e motivação de nossa existência, daquilo que resulta de existirmos. E quais são essas particularidades?
1.º temos: Os limites.
Vejamos: 1. O homem está sujeito a sua época, e sua época o circunscreve, posto que tudo que há e que houve, existe e existiu num determinado tempo, este que determina o que somos, posto que nossa existência está ligada ao tempo em que ocorre, e convoca todas as peculiaridades deste tempo. Esta característica privativa poderá eventualmente dispensar alguma circunstância deste tempo ‘presente’ à época, mas que perdura, fixando-se numa circunstância anterior, ou, por antecipação fortuita, numa eventual posterior. Essa circunstância implica ainda fatores temporais mutáveis, fatores que o tempo gera, tais como: a recorrência, a impossibilidade, a imprevisibilidade, a singularidade, a irrealidade, a infinitude, a não referência — não dizer respeito a nada, ilimitado, a não ser limitado ou limitável em sua própria manifestação e fluição, e ademais imperceptível. (1) Nunca esquecer também a curvatura do tempo (2).
- O homem está sujeito aos seus referenciais, socias, se assim os podemos adjetivar, sujeitos àquilo que ele toma como referência. Por exemplo: Seus alimentos e como obtê-los, suas crenças espirituais, seus hábitos existenciais e lúdicos, etcetera. É bem verdade que todos esses fatores estão condicionados tanto pelas dimensões ambientais, primeiramente, como pelas suas heranças culturais e históricas consolidadas.
- O homem está sujeito à sua memória. Poder-se-á dizer mesmo que ele é sua memória, bem como colectivamente a dos outros. Muitos povos transmitiam seu conhecimento através da oralidade, como sabemos. Contavam histórias que passavam as informações centrais às gerações mais novas, faziam jogos e brincadeiras que transmitiam suas práticas, etcetera. Destarte formavam uma memória dos eventos que lhes iriam suceder determinados pelo desenvolvimento absoluto das circinstâncias locais e grupais, formando uma memória afeta a tudo que lhes era necessário saber. Até que inventaram a escrita e a maioria dos povos passaram a se valer dela para transmitir esses registros, como sua memória, mas não exclusivamente ainda hoje. A Humanidade não existe como expressão duradoura, mas só como álbum de fotografias.
- O homem está sujeito aos seus valores, sejam quais forem. Uma série de princípios que tem consigo, que às vezes podem ser coletivos, mas que sempre lhes toca individualmente, tanto no sentido de os fundamentarem e os estabelecerem, como de os rejeitarem. O que significa que cada um de nós está em conformidade ou em contradição com tudo aquilo que nos é apresentado
como válido e|ou valioso. - O homem está sujeito à sua percepção. Sua maior ou menor capacidade de perceber o mundo, o que dar-lhe-á maior ou menor capacidade de compreensão e reconhecimento, e esta forjará seus referências. E tudo se passa num meio muito fluido, onde a referência aponta para muitas direções, estabelecendo conexões diversas no cérebro que é mais de dois terços água eletrificada, permitindo grande fluidez mecânica.
São esses, entre outros, os limites das circunstâncias inarredáveis do homem, todas assimétricas e exclusivas, não há evolução sem assimetria, ainda que se repitam em diferentes indivíduos muitas vezes, o que nunca implicará simetria, apenas reflexo de nossa animalidade e sua resposta similar, mesmo assim ocasional na causa, uma vez que toda simetria é uma ilusão momentânea, que logo se dissolverá no alargado espectro do universo. Não surgem todas juntas, são antes governadas pela terceira Lei de Newton, que, por qualquer fator outro que se queira autônomo, ocorre. É um processo gradual e lento de diversificadas respostas, que progridem em paralelo, logo assintótico, apesar de convergente, e que se vão associando, sendo este processo o princípio a que Jung chamou “enantiodromia”, criando o termo.
Nesta primeira conversa mostramos os factores formadores da natureza humana, limites de sua formação e extensão. A seguir teremos Os caminhos de sua formação, e sua evolução. As soluções pertinentes e suas fórmulas. Outros condicionamentos, etcetera. E por fim o ser superior. Peço a todos que tenham algo a fazer notar sobre minhas observações que o façam prontamente, pelo que ficarei muito agradecido.
(1) Como queriam: Eterna recorrência — os Indús e Egípcios. Impossibilidade material — Heráclito. Imprevisibilidade — Hume o cético inlandês. Singularidade — Descartes. Irrealidade — nos paradoxos de Zenão de Eleia. Infinitude – Marco Aurélio. Não referência — Heráclito. Ilimitado — Epicuro de Samos. Imperceptível — Platão.
(2) Como a percebeu Gauss.