Os homens não são verdadeiramente livres, a não ser no pensamento, tudo mais é adaptado ao juízo do contexto e da audiência. Na realidade, caso se pudessem expressar livremente, certamente muitas narrativas seriam bem diferentes, mesmo as mais universais.
Verdadeiramente, a universalidade de uma ideia não prova muito. Desde logo, porque grande parte da evolução natural do espírito humano está condicionada a opiniões formadas sobre hipóteses não verificadas. Além do mais, as distâncias, quer do tempo, quer do espaço, privam qualquer universalidade de sua força demonstrativa.
Sem embargo, as ideias universais são cruciais na resolução de conflitos do quotidiano. De facto, na generalidade dos casos, não se releva, de todo, o conteúdo do que é dito ou escrito, mas sim quem diz e qual o seu estatuto social ou posição hierárquica. Deveras, ex hypothesi, diante dos símbolos não se valoriza a razão.
Versus, há homens que procuram compreender o seu tempo para contrapor e superar as leis e os direitos estabelecidos, porém frequentemente obsoletos. Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), é disso um exemplo paradigmático. Naturalmente, teria, também, as suas necessidades e paixões particulares; no entanto, harmonizou essas paixões com os seus atos, potenciando a universalidade, expressou a antítese como meio necessário para a transformação de uma realidade injusta e dramática, que, eventualmente, alguns viam, outros faziam que não viam, mas, na realidade, poucos se atreveram a enfrentar.
Homens assim, opostos ao normal, sintetizam bem o interesse pela razão. Quer dizer, Sousa Mendes ao invés de obedecer aos homens, desafiando Deus, preferiu enfrentar os homens, ficando com Deus, mesmo ciente das consequências que sofreria, o que por si só faz dele um ser extraordinário. Efetivamente, no final, o “eu” é a única pessoa da qual ninguém pode separar-se. Na esteira de Sócrates (469 a.C.-399 a.C.), a razão para não se querer cometer um crime, mesmo quando não há risco de se ser flagrado e, portanto, condenado, não deve ser evitar a punição, mas o facto de moralmente não ser correto; e se, não obstante estar ciente disso, mesmo assim, alguém o fizer, estar condenado a viver com um celerado.
Ora, a interpretação enunciativa destes argumentos mostra que o é válido universalmente, aplica-se automaticamente nos planos inferiores, sejam eles internacionais, nacionais ou mesmo locais. i.e., como nos ensina a filosofia do direito a maiori ad minus (a lei que permite o mais também permite o menos); e a contrario sensu (a lei que estabelece uma disciplina para certo tipo de situações excecionais afirma implicitamente um princípio regra, de sentido contrário, para os demais tipos de problemas).
Neste contexto, ineptire est juris gentium (a inépcia é um direito de todos) e, infelizmente, vista como normal; na realidade, perante as adversidades da vida é mais fácil imputar aos outros as nossas próprias responsabilidades, do que ser honesto e reconhecer as nossas próprias limitações. Com efeito, todas as coisas que representam um obstáculo às nossas existências ou ultrapassam as nossas capacidades de entendimento, são geralmente traduzidas, em termos de ideias ou afetos, em frustração e angústia, fruto da sensação de impotência de ação perante os obstáculos ou infortúnio.
Consequentemente, os sentimentos mais nobres como o amor, a paz, a amizade, a lealdade e a solidariedade, que deveriam prevalecer independente das circunstâncias, mas, sobretudo, nos momentos de apuro, são afastados, dando lugar à deceção, à indignação, ao perjuro, ao abandono, culminando quase sempre em tristeza. Umas vezes sem motivo aparente, outras por falta de entendimento da singularidade, outras, ainda, por uma total incapacidade de nos colocarmos no lugar dos outros, faz com que a soturnidade degenere em ódio, como a máxima expressão da impotência.
Diversamente, comentar a inépcia e a maledicência é crime. Na realidade, uma insurreição contra as convenções (Schopenhauer, 1788-1869, A arte de escrever).
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