EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Politicamente incorreto: Mutilação da obra de Agatha Christie – suprema estupidez.

Politicamente incorreto: Mutilação da obra de Agatha Christie – suprema estupidez.

A sua própria editora, a Harper Collins, está a alterar as obras da grande mestre do crime, alegadamente para responder às sensibilidades modernas, por exemplo quando a autora diz nativos, passa a ser ‘locais’, os comentários do aspecto físico das personagens, uma graça da criatividade de Agatha, são suprimidos, tudo na presunção do politicamente correto, onde referencias étnicas ou insultos não podem figurar. Ora, se os insultos foram ditos pela personagem e ouvidos pela autora…

Miss Marple com seu temperamento, Poirot com sua sagacidade, perdem sua inteireza para darem espaço à estupidez reinante, a de que com seus chistes, possam ofender sensibilidades. Ora, ora, quem não tem compreensão das características do tempo em que uma determinada obra foi escrita, não deveria lê-la, ou quem não respeite as verdades do tempo, seja ele qual for, também não; por ser tonto demais ao ser capaz de se melindrar, ou criticar o fato, por não perceber de que é a História que determina que as coisas sejam assim, e assim devem ser apreciadas, como eram e são. Agora a própria editora fazer censura prévia porque julga que a sensibilidade de seus leitores poderia ser arranhada, e, tal ocorrendo, talvez os faça perder desta condição de leitor, substituindo-a, ou negando-a, ou indo ler outro autor, e, por terem esse medo, adulteram o texto, atitude que é, em suma, a suprema estupidez!

Os diálogos das personagens tidas como, ou ditas, antipáticas, as referências étnicas, as críticas mordazes, vão ser todas suprimidas, como no livro do “Misterioso caso de Styles”, onde Poirot é censurado, sendo retirados os termos Judeu, Ciganos e Orientais, referências étnicas. E no “Morte no Nilo”, um clássico, as falas de Mrs Allerton são alteradas, e isso, essa despropositada tolice, já vem de décadas, uma vez que em 1977 o título do “Ten little niggers” havia sido mudado para ‘And then there were none’, ‘Não sobrou nenhum’, á conta dos negros, o termo, evidentemente. E quem determina isso? Um grupo de gente mal paga intitulada “Leitores de Sensibilidade”. Pergunto eu: Sensibilidade de quem? Se Agatha Christie fosse viva, e fizessem isso com qualquer outro autor, comprariam uma briga com a grande escritora. Já o tonto do seu neto, James Prichard, que detém a Agatha Christie Limited, que rende milhões de libras todos os anos, é conivente com as mutilações, e não dá explicações. O The Guardian pediu-lhe um comentário e ele negou-se, não respondeu.

ALTERAÇÃO DO PADRÃO DE SENSIBILIDADE

É bem verdade que as sensibilidades se alteram a longo do tempo, e de que a atual será diversa da do princípio do século XX, ou mesmo até de 1976, quando terminaram de ser escritas as mais de uma centenas de obras de Agatha Christie, e o mesmo, por maioria de razão, temporal claro, se passa com as obras de Shakespeare, Camões, Vitor Hugo, etc… que com o passar do tempo, e por haver mudança na sensibilidade em seu entendimento, têm até passagens de difícil compreensão, ou que podem ser consideradas politicamente incorretas à luz da mentalidade nossa, contemporânea, assim é grande parte da Bíblia, então iremos, pois, mutilá-las, mudando-lhe trechos supostamente em desacordo com a sensibilidade atual?

“Olho por olho, dente por dente”.

Poderá haver expressão mais politicamente incorreta, desde que o Cristo nos mandou perdoar? E a vamos retirar da ‘nova’ bíblia em razão disso?

INSENSIBILIDADE É QUE TÊM

Será que essa gente não vê que não tem o direito de alterar uma vírgula de uma obra acabada, muito menos editada e reeditada centenas de vezes? Nem o próprio autor teria esse direito após publicação, quanto mais uns quantos leitores arvorados em censores e detentores de poder discricionário, antes de mais estão sendo arbitrários, portanto devemos lhes perguntar: Fazem isso com poder atribuído por quem?

Discretionis potestatem

Todo o processo de leitura é a revelação da alma do autor, como poderá alguém crer em sua própria ‘sensibilidade’, não fujamos ao termo, para escolher, eleger, para suprimir ou adulterar, uma determinada passagem em qualquer obra de qualquer autor, contra a escolha manifesta do próprio, que é como ficou escrita, por este que é o senhor último de sua forma e conteúdo?

Do politicamente correto

Para quem anda nesta onda do pretenso politicamente correto, creio que deve refletir que, antes de mais, este não pode ser retroativo. Como deveriam saber, com dois dedos de testa, que ninguém tem o direito de alterar a obra de um autor, seja porque razão for. Essa busca de uma verdade (supostamente nova) dos outros, é, além de estúpida, uma irracionalidade no contesto lógico e temporal. Mais que tudo uma ação criminosa, que desfigura a inteireza das obras deixadas como foram e, portanto são, e devem ser e permanecer assim. Já foram alvos desta insânia outros autores como Ian Fleming e o magro Roald Dahl. Será que por matar ser um crime, e também um pecado, logo politicamente incorreto, não irão retirar a licença para matar do James Bond?

Imagem: Unsplash

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Uma resposta

  1. Excelente reflexão, companheiro. Lembrou-me uma conversa que tive com um colega procurador de Justiça há alguns anos quando da confecção da ADPF que suspendeu a Lei de Imprensa aqui no Brasil. Ele, um homem culto e muito inteligente e bem intencionado, veio conversar comigo a respeito da necessidade de mecanismos de controle das ideias publicadas, para evitar ofensas. Não havia redes sociais na época nem se ouvia falar em nazistas com tanta facilidade, então o contexto era outro. Me lembro dele citar uma decisão judicial no Rio Grande do Sul em que o juiz mandou recolher todos os exemplares de um livro porque a comunidade judaica havia se sentido ofendida. Eu entendi, mas ponderei que se essa passasse a ser a prática, acabariam a Literatura e a Ciência, porque ambas podem desagradar em algum momento, sobretudo numa sociedade complexa como a atual. Disse que a Igreja matou e torturou inúmeros pensadores que olhavam para além das trevas medievais. E disse ainda que ideias se combatem com ideias, pelo menos é isso que se faz no campo científico. Hoje há a questão do neo-nazismo que penso acrescenta uma nota dissonante nesse raciocínio porque é capaz de matar de fato, mas no mais, por favor, leitura deve ser feita reconhecendo o tempo histórico de sua produção. Realmente há estupidez demais no ar por esses tempos agora. Parabéns pelo artigo, corajoso e necessário, irei compartilhar.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]