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Peabiru.

Trilha indígena de tempos imemoriais. Caminho da erva amassada, pisada, do relvado amassado, como o diz seu nome em Tupi. Caminho dos Incas, longo e custoso trilho percorrido do Atlântico ao Pacífico, 3.000 quilômetros com subir os Andes pelo meio. Desde o Umbigo do Mundo, Cuzco, a São Vicente, a capitania hereditária no extremo Sul do que era o então Brasil-Colônia sob Tordesilhas, colada ao Rio de Janeiro, São Paulo que virá a ser. A estrada atravessando vales, rios, ravinas e desfiladeiros por todo o Império dos adoradores do Sol – Inti -, o denominado império das das quatro partes juntas, como se dizia em Quechua – Tawantisuyu – hoje englobando partes de sete países, a Estrada Inca era então o corredor principal da América do Sul, ponto nevrálgico do poder Inca, por onde corriam seus emissários, daí a erva amassada, uma vez que correr por terreno pedregoso é muito difícil.

E como tinham razão os Incas em suas escolhas, o local que ficou conhecido como São Vicente era por demais estratégico, e foi lá que o Brasil viu nascer sua primeira Vila em 1532, com o mesmo nome da capitania, nos tempos de D. João III, que por ter expulso os ciganos de Portugal em 26, manda-os para as colônias por decreto em 38. Será que foram? Já no outro extremo, o ponto final do trilho Inca, ficava Quito, no Ecuador, alcançado desde Cuzco, a poderosa capital do Império Inca. Neste longo percurso toda a história dos tempos pré-colombianos, com toda sua noção de poder, posto que cada vez que surgia novo imperador, este deveria conquistar novas terras, uma vez que as de seu antecessor continuavam deste, mesmo tendo ele morrido. Forma do Império estar em expansão permanente, um curioso modelo governativo. Lá na que será a São Vicente, o extremo do ‘recorrido’ da Estrada Imperial, encontraram os índios cangangues, botocudos jês, que então dominavam a região, e que passaram a fazer parte do império Inca, conformando nova Huaca. Razão pela qual Martim Afonso de Sousa foi fundar a vila de São Vicente onde a fundou, já sonhando com as riquezas que ficavam na outra extremidade do trilho, como as de Potosi, descobertas treze anos mais tarde, e que quase destroem o Império Espanhol, pelo excesso de sua produção, era demasiada prata. Martim Afonso ainda um ano antes de fundar São Vicente, enviara uma expedição desde outro local lendário da região, Cananéia, em direção aos Andes, mas que não se fez acompanhar dos índios Guaranis, como havia feito Aleixo Garcia, sete anos antes, o que leva a expedição a ser chacinada pelos Guaranis que dominavam a região.

Eixo central de uma rede de estradas, Peabiru, que hoje atravessaria sete países, será também o caminho das riquezas incas, que se construíram com o controle sobre muitos e variados povos, num império como o romano, só que um pouco menos brutal, apesar de muito mais primitivo. No Brasil é também chamado de Trilha dos Tupiniquins, a que os Tupis usavam para chegar ao rio Paraná, e que em sua diáspora os levou a muitos pontos do continente. Nome tupi muito antigo, que, creio, os incas aceitaram bem – peabiru – cruzava muitos locais estratégicos, como o vale do Anhangabaú, seguindo pelo coração do que é hoje a maior cidade da América do Sul. Mais abaixo em Meiembipe, hoje Forianópolis, onde os Guaranis-Carijós aceitaram a liderança de um náufrago português, como lhes falei, Aleixo Garcia, em 1524, para irem lutar pelo ouro inca, o que não resultou, e que os espanhóis em 33 afinal irão conquistar, promovendo a destruição do maior império das Américas, e fazendo esquecer Peabiru.

Quando mais tarde essa região junto ao rio Paraná passa a ser Terra das Missões jesuíticas, o caminho é por estes frades batizado com o nome de São Tomé, tendo feito florescer ali uma civilização peculiar de aculturação dos índios, as ‘reduções’ que se tornaram prósperas, mas que não chegarão ao XVIII, só sobreviverão do XVI ao XVII, até quando, com a disseminação dos ‘encomenderos’, contratados para capturarem e escravizarem os índios, mão-de-obra necessária a lavoura, índios estes que nas missões haviam muitos, e que já eram exímios escultores e lutiers, inclusive exportando para a Europa, até que foram completamente destruídas as Missões por sucessivos ataques. Era o fim do sonho de Manoel da Nóbrega e tantos outros, e os índios que não se deixavam escravizar, nunca foram integrados. Creio que muitos ficaram destes tempos incluídos no que se chama de civilização. Eu mesmo descendo de uma bugre pega à laço, que gerou muitos filhos a um ancestral meu, e que foi professora de piano. Outras se conhecem que foram médicas, enfermeiras, músicas. Desconhecem-se os detalhes de como se integraram, e foram absorvidas, desparecendo em meio à dita ‘civilização’.

Peabiru hoje é um sonho esquecido, cujos trechos que se podem ainda ver em certos pontos, muitos em meio à mata, são hoje chamados de ‘trilho do índio’. De seu nome, apenas guarda-o um município no Paraná, como lembrança última de um império, como derradeira recordação de tempos de glória de uma civilização grandiosa, que foi a mais desenvolvida da América do Sul.

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