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O Resgate dos Soldados de Sauron

O Resgate dos Soldados de Sauron

O livro «O último Anel», do escritor russo Kiril Yeskov, fez furor na altura em que saiu: em 1999. Na época não o adquiri e – confesso – andei em busca dele durante os últimos anos…

Até meados do ano passado, este livro, fazia parte da minha lista de livros a comprar e fiquei muito contente – realizado – quando finalmente o encontrei e o tornei parte da minha biblioteca. No entanto, foi uma desilusão…

Acredito que grande parte do furor deste livro se resumisse ao subtítulo oficial «O outro lado da história» e ao não oficial «a história do anel pela perspectiva dos Orcs». E digo isto, porque dito assim, parece extraordinário e incontornável para um fã de Fantástico, das obras de Tolkien e do Universo da Terra Média. Todavia, se lhes disser que não é nada disto, não vos estarei a mentir…

Coloca-se-me, agora, um desafio. Como vos traçar a minha opinião – sublinho o facto de ser a minha opinião – sem spoilers?

Poderia fazer o mesmo que Yeskov fez: desrespeitar inteiramente a obra, desmembrá-la, retirar-lhe todo o encanto e magia e escrever a partir daí. Mas não quero que deixem de ler «O Último Anel» só porque eu não gostei… Afinal – como disse – é só a minha opinião.

É claro que sinto uma certa frustração. Vejam; há quase 20 anos que procurava por este livro, como se ele fosse uma parte importante de cultura que eu precisava de ter e de ler. E, para além disso, e também por isso, sinto-me enganado…

Existe um princípio de Direito que prevê um ressarcimento em detrimento da expectativa; ou seja, se alguém cria noutro uma determinada expectativa que depois não é cumprida é considerado culpado e tem de ressarcir o outro. Parece-me, contudo, que esse princípio não é aplicado no que à publicidade diz respeito – até porque, se o fosse, há muito que o Mundo das Agências Publicitárias teria sido moralizado; mas isto são outras questões…

Seja como for, foi precisamente aquilo que se passou. A expectativa que os subtítulos – oficiais e não oficiais – geraram foi uma e o resultado foi outro, distinto; e eu não vi cumprirem-se as minhas expectativas. Eu reconheço qualidade literária em Yeskov, e até mérito na história que criou; tenho maturidade suficiente para reconhecer talento, apesar de não gostar do estilo ou da história. Por isso, não direi que é um mau livro. É, no entanto, lamentável que «alguém» – deixo ao vosso critério a concretização da persona – não tenha tido coragem de assumir o que é que este livro, de facto, é. E o que é ele?

Uma afronta a quem adorou a história de Tolkien: o relato de como dois hobbits – seres pequenos e pacíficos – conseguem levar a cabo a jornada de destruírem o anel maldito com o qual Sauron poderia dominar os homens da Terra Média. As opiniões que resumem a Trilogia do Senhor dos Anéis a «gente a andar» são, não só, limitativas e atarracadas, como revelam um total desconhecimento do que esteve por detrás desta história, de quem era Tolkien e do que realmente estava em causa…

Vem agora – há 20 anos, por acaso – Yeskov deturpar, torcer e escarnecer da memória da própria humanidade em nome de quê?

De dinheiro… Só isso explica por que razão não se chamou ao livro o que ele era e se tentou criar um laço com um sucesso brutal; para se aproveitarem desse mesmo sucesso. A única coisa que este livro tem em comum com a Trilogia dos Senhor dos Anéis é o Universo… Ainda assim; só o físico.

O que Yeskov fez foi brilhante; tiro-lhe o chapéu. Mas não precisava da Terra Média para isso, porque poderia tê-lo feito num universo próprio. Porque não o fez?

Por falta de imaginação?

Não o creio…

Porque se quis associar a um sucesso e apanhar a boleia da corrente da época?

Talvez…

Porque não gostou de «O Senhor dos Anéis», não entendeu a mensagem, ou simplesmente porque tem tendências elitistas?

De certeza!

Só alguém assim se atreveria a resumir a Trilogia a dois capítulos, a demonizar Gandalf e a vitimizar Sauron… Espantados?!

Pois é isto mesmo que acontece. Imaginem, agora, a minha cabeça – à espera de «O Senhor dos Anéis» da perspectiva dos Orcs – quando cheguei ao final do 2º capitulo e me apercebi que a história de «O Senhor Anéis» estava contada… E o resto?

Bom; o resto é a verdadeira história que Yeskov quer contar, mas nada tem que ver com «O Senhor dos Anéis».

Quanto ao elitismo de que acuso Yeskov – tenho de o dizer – é resultado – espero, eu – do mesmo desconhecimento que provoca o «atacarrismo» intelectual de quem vê na Trilogia, apenas, uma história de «gente a andar»… Infelizmente, não creio que Yeskov sofra do mesmo desconhecimento que a maioria daqueles que considera «gente a andar» a história central da Trilogia do Senhor dos Anéis…

E é neste momento que – talvez – poderão perceber a minha indignação.

Tolkien combateu na Primeira Guerra Mundial; do lado dos aliados. A Terra Média foi idealizada, por ele, como um escape aos combates cruéis em que participava e a que assistia. Coisas como as casas dos Hobbits, um buraco no chão, derivam da sua vida nas trincheiras; pelo que a ideia de que os Hobbits poderiam representar, de alguma forma, os soldados que – como ele e com ele – combatiam, todos os dias, possa não ser tão disparatada assim. Talvez a ignorância sobre isto seja tanta que não se recordem que o que esteve na base da Primeira Guerra Mundial foi o poderio económico e as políticas imperialistas do império Austro-húngaro e Alemão; e que depois de 28 de Junho de 1914, após o assassinato do Arquiduque Francisco Fernando da Áustria, o mundo dividiu-se em dois grandes blocos – um a ocidente (os aliados) e outro a oriente. Alguma semelhança com Trilogia?

A guerra travava-se todos os dias com os soldados combatendo, ferindo-se, morrendo, numa terra de ninguém, lamacenta, carregada do fogo das explosões e fumos, sem beleza nenhuma, hostil à vida e às vistas. «Ring a Bell

«Gente a andar…» era como se sentiriam os soldados, porque simplesmente iam sobrevivendo um dia de cada vez, numa jornada que parecia nunca mais acabar, na esperança de que a aliança inimiga fosse destruída… Não sei se encontram, aqui, também, mais alguma coincidência?

A Primeira Guerra Mundial acabou em 11 de Novembro de 1918 e nela perderam a vida mais de 9 milhões de combatentes. A Trilogia do Senhor dos Anéis é – também – uma homenagem a todos estes soldados, gente que era pequenina – carne para canhão –, mas que destruíram a aliança maléfica.

Por isso, «O último Anel» – com ou sem intenção – acaba por ser, na minha humilde opinião, uma falta de respeito a Tolkien e a todos os combatentes da Primeira Grande Guerra; e, não só, porque minimiza a sua luta – dois ridículos capítulos -, mas principalmente porque insinua que são os maus da fita.

Shame on you, Yeskov!

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