EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

O bandido da luz vermelha, o avacalho e o esculhambo (parte 1)*

O bandido da luz vermelha, o avacalho e o esculhambo (parte 1)*

Eu sei que fracassei. […]
Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha.
Avacalha e se esculhamba. (trecho do filme)

Em 1968 o realizador Rogério Sganzerla (1946-1994) lançou o filme O bandido da luz vermelha, inserido pelos críticos no conjunto de filmes denominado Cinema Marginal, epíteto recusado pelos realizadores.

A dialogar com o momento pelo qual o país passava, imerso na ditadura civil-militar (1964-1985) e prestes a adentrar sua fase mais violenta, os Anos de Chumbo (1968-1974), o filme se utilizava do recurso à alegoria para representação do momento histórico brasileiro e latino-americano.

O professor de cinema e crítico Jean-Claude Bernardet aponta que este recurso à alegoria não fora inaugurado por Sganzerla, tendo sido utilizado por outros realizadores no período imediatamente anterior ao golpe de 1964. Segundo Bernardet, “Os filmes [de] Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra pouco antes do golpe de 64 abandonam um realismo preso a questões sociais restritas ou a uma sociedade nacional ou camadas dela, para montar metáforas abrangentes que significam não somente o país como um todo, mas uma ampla situação social que vai além dos caracteres nacionais […] esses traços podem ser reencontrados no Bandido, quando se autodenomina um “faroeste do Terceiro Mundo”, em uma altura em que a ideia de terceiro-mundismo estava em voga.

O centro nevrálgico dessa alegoria é o ladrão mascarado, um “zorro mascarado, subdesenvolvido”. Uma das versões expostas pelo realizador para gênese do filme é que havia se inspirado ao longo de uma viagem ao exterior e que, de retorno ao Brasil, encontrou no noticiário da imprensa um bandido real muito semelhante ao que havia imaginado, assimilando aspectos deste no roteiro.

O certo é que o personagem real, aliado à criatividade inquieta do realizador, permitiu a produção de um filme que, talvez por ter se revelado uma alegoria à medida do subdesenvolvimento econômico, político, cultural e psicológico do Brasil e da América Latina, contrariou os interesses daqueles que haviam se colocado como os verdadeiros realizadores de um cinema que retratasse o momento político brasileiro.

Continuamos com Bernardet, para quem O bandido da luz vermelha, “também é uma metáfora abrangente, pois não se limita a narrar um caso policial na Boca do Lixo ou mesmo na cidade de São Paulo: estoura essas fronteiras para se constituir em discurso abrangente sobre a situação desesperada do Terceiro Mundo como um todo.”

Tendo o que Bernardet chama de metáfora abrangente como ponto em comum com Terra em transe, é possível afirmar que Sganzerla levou ao extremo a opção pela alegoria como ferramenta de discussão da realidade, na medida em que O bandido da luz vermelha é o caso extremo de consequência da ruptura do tecido social que resulta do terceiro-mundismo.

Ao contrário do que imaginava (ou sonhava) a esquerda que embalava o Cinema Novo, essa ruptura não se traduziu em revolução social, mas em banditismo social.

* Este artigo é parte de pesquisa de Iniciação Científica denominada O cinema como representação da história: subdesenvolvimento e modernização brasileira no Cinema Marginal (1967-1974), desenvolvida no Departamento de História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, ao abrigo de bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC-CNPq), entre 2007 e 2009, sob orientação da Profa. Dra. Ana Lúcia Lana Nemi.

O bandido da luz vermelha, São Paulo, 1968, 92 min., 35mm, p&b. Direção, roteiro, música e diálogos: Rogério Sganzerla. Produção: Urânio Filmes. Distribuição: Urânio Filmes e Riofilmes. Elenco principal: Paulo Villaça e Helena Ignez. O filme está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pSbBA4OiqBc

BERNARDET, J-C. 1991. O voo dos anjos: Bressane, Sganzerla. São Paulo: Brasiliense.

DOWBOR, L.1982. A formação do 3º mundo. 2 ed. São Paulo: Brasiliense.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]