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Desincretizando…

Desincretizando…

Segundo uma das definições do dicionário Houaiss, SINCRETISMO é a fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas com reinterpretação de seus elementos.

No Brasil, o uso comum da palavra a tornou uma explicação resumida para o uso de imagens de santos católicos representando os Orixás, disfarçando o culto a essas entidades, já que os negros escravizados eram proibidos e impedidos de faze-lo, pelos colonizadores católicos que acreditavam que essa devoção africana era coisa do diabo.

Por conta disso, a palavra passou a ser usada com ressalvas no ambiente acadêmico, exigindo que quem a use, explique bem o que quer dizer com ela.

De fato, a presença de imagens de santos católicos, comuns até hoje nos terreiros de Umbanda e mais raras nos de Candomblé, tem uma explicação bem mais complexa do que a que apela para o simples disfarce. Cultos africanos são dependentes de tambores, de canto, de dança e música. Como podem ter se transformado numa silenciosa contemplação a uma imagem da madeira ou de barro? Como substituir pela estátua de um santo católico, uma entidade que, na prática, se faz presente, dançando, cantando, comendo com seus filhos durante o culto?

Parte dos motivos do uso da imagem de santos Católicos em cultos de origem africana se explica por causa de similaridades entre a história do santo e a do Orixá por ele representado. A figura de São Gerônimo ao lado de um leão, certamente dizia, ao africano escravizado, coisas diferentes do que entendia o colonizador. Além disso, o uso das imagens dos santos católicos pelos afrodescendentes em seus cultos não começa nos povos que cultuavam Orixás e sim por uma população africana, particularmente a que vivia onde são hoje o Congo e Angola, e que teve contato com o Catolicismo português 15 anos antes de Brasil ser encontrado por Cabral. Esses povos, chamados genericamente de Bantus, surgiram 3.500 anos A.C. na região onde é hoje a divisa entre Nigéria e Camarões e foram migrando, durante séculos, para ocupar a África Central, numa extensão de um 1/3 do continente africano e que vai da costa do Atlântico até a do Índico. Uma particularidade desses povos foi a capacidade de absorção de elementos de outras culturas, que permitiu que aprendessem a trabalhar com o ferro e a desenvolver técnicas de agricultura e pecuária para poder viver em diversos ecossistemas, das savanas às matas tropicais.

O contato com os portugueses, a partir de 1485, iniciou uma relação comercial e diplomática em que portugueses frequentavam as cortes africanas e africanos visitavam a corte portuguesa. Assim, o que era útil na cultura portuguesa também foi absorvido.

No caso do Catolicismo, alguns fatores facilitaram sua assimilação pela cultura Bantu, especialmente no Congo. Entre esses fatores merecem destaque a crença num deus único, a semelhança das funções dos sacerdotes e dos objetos “sagrados” nas duas culturas e a similaridade entre os papéis dos ancestrais africanos (falecidos) para o povo Bantu, e a dos santos católicos para a comunidade Católica. Quando a escravidão se tornou a engrenagem principal da economia da colonização, os primeiros que aqui chegaram e a maior parte da mão de obra escravizada que veio para o Brasil era justamente da região Congo/Angola. Muitos dos escravizados já tinham sido iniciados no Catolicismo e já misturavam suas crenças originais àquelas trazidas pelo colonizador e que eram absorvidas, sempre que úteis.

Aqui, esse “catolicismo africano” foi a base de formação das Irmandades de Homens Pretos, fundadas sob a proteção de um santo, principalmente N. Sra. do Rosário e de São Benedito (santo negro, de descendência africana, e que por isso era também um ancestral) homenageados em festas que, justamente por isso, são frequentemente chamadas de Congadas.

O Sincretismo dessas culturas não aconteceu pela substituição e pelo disfarce e sim pela absorção e acréscimo e presença de imagens de santos, assim como a de Pretos Velhos e Caboclos nos terreiros de Umbanda, não é uma herança Yorubá e sim Bantu.

O porquê da cultura Yorubá ter se tornado a referência para quem fala de afro descendência é assunto para outro artigo.

Bibliografia

SOUZA, Marina de Mello e. Reis Negros no Brasil escravista. Belo Horizonte: UFMG, 2006

FOURSHEY, Catherine Simone, GONZALES, Rhonda M., SAID, Christine. África Bantu. Petrópolis: Vozes, 2019

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