Nos dous anteriores artigos desta série falávamos a conceção parecida da língua que tinham Carvalho Calero e Peregrin Otero. Em ambos os casos os dous linguistas falavam duma língua proto-romance que denominavam de “galaico” do qual surgiram duas variantes, uma no ocidente e outra no oriente da Gallaecia histórica. Carvalho Calero denominava a primeira como galaico ocidental e à segunda galaico oriental, enquanto que Peregrim Otero reconhecia a primeira como galego medieval e a segunda como leonês medieval da qual surgia o castelhano medieval.
No terceiro artigo veremos como é que o grande linguista moldavo Eugen Coșeriu Presidente da Sociedade Linguística Românica durante os anos 80, atendia à explicação desse paradigma estendido e comum até o dia de hoje.
O Professor Coșeriu a quem tivemos a honra de conhecer durante os anos 80, quando o reintegracionismo assentava a sua filosofia organizando entre outras cousas, os Congressos Internacionais da língua galego-portuguesa na Galiza, geridos desde a AGAL (Associação Galega da Língua), deixou escrito nas Atas do II Congresso da série de seis, dos que falamos e dito por meio da sua colega Miorita Ulrich, quem leu o texto o seguinte originariamente em castelhano (1):
“Pouco depois, a invasão árabe interrompe também este desenrolo, muito antes de que las inovações partidas desde o centro pudessem impor-se, também como norma de conservação, aos centros inovadores da Gallaecia e da Tarraconense. De forma que, agora sim, pode falar-se já do delineamento de uma unidade galega (ou, talvez, galaico-asturiana), sobre todo com a criação do reino das Astúrias, que muito cedo abrange a Galiza. (.…)
Por outra parte, no entanto, as conservações que opõem esta língua (fala do galego) ao castelhano, ao catalão ou a ambos os dialetos são próprias também do asturiano, pelo menos, do asturiano ocidental, e –o que, outra vez, é mais importante- também algumas das suas inovações se estendem a esse mesmo asturiano ocidental. De acordo com o critério adotado a respeito das línguas que “se estão a delinear”, deveríamos, portanto, dizer que –como na época anterior- se está a delinear uma língua “galaico-asturiana” com centro na Galiza; tanto mais, quanto no que diz respeita a uma unidade política “Portugal” ainda não existente”.
Como vemos, a ideia é a mesma, só que Coşeriu opta por denominar a essa “galaico” carvalhiano de “língua galaico-asturiana” na que temos de supor estão incluídas as falas galegas mas também as asturianas, ou pelo menos, como nos diz o nosso Professor, as asturianas ocidentais.
Mas vamos, portanto, aprofundar mais no tema:
Sabemos por Alonso Zamora Vicente que isto que diz o o Professor Coşeriu não deve estar muito desencaminhado, pois o romanista espanhol, membro da Real Academia Espanhola afirma no seu livro “Dialectologia Española” (2) que…:
As formas sem ditongo, tão frequentes, não respondem à fala viva, mas a diversos passos operantes sobre os escrivães e tabeliães. O primeiro e mais importante é o influxo do galego. Todo o reino leonês tinha sido fundado sobre a área da antiga Gallaecia e compreendia nos seus limites um território que não ditongava: a Galiza. Sobejam as testemunhas de dentro e de fora da península que identificam Leão com a Galiza. O prestígio cultural da Galiza, sobre tudo no século XII, era enorme: existe, inclusivamente, um documento de 1185, de Matilla de la Seca, para Leste do Araduey, quer dizer, já oriental, que apresenta todas as características galego-portuguesas.
Esta realidade que apresenta o galaico ocidental como determinante na estrutura linguística do leonês é reconhecida pelo mesmíssimo Sanchez Albornoz, tão relutante ao reconhecimento explícito da importância da Galiza nos processos de conformação nacionalitária durante a Idade Média. Assim, nos diz ele (3):
A Galiza teve muita importância: foi núcleo do antigo reino suevo; foi restaurada depois, às vezes como reino aparte em benefício de algum filho segundo do rei leonês; na Galiza costumava-se educar os príncipes, como Afonso V, costume seguida ainda no século XIII; Galiza era, em fim, grande centro religioso, a causa do sepulcro do apóstolo Santiago, cujo templo foi visto como um dos grandes santuários da Cristandade e atraia a peregrinação espanhola e internacional. Por isso a Galiza influiu muito na linguagem leonesa durante o nosso período; Castela influiu mais exatamente um bocado depois, já que a sua hegemonia política não começou até o último terço do século XI.
Há duas cousas diferentes que se extraem destes textos: a primeira é da origem comum das falas galaicas ocidentais ou galego-portuguesas e das falas galaicas orientais ou asturo-leonesas; mas há uma segunda, que é a influência que as primeiras exercem sobre as segundas em épocas posteriores à suposta e inicial unidade do proto-romance galaico, nomeadamente na época do chamado por alguns inteletuais, “esplendor compostelano”. Essa influência viria acompanhada de poder político, como não poderia ser de outra maneira, pois política e projeto nacional, e portanto, projeto linguístico, são duas faces duma mesma moeda. Do nosso ponto de vista esse momento de especial exercício de poder que influenciasse singularmente no contexto linguístico galaico, ou se preferirmos galaico-leonês, irradiando uma possível koiné futura com base na Galiza compostelana poderíamos situá-lo temporariamente durante o reinado de Afonso VII Raimundes, o Imperador.
Esta língua galaico-asturiana, em palavras de Coşeriu teria uns limites e podemos conhecer as demarcações da sua versão ocidental com uma certa aproximação, pois Al-Ândalus ao Sul da região de Coimbra marcava umas estremas bastante claras. Mais complicado seria estabelecer os marcos da versão oriental, quer dizer desse asturo-leonês ou galaico oriental do qual temos uma informação mais limitada.
Procuremos também nos textos dos linguistas clássicos do século XX. Recorramos outra vez ao Professor Zamora Vicente, que nos fala dum “Continuum” leonês-aragonês no centro da península só delimitada de forma muito difusa no seus pontos de contacto do que no seu dia tinham sido a Gallaecia tardo-romana e a antiga Tarraconense. Esse ponto de contato é em qualquer caso uma região periférica quer visualizarmos desde a Gallaecia quanto da Tarraconense, mas central dentro do contexto do norte peninsular. Esse espaço corresponder-se-ia com os limites orientais da Castela primigénia com o Reino de Navarra, incluindo dentro desta última a Rioja. Esses parecem ser os limites.
Diz-nos Zamora Vicente (4).
“O oriente aragonês apresenta, ao oriente da península, um correlato com o ocidente leonês. Análogos fenómenos fonéticos, idênticas zonas extremas de interpretação e confusão”.
Sanchez Albornoz, também no seu “Origenes del Español” nos dá um prelúdio ao que posteriormente nos foi dizer Zamora Vicente, determinando-nos com mais pormenor o ponto de contato entre leonês e aragonês, entre galaico oriental e tarraconense ocidental. Eis (5)
Hoje em dia certos fenómenos linguísticos do Leste, especialmente do aragonês, reaparecem no Oeste, especialmente no leonês, sendo estranhos ao castelhano; manifestam-se assim atualmente em duas áreas isoladas, uma oriental e outra ocidental, separadas pela interposição da grande massa dialetal castelhana. Tal descontinuidade geográfica é muito chocante; mas muitas vezes temos podido comprovar que essas duas áreas, hoje isoladas, estavam unidas primitivamente por meio do território moçárabe, e que a continuidade antiga da área foi quebrada só a partir de fins do século XI, pelo efeito do progressivo avanço da reconquista castelhana”.
Lembremos que o primitivo navarro-aragonês nasce em território riojano e é nesse âmbito que influenciado tanto por cântabros e vascões quanto pelo espaço galaico-leonês e também moçarábico nasce o castelhano. Essa qualidade de benjamim dentro do conjunto de falas romances não se corresponde muito com a mitologia que o próprio castelhanismo linguístico tem criado no que diz respeito das suas próprias origens.
Primeiramente disse-se que as Glossas Emilianenses e Silenses, aparecidas como anotações a textos em latim dum romance muito primitivo ao lado de textos em basco, datado por alguns a finais do século X ou começos do XI, era o primeiro texto em castelhano. A evidência mais clara de entre todas as anotações do Códice está na página 72 do mesmo, onde nos aparece todo um parágrafo de várias linhas que vem dar forma a uma versão do romance falado pelos frades do Mosteiro de São Milhão da Cogolha na Rioja (6).
Con o aiutorio de nuestro dueno Christo, dueno salbatore, qual dueno get ena honore et qual duenno tienet ela mandatione con o patre con o spiritu sancto en os sieculos de lo siecu los. Façanos Deus Omnipotes tal serbitio fere ke denante ela sua face gaudioso segamus. Amen.
Trad: Com a ajuda do nosso senhor Cristo, Senhor Salvador, Senhor que está na honra e Senhor que tem o mandato com o pai, com o Espírito Santo nos séculos dos séculos. Faça-nos Deus Omnipotente tal serviço que perante a sua face sejamos ditosos. Amem.
As caraterísticas do castelhano não parecem definir o texto que acima reproduzimos e é por isso que os próprios hispanistas do XX decidiram finalmente que não era o primeiro texto em castelhano primigénio. O Professor Rafael Lapesa Melgar membro da “Real Academia Española” e da “Real Academia de la Historia” teve a valentia de dizer que isso não era castelhano, mas navarro-aragonês, quer dizer, a representação das primeiras falas do espaço linguístico tarraconense ocidental (7).
O romance aparece usado com plena consciência nas Glosas Emilianenses, compostas no Mosteiro riojano de São Milhão da Cogolha, e nas Glosas Silenses, assim chamadas por ter pertencido o seu manuscrito ao mosteiro de Silos, situado ao Sueste de Burgos; provavelmente foi copiado ali dum original procedente de São Milhão da Cogolha. Umas e outras datam do século X ou começos do XI e estão em dialeto navarro-aragonês.
Evidentemente um Estado como a Espanha do século XX, construida sobre uma sólida base paradigmática e mitológica não podia ter uma língua que fosse uma recém chegada ao concerto das línguas latinas. Devia possuir uma língua com avoengo e fidalguice que pudesse concorrer em honra e antiguidade com outras línguas da Romania. Se não eram as Glosas, qual poderia ser a primeira representação escrita da “lengua nacional”? A seguinte opção em ser considerada derivava para um texto muito antigo, localizado no Mosteiro dos Santos Justo e Pastor na localidade leonesa de La Rozuela, ou Roçola, como aparece no próprio texto do que vamos falar. Nele, um frade de nome Ximeno faz conta do número de queijos que ele fez como despenseiro que era do dito mosteiro. O texto foi-nos fornecido por Menendez Pidal no seu “Origenes del Español (8), e está datado por ele por volta do 980, conhecido como a “Nodicia de Kesos”.
Nodicia de kesos. S. X (Manuscritos de 956-980)
(1ª columna)
(Christus) Nodicia de kesos que espisit frater Semeno: In Labore de fratres. In ilo bacelare de cirka Sancte Iuste, kesos V; In ilo alio de apate, II kesos; en que[e] puseron ogano, kesos IIII; In ilo de Kastrelo, I; In Ila vinia maiore, II;
(2ª columna)
….que lebaron en fosado, II, ad ila tore; que (le)baron a Cegia, II, quando la taliaron Ila mesa; II. que lebaron Leione; II. …s…en u…re… …que…. …c… …e…u… …alio (?) … … … g…V ane Ece; alio ke leba de sopbrino de Gomi de do…a…; IIII; que espiseron quando ilo rege venit ad Rocola; I. qua Salbatore Ibi venit.
Trad: “Relação dos queijos que gastou o irmão Ximeno: No trabalho dos frades, no bacelo perto de São Justo, cinco queijos. No outro do abade, dois queijos. No que puseram ogano (9), quatro queijos. No de Castrillo (Castrelo!!! no original, com K), um. Na vinha maior, dois […] que levaram em fossado à torre, dois. Que levaram a Ceia quando cortaram a mesa, dois. Dois que levaram a Leão […] outro que leva o sobrinho de Gomi […] quatro que gastaram quando o rei veio a Rozuela (“Roçola” sem ditongo no original). Um quando Salvador veio aqui.”
O texto tem umas caraterísticas especiais que obrigam a levar a pensar em umas quantas objeções à respeito da sua identificação como texto mais antigo em castelhano: É o primeiro deles que não está localizado em território castelhano. O Mosteiro do qual procedem os textos está na atual localidade de Rozuela ou Roçola, a menos de vinte quilómetros da cidade de Leão. A meados ou finais do século X a língua castelhana talvez pudesse ter sido um lindo desejo para alguns separatistas castelhanos herdeiros do ideário independentista de Fernan González que sonhava com uma Castela livre e independente da Coroa galaica cuja Corte estava sediada em Leão. A segunda objeção é que o texto parece muito mais latinizante e menos romance do que os textos das glosas, ambos próximos temporariamente mas com diferenças importantes do nosso ponto de vista no que diz respeito da distância do modelo escrito latino do qual tomava distância e da proximidade das falas populares às quais não terminava, provavelmente, de ser fiel.
Não podemos considerar, portanto, este texto como um castelhano primordial mas como um resto linguístico que se aproxima à ideia de asturo-leonês.
Vejamos, portanto, mais possibilidades na procura dum castelhano originário:
Toca agora contar com os Cartulários de Valpuesta datados desde o século IX, algum datado em 844, até os inícios do século XII. Estes textos já estão em território atualmente administrado pela província espanhola de Burgos, “caput Castellae” na altura e obviamente incluída hoje dentro da Comunidade autónoma de Castela e Leão, e se bem não é Leão, sim é Castela e aliás a “Vetulla”. O Cartulário foi localizado no Mosteiro de Santa Maria de Valpuesta, no Concelho burgalês de Berberana rodeado por todas as partes menos por uma pela província basca de Álava. Uma península burgalesa dentro de território alavês cuja capital municipal está a quarenta e cinco quilómetros de Vitória, a atual capital da Comunidade Autónoma Basca e sendo historicamente um território onde se falou basco até tempos relativamente recentes. Os textos apresentam-se-nos assim (10)
Cartulários de Valpuesta. Séculos IX-XI (O seguinte é um manuscrito de 1011)
In nomine domini nostri Jhesu Christi. Ego Gomez Didaz et uxor mea Ostrozia placuit nobis expontanias nostras volumtates ut conkambiavimus et vindimus nostra billa Onia cum suas kasas et suos omnes abitantes in ea et terras et niveas et ortus et arbusta et totus pomiseros qui in ea sunt et molinos et pescarias et kannariekas in flumine Ueskaet pratis et pascuis et padulibus montes et fontes exitus et regresus omnia rem si conkambiabimus et vindimus ego Gomez Didas et uxor mea Ostrozia a tivi Sanctjo comite et ad uxor tua Urraka cometissa si conkambiabimus et vindimus eo Gomez Didaz et uxor mea Ostrozia ipsa villa Onia ab omini integritate per suos terminos id est terminos illo semdario de Sancti Romani et per illa defesa de domna Eilo… (continua)…
Parece-nos também um texto muito latino e pouco romance. Ainda assim, o filólogo Gonzalo Santonja, para além de Diretor do Instituto Castellano y Leonés de la Lengua, afirmava em 2010 que o texto está em latim embora muito afastado da retitude, apresentando um estado tão evoluído e corrompido que se poderia concluir que a língua dos bezerros (11) de Valpuesta é uma língua latina assaltada por uma língua viva, da rua e que se escoa nestes escritos (12).
Bom, latina, finalmente…
Ainda assim e a pesar de todos estes obstáculos para identificar o primeiro texto em castelhano, as autoridades espanholas não tiveram o mais mínimo pudor em celebrarem o milenário da sua língua há uns poucos anos, mantendo-se na teima da antiguidade da que posteriormente seria considerada língua de Cervantes.
Vamos ter de pensar que o primeiro escrito em castelhano foi o texto do Cantar del Mio Cid cujo documento chegado aos nossos dias é datado por volta dos finais do XII e começos do S. XIII. Um exemplo do texto é o seguinte:
Cantar del Mio Çid ( manuscrito de 1207)
De los sos ojos tan
fuertemientre lorando
tornava la cabeça i estávalos catando
Vio puertas abiertas e uços sin cannados,
alcándaras vazías sin pielles e sin mantos
e sin falcones e sin adtores mudados.
“Sospiró Mío Çid ca mucho avíe grandes cuidados.
Fabló Mío Çid bien e tan mesurado:
¡Grado a tí, Sennor, Padre que estás en alto!
¡Esto me an buolto míos enemigos malos!”
Allí pienssan de aguijar, allí sueltan las rriendas.
A la exida de Bivar ovieron la corneja diestra
e entrando a Burgos oviéronla siniestra.
Meçió Mío Çid los ombros e engrameó la tiesta:
“¡Albriçia, Álbar Fánnez, ca echados somos de tierra!
O novo texto sim nos parece que tem todas as características dum castelhano primitivo embora tingido de elementos linguísticos, geográficos e de outros tipos (jurídicos, sociais,…) que nos levam a localizar o texto em âmbitos fronteiriços castelhano-aragoneses de finais do XII.
Ora, centrando novamente o tema:
Se o latim da Gallaecia, nomeadamente o asturo-leonês e o latim da Tarraconense, o navarro-aragonês tinham contato entre si através das terras fronteiriças entre ambas; se há um continuum linguístico anunciado pelos hispanistas do século XX, como é que foi que apareceu um conjunto de isoglossas provenientes do norte cântabro que se pusessem pelo meio separando ambos dialetos romances originando o castelhano? Poderia ser o avanço de cara ao Sul dos cristãos do centro-norte da península que originou essa variante influindo e instalando-se entre os moçárabes do que hoje é o território da Castela “Vetulla” central e meridional, ou bem, que esse romance já existisse de alguma maneira mas nunca antes ocupado como língua escrita mas em qualquer caso, parece-nos que quer vinda dos dialetos cântabros, quer originada nos falares moçarabes localizados no centro da Meseta Norte, pertenceria ao âmbito do velho Convento Jurídico Cluniacense inserido dentro da Gallaecia tardo-antiga.
Para Eugen Coşeriu as linhas de romanização foram duas, uma que teria conformado um latim citerior e outra um latim ulterior (13):
O que se está a delinear em esta época (entre a chegada dos romanos à península e a Reforma de Caracalla) são duas unidades que não coincidem com quaisquer das línguas atuais da Península Ibérica, a saber, uma unidade correspondente à corrente de romanização que parte da Tarraconense em direção noroeste e uma unidade correspondente à corrente de romanização que partindo da Bética, se dirige até a costa atlântica e seguindo através da costa, chega até as atuais Galiza e Astúrias, quer dizer, que, se isto tivesse continuado no mesmo sentido, hoje teríamos, provavelmente, na Hispânia, duas línguas românicas: uma para grande parte da Hispânia Citerior, outra para a Hispânia Ulterior e a parte ocidental da Citerior
Do nosso ponto de vista e tendo em conta a pertença do Conventus Cluniacense à Gallaecia já desde o século III,, consideramos que o latim galaico oriental bem pôde fazer parte desse latim ulterior do que nos fala Coşeriu, e não tanto do latim citerior que ele considera ao ter em conta uma meseta norte pertencendo à Tarraconense. O que nos falam os restos linguísticos abalizados por Lapesa, Zamora Vicente e Sanchez Albornoz é que existiu em tempos medievais um galaico oriental ou asturo-leonês que tomava contato com o navarro-aragonês partilhando traças dialectais. O castelhano deveu ser originado no norte da Castela histórica, ou mais concretamente, na Cantábria germânica que avançou para sul ocupando zonas ocupadas por uma população proto-castelhana de diversas origens, quer vascona, cântabra e/ou moçarábica. Essas falas cântabras com substrato vascão seriam falas orientais asturo-leonesas e portanto geograficamente incluídas dentro da Gallaecia romana, sueva, visigótica e mesmo dentro do conceito da Yilliqiya andalusi.
Posteriormente, Toledo, incorporado à Coroa em 1085 recebeu a influência populacional e portanto nem só demográfica mas também linguística do Leão a quem lhe correspondiam os vínculos de vassalagem. Isso vê-se manifestado na realidade linguística recolhida por Rafael Lapesa na sua Historia de la Lengua Española (14):
O castelhano impôs-se em Toledo, mas após uma lenta assimilação. Em textos romances dos séculos XII e XIII aparecem abundantes restos dialetais: um documento alcarrenho (15) de 1189 da “outorguet”, “oitava”, “parella”; um toledano de 1191, “mulleres”, “fillos”; o Fuero de Madrid, anterior a 1202 oferece “tella” (“teja”), “cutello” (“cuchillo”), “geitar” (“echar”), “tras le palacio”, “in lo portiello” e outras traças não castelhanas. Ainda em 1495 regista Nebrija no seu Vocabulario “faxa o faysa, como en Toledo; faxar o faysar, como alli”
Tal é assim que se não se tivesse dado a assunção do poder castelhano, com a consequente incorporação do seu idioma ao projeto político pan-hispânico, e o caminho da unificação peninsular tivesse seguido as linhas anteriores sem descontinuidade, talvez hoje a situação linguística peninsular teria sido outra, com a língua nascida na Gallaecia com uma extensão não imaginada a dia de hoje, ocupando territórios que hoje estão ocupados pelo castelhano, o qual finalmente não deixa de ser a língua dos cântabros de fala astur-leonesa repovoadores do centro da meseta norte que ampliaram o seu espaço para sul.
Referências
- Coseriu. E; (1987-1989); El gallego en la historia y en la actualidad. In Actas do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Ed. AGAL. Crunha. Página 797.
- Zamora Vicente. A.: Dialectologia Española. Ed. Gredos. 2ª Edição, 5ª reimpressão. Madrid. 1989. Página 90
- Menendez Pidal, R.: Origenes del español. Ed. Espasa-Calpe. 8ª Edição a partir da 3ª corrigida e aumentada. Madrid. 1976. Página 447.
- Zamora Vicente. A.: Dialectologia Española. Ed. Gredos. 2ª Edição, 5ª reimpressão. Madrid. 1989. Página 211
- Menendez Pidal, R.: Origenes del español. Ed. Espasa-Calpe. 8ª Edição a partir da 3ª corrigida e aumentada. Madrid. 1976. Página 490
- https://es.wikisource.org/wiki/Glosas_Emilianenses
- Lapesa, R.: Historia de la Lengua Española. Ed. Gredos. 9ª Edição 7ª reimpressão corrigida e aumentada. Madrid. 1991. Página 162
- Menendez Pidal, R.: Origenes del español. Ed. Espasa-Calpe. 8ª Edição a partir da 3ª corrigida e aumentada. Madrid. 1976. Página 24
- A palavra “ogano” ainda está viva nas falas galegas e recolhida nos dicionários galegos, do qual o Dicionário Estraviz é o último, melhor, mais amplo, com quase 150.000 verbetes, e de maior útil para uma visão lusófona da língua: https://www.estraviz.org/Ogano
- Menendez Pidal, R.: Origenes del español. Ed. Espasa-Calpe. 8ª Edição a partir da 3ª corrigida e aumentada. Madrid. 1976. Página 33
- Assim denominada porque estavam escritos sobre pele de bezerro.
- https://www.elmundo.es/elmundo/2010/11/07/castillayleon/1289123856.html
- Coseriu. E; (1987-1989); El gallego en la historia y en la actualidad. In Actas do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Ed. AGAL. Crunha. Página 795.
- Lapesa, R.: Historia de la Lengua Española. Ed. Gredos. 9ª Edição 7ª reimpressão corrigida e aumentada. Madrid. 1991. Página 189-190
- A Alcárria é uma comarca que ocupa territórios das atuais províncias castelhano-manchegas de Guadalajara e Cuenca para além de alguns Municípios da província de Madrid.