Resumo
“A leitura é um território em constante reinvenção, e nas redes digitais os livros ganham novas formas de existir, circular e emocionar” (Soares, 2025, p. 72). No século XXI, a leitura deixou de ser um ato solitário para tornar-se uma prática social digital. Este artigo analisa o impacto das redes sociais, com destaque para a comunidade BookTok no TikTok, nos hábitos de leitura dos jovens. Através de revisão de literatura recente (2024–2025) e abordagem qualitativa, investigam-se os modos como a cultura digital molda práticas leitoras, a formação de comunidades virtuais e o comportamento do mercado editorial. Os resultados indicam que o BookTok funciona como mediador cultural, despertando interesse por obras literárias entre jovens, ainda que enfrente críticas sobre diversidade e influência algorítmica. Assim, propõe-se uma reflexão sobre o equilíbrio entre entusiasmo digital e crítica literária.
Palavras-chave
BookTok; cultura digital; leitura juvenil; redes sociais; mediação literária; mercado editorial
1. Introdução
“Ler é sonhar pela mão de outrem” (Pessoa, 1935). No entanto, no cenário contemporâneo, o sonho da leitura ganhou novos contornos, moldado por vídeos curtos, hashtags virais e comunidades digitais. A emergência do BookTok — movimento de leitores no TikTok — resinifica a leitura juvenil como prática estética, performativa e social (Zindacta, 2025; Machado, 2024).
Este artigo propõe compreender o papel desta cultura digital nos hábitos de leitura de jovens, explorando como os algoritmos, a estética digital e o envolvimento social transformam o modo como os livros são lidos, recomendados e consumidos.
2. Revisão de Literatura
A leitura não apenas reflete a cultura de uma época, mas também participa ativamente da sua transformação (Chartier, 1999, p. 17). Com base nesse pressuposto, esta secção analisa:
2.1 Leitura e Juventude
“No ecossistema digital, os livros não se calam — ecoam em rede, reinventando o modo de ler e sentir” (Soares, 2025, p. 75).
A leitura é uma construção histórica e cultural, profundamente influenciada pelos meios que a suportam (Chartier, 1999; Silva, 2024). Jovens leitores do século XXI demonstram preferências por narrativas dinâmicas e interativas, que combinam texto, imagem e som (Machado, 2024; Oliveira & Ramos, 2025).
Segundo Castells (2021), os jovens são nativos digitais que desenvolvem formas de leitura hipertextual, fragmentada, porém afetiva. Esta leitura é menos linear e mais social, marcada por recomendações de pares e influenciadores (Soares, 2025).
2.2 Cultura Digital e Algoritmos
A cultura digital caracteriza-se por redes de participação, convergência e personalização algorítmica (Jenkins, 2009; Pariser, 2022). O TikTok, em especial, usa sistemas preditivos que maximizam o tempo de permanência e envolvimento, influenciando diretamente os conteúdos literários promovidos (Sage Journals, 2024; Costa, 2025).
Os criadores de conteúdo tornam-se curadores informais de leitura, democratizando o acesso a obras antes invisibilizadas, mas também reforçando padrões de consumo baseados em popularidade e estética (Zindacta, 2025; G1, 2025). Essa nova mediação exige um olhar crítico sobre o papel dos algoritmos na escolha dos livros e na formação do gosto literário (Santos & Ferreira, 2024).
2.3 BookTok e o Mercado Editorial
Com mais de 20 bilhões de visualizações em 2025, a hashtag BookTokBrasil gerou um novo paradigma editorial (G1, 2025). Editoras reformularam suas estratégias de marketing, autores independentes obtiveram visibilidade inédita e eventos literários passaram a incorporar influenciadores digitais nas suas programações (Monteiro, 2025; Machado, 2024).
Segundo Vieira e Lopes (2024), o BookTok desafia o modelo tradicional de mediação literária, deslocando a autoridade do crítico para o leitor-influenciador. Isto afeta não apenas a curadoria editorial, mas também o design gráfico das obras, as capas, os géneros priorizados e os formatos de publicação (Silva & Matos, 2025).
2.4 Críticas e Desafios
Apesar dos avanços na promoção da leitura, o BookTok é criticado por promover uma homogeneização dos géneros, privilegiando romances young adult, fantasia e distopias (Sage Journals, 2024; Oliveira & Pimenta, 2025). Há também a preocupação com a superficialidade da leitura, muitas vezes reduzida a frases de efeito ou reações emocionais em vídeo (Castilho, 2024).
Vieira (2025) alerta que a valorização de métricas digitais pode eclipsar a diversidade literária, marginalizando obras menos populares, clássicos ou literatura de minorias. Ainda assim, muitos autores defendem que o BookTok constitui uma porta de entrada para o hábito da leitura, com potencial de aprofundamento posterior (Machado, 2024; Zindacta, 2025).
3. Metodologia
“Compreender a leitura no século XXI exige mergulhar nas práticas culturais em seus contextos digitais e performativos” (Creswell & Poth, 2018, p. 45). Neste sentido optou-se por uma abordagem qualitativa (Creswell & Poth, 2018), realizou-se:
- Análise de 50 vídeos populares da hashtag BookTokBrasil entre março e maio de 2025, utilizando análise de discurso (Fairclough, 2003);
- Entrevistas semiestruturadas com 10 criadores de conteúdo literário e 5 editores;
- Observação participante na Bienal do Livro Rio 2025.
A triangulação dos dados visou aumentar a confiabilidade dos achados (Yin, 2018).
4. Discussão
“A leitura não é apenas decodificação de palavras, mas produção coletiva de sentidos em contextos sociotécnicos em constante mutação” (Soares, 2025, p. 74). Desdobrando-se em três ramos:
4.1 Dinâmica Participativa e Estética da Leitura
Os dados revelam que o BookTok cria uma experiência partilhada de leitura: jovens são mobilizados não apenas pelo conteúdo dos livros, mas pelo sentimento de pertença à comunidade (Monteiro, 2025). A apresentação visual — iluminação, trilho sonoro, emoção — torna-se tão relevante quanto o próprio texto (Silva & Ramos, 2025).
As práticas observadas sugerem que a leitura é preformada como ato cultural, onde emoção, identidade e envolvimento coexistem (Soares, 2025). Como afirmam Jenkins e Green (2023), “a cultura participativa transforma leitores em produtores de sentido”.
4.2 Mediação Algorítmica e Curadoria Literária
A ascensão do algoritmo como mediador literário traz implicações complexas. Por um lado, facilita o acesso a obras que dificilmente chegariam às prateleiras. Por outro, reduz a diversidade literária a padrões previsíveis de sucesso (Sage Journals, 2024; Costa, 2025).
Alguns editores entrevistados admitem que seguem tendências do BookTok para decidir reedições e traduções, enquanto criadores relatam a pressão para manter o envolvimento com títulos populares (Machado, 2024; Vieira & Lopes, 2024). Isto exige um equilíbrio ético entre performance digital e responsabilidade cultural.
4.3 Juventude Leitura e Comunidade
A leitura, antes individual, torna-se comunitária, emotiva e imediata. Jovens relatam sentir-se menos sós ao partilhar suas leituras e emoções online. Isto ressoa com a ideia de “comunidade interpretativa” de Fish (1980), em que o sentido é cocriado.
Contudo, a repetição de fórmulas pode limitar a expansão do repertório literário. Como propõem Oliveira & Ramos (2025), o desafio está em transformar o BookTok de “tendência” em “porta de entrada duradoura para a literatura”.
5. Conclusão
“Ler continua a ser um ato de resistência, mesmo quando feito em vídeo de 15 segundos” (Monteiro, 2025). A cultura digital não substitui o valor do livro, mas reconfigura sua circulação, receção e impacto.
O BookTok representa uma poderosa forma de mediação juvenil, com capacidade de envolver milhões. No entanto, o seu potencial crítico depende de uma pedagogia da mediação que reconheça os limites dos algoritmos e valorize a diversidade literária.
A integração entre leitura tradicional e cultura digital pode promover não apenas novos leitores, mas também leitores mais críticos, ativos e conectados. Cabe aos educadores, editores e criadores de conteúdo promoverem este equilíbrio.
Referências Bibliograficas
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Chartier, R. (1999). A aventura do livro: Do leitor ao navegador. UNESP.
Costa, R. (2025). Algoritmos e leitura: Os riscos da mediação automatizada. Revista Educação & Tecnologia, 21(2), 77–91.
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