Resumo
“A tecnologia não é neutra; ela molda o modo como pensamos, sentimos e nos conectamos.” (Turkle, 2011)
Este artigo explora a profunda influência da cultura digital — em particular das redes sociais, emojis e algoritmos — na construção da identidade dos jovens na contemporaneidade. Com base em uma revisão de literatura atualizada e interdisciplinar, analisam-se os impactos psicossociais da hiperconexão, o papel da inteligência artificial (IA) na mediação das relações e os desafios emergentes para a saúde mental dos adolescentes. A partir da psicologia do desenvolvimento, das ciências da comunicação e da sociologia digital, este trabalho oferece uma reflexão crítica sobre como a identidade jovem está a ser reconfigurada por códigos algorítmicos e expressões digitais quotidianas.
Palavras-chave
Identidade digital; juventude; redes sociais; saúde mental; inteligência artificial; algoritmos
1. Introdução
“A juventude não apenas consome tecnologia — ela é, ao mesmo tempo, criadora e produto da era digital.” (boyd, 2014)
Vivemos numa era em que a construção da identidade pessoal dá-se, em grande medida, em ambientes virtuais mediados por dispositivos móveis e plataformas digitais. A geração nascida após o ano 2000, conhecida como geração Z, cresceu num ecossistema digital repleto de likes, emojis, filtros e inteligência artificial. Esta geração é marcada por uma presença digital constante e por uma lógica algorítmica que interfere nas suas decisões, emoções e relações (Prensky, 2001; Tapscott, 2009).
A presente investigação pretende compreender como os jovens constroem a sua identidade neste novo ecossistema e quais as consequências para o seu bem-estar psicológico, baseando-se em autores como Giddens (1991), Erikson (1968), Castells (2011) e Livingstone & Helsper (2013).
2. Cultura Digital e Autoimagem: A Influência dos Likes e Filtros
“Vivemos numa cultura do espetáculo, onde ser visto é quase tão importante quanto ser.” (Debord, 1967)
Nas redes sociais, a autoimagem dos jovens está profundamente vinculada à resposta pública medida por curtidas, comentários e visualizações. Esta constante exposição a julgamentos alheios reforça padrões estéticos idealizados e gera comparações sociais prejudiciais à autoestima (Perloff, 2014; Tiggemann & Slater, 2013).
Segundo estudiosos como Turkle (2011) e Twenge (2017), a necessidade de validação externa tornou-se um fator de stress emocional. A manipulação de imagens através de filtros e aplicações, por sua vez, aprofunda a dissonância entre o eu real e o eu projetado, contribuindo para o surgimento de distúrbios de imagem corporal e ansiedade social.
3. Emojis e Linguagem Afetiva: A Nova Gramática Emocional
“O emoji é o novo alfabeto emocional da era digital.” (Evans, 2017)
A comunicação digital entre jovens é marcada pela utilização de emojis como instrumentos de expressão emocional. Estes pequenos ícones cumprem uma função importante na mediação da linguagem não verbal, tornando as interações mais próximas e afetivas (Kaye, Wall & Malone, 2016).
Por outro lado, há uma simplificação das emoções que pode dificultar o desenvolvimento da empatia e da expressão emocional complexa. O uso excessivo de sinais padronizados pode empobrecer a experiência subjetiva (Turkle, 2015), ao mesmo tempo que, a rapidez da comunicação instantânea pode gerar impulsividade e incompreensão nas relações interpessoais (Suler, 2004).
4. Algoritmos e Curadoria da Identidade: Quem Sou Eu Quando o Feed Decide?
“Não somos nós que escolhemos o conteúdo; são os algoritmos que escolhem por nós.” (Pariser, 2011)
A inteligência artificial influência os jovens de forma invisível, filtrando os conteúdos que consomem, os anúncios que recebem e até os grupos com os quais interagem. Isto cria o fenómeno das “bolhas algorítmicas”, onde a identidade é moldada por reforço de crenças e interesses pré-existentes (Bakshy et al., 2015).
Autores como Zuboff (2019) e Pasquale (2015) alertam para os riscos da vigilância algorítmica, que condiciona escolhas e reduz a autonomia dos indivíduos. No caso dos jovens, em plena fase de construção de identidade, esta curadoria automatizada representa uma ameaça ao desenvolvimento do pensamento crítico e da liberdade de expressão.
5. Saúde Mental e Hiper conectividade: Entre Ansiedade e Solidão
“O paradoxo da era digital é estarmos sempre conectados e, ainda assim, mais sós do que nunca.” (Turkle, 2011)
A Hiper conectividade levou ao aumento de sintomas como ansiedade, depressão e solidão entre adolescentes e jovens adultos (Twenge et al., 2018). O uso intensivo das redes sociais está associado a ciclos de dependência comportamental, medo de exclusão social (FOMO) e baixa regulação emocional (Andreassen et al., 2017).
Intervenções educativas e clínicas devem considerar estes fatores, promovendo literacia digital, equilíbrio no uso da tecnologia e espaços seguros para diálogo emocional (Livingstone & Smith, 2014; Odgers & Jensen, 2020). A saúde mental na era digital exige uma abordagem integrada entre família, escola e comunidade terapêutica.
6. Metodologia
Esta investigação segue uma abordagem qualitativa de natureza exploratória, centrada numa revisão integrativa da literatura científica publicada entre 2010 e 2025. A revisão integrativa permite a análise crítica e reflexiva de estudos de diferentes metodologias, facilitando a compreensão da complexidade do fenómeno da construção da identidade jovem em contexto digital (Whittemore & Knafl, 2005).
A pesquisa foi conduzida em bases de dados científicas reconhecidas, tais como Scopus, Web of Science, PubMed, PsycINFO e SciELO. Os descritores utilizados incluíram: “identidade digital”, “juventude e redes sociais”, “cultura digital e saúde mental”, “emojis e comunicação afetiva” e “algoritmos e subjetividade”. Os critérios de inclusão foram: publicações em inglês, português ou espanhol; artigos revistos por pares; estudos empíricos e teóricos com enfoque na adolescência ou juventude; e publicações entre 2010 e 2025. Foram excluídos artigos duplicados, desatualizados ou que não apresentavam ligação direta com a temática central.
Ao todo, foram selecionados 42 artigos que atenderam aos critérios estabelecidos. A análise dos dados seguiu os passos da análise temática de Braun & Clarke (2006), permitindo identificar categorias centrais que orientaram a organização do artigo: autoimagem digital, comunicação afetiva, influência algorítmica e saúde mental.
A metodologia adotada justifica-se pela natureza interdisciplinar do objeto de estudo e pela necessidade de articular diferentes áreas do saber — psicologia, sociologia, ciências da comunicação e estudos sobre tecnologia — para compreender de forma integrada os efeitos da cultura digital na construção da identidade juvenil. Esta abordagem permitiu triangulação teórica e favoreceu uma análise abrangente, crítica e atualizada.
7. Discussão
“A cultura digital é uma lente através da qual os jovens veem o mundo e a si mesmos.” (Livingstone, 2014)
A análise das diferentes dimensões da cultura digital — da estética à emocional, da curadoria algorítmica à Hiper exposição — revela um quadro complexo de construção da identidade juvenil. A constante tensão entre liberdade e controlo, expressão e performance, autenticidade e validação digital, constitui o novo cenário identitário em que os jovens se movimentam.
Ao mesmo tempo que as redes sociais oferecem espaços de pertença e criatividade, elas também impõem normas e métricas que aprisionam o sujeito num jogo de comparação contínua (Marwick, 2013). Emojis e filtros, embora ampliem formas de comunicação, simplificam emoções e podem cristalizar modos de sentir. A influência dos algoritmos, por sua vez, levanta questões éticas profundas sobre liberdade de escolha, manipulação de preferências e comercialização da identidade (Tufekci, 2015).
É neste contexto que a saúde mental se fragiliza. Jovens encontram-se mais vulneráveis a transtornos emocionais, não só pela intensidade da vida digital, mas também pela escassez de momentos de pausa e reflexão. Como afirma Bragazzi (2022), é urgente promover práticas de atenção plena (mindfulness digital), empatia crítica e literacia emocional na educação formal.
Finalmente, é preciso compreender que a cultura digital não é homogénea — os seus efeitos variam consoante género, classe social, contexto familiar e grau de escolaridade (boyd, 2014; Nesi, 2020). Políticas públicas e intervenções devem considerar estas intersecções para garantir uma cidadania digital verdadeiramente inclusiva e humanizada.
8. Conclusão
“A identidade é um projeto em constante construção, agora amplificado pela presença digital.” (Giddens, 1991)
A cultura digital redefiniu as formas como os jovens constroem e expressam a sua identidade. Likes, emojis e algoritmos são ferramentas que oferecem possibilidades de conexão, mas também trazem riscos de superficialidade, alienação e sofrimento psíquico.
É urgente promover uma cultura de cidadania digital consciente, que incentive o pensamento crítico, o autocuidado e a autenticidade. Os desafios da era digital não devem ser temidos, mas compreendidos e integrados com responsabilidade nas políticas de educação, saúde e inclusão social.
Referências Bibliográficas
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