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“A sexualidade é um espectro” ou algumas coisas (ruins) não têm fim…: a propósito de uma telessérie

“A sexualidade é um espectro” ou algumas coisas (ruins) não têm fim…: a propósito de uma telessérie

Nos tempos atuais, costuma-se repetir que as séries de TV estão bem mais atraentes que as superproduções hollywoodianas. As mesmas audiências que reclamam da duração de um filme que ultrapassa os 120 minutos costumam maratonar temporadas inteiras de seriados em curtíssimos espaços de tempo. Os ganchos enredísticos entre um episódio e outro determinam os ritmos de condução espectatorial, de modo que a noção de ‘spoiler’ tornou-se dicionarizada: apesar de sua anglofilia, tal vocábulo é comumente utilizado em situações em que “o que acontece” torna-se mais relevante do que o “como acontece”.

As séries de TV alteraram significativamente o modo como nós consumimos produtos audiovisuais, reclamaria um analista midiático comportamentalmente apocalíptico. Mas há muito a ser dito, para além dos julgamentos de valor imediatamente derivados desta percepção assustada…

Em 16 de junho de 2019, a emissora de TV por assinatura norte-americana HBO exibiu o primeiro episódio da telessérie “Euphoria”. Baseada num produto similar israelense, esta série, roteirizada por Sam Levinson, apresenta-nos um retrato mui realista dos fulgores adolescentes contemporâneos. Drogas, sexo e música ‘pop’ abundam nos oito episódios desta primeira temporada, o que poderia configurar um amontoado de (necessários) clichês representativos geracionais. Mas a série é muito mais que isso!

Consagrada pela ousadia com que aborda nudez e temas controversos em seus épicos televisivos, a HBO foi bastante audaciosa no tratamento da sexualidade adolescente em “Euphoria”: as investigações psicanalíticas sobre as conseqüências traumáticas de parafilias, as imagens explícitas e numerosas da genitália masculina e a ausência de moralismo na abordagem da drogadição são alguns dos méritos polêmicos desta primeira temporada da série em pauta. E, em mais de um sentido, “Euphoria” é impressionante. Recorrendo-se a um adjetivo quase automático: excelente!

Ao longo de seu octeto de episódios, conhecemos os personagens através do prisma vocal e opinativo da protagonista Rue (Zendaya), recém-recuperada de uma overdose toxicomaníaca. No episódio inicial, ela relembra episódios de uma infância aquisitivamente privilegiada, a fim de compartilhar com o espectador os gatilhos emocionais que levaram-na a experimentar substâncias químicas que ocasionam extrema dependência. Mas nada do que é dito é suficiente enquanto justificativa: é preciso sentir. E é isso que o roteiro geral da série obriga-nos a fazer.

Conduzida como um filme-painel, “Euphoria” descreve as trajetórias afetivas de vários personagens que circundam o cotidiano de Rue, sendo que, em cada episódio, conhecemos a fundo um deles: o capitão da equipe de futebol americano Nate Jacobs (Jacob Elordi), filho do homem mais rico da cidade, e atormentado por dúvidas e inseguranças [homo]sexuais; a adolescente transexual Jules (Hunter Schafer), recém-chegada à cidade e envolvida em encontros casuais com homens casados e bem mais velhos; a inteligente Kat (Barbie Ferreira), deslocada em alguns círculos sociais por conta de seu sobrepeso, mas sobremaneira criativa em termos de literatura erótica; as namoradinhas dos principais jogadores do colégio; etc.. E, em cada um destes relatos episódios, revelações surpreendentes e mui dolorosas.

Não obstante lidar com arquétipos juvenis já bastante explorados em narrativas cinematográficas e televisivas, “Euphoria” encara seus ‘leitmotivs’ dramatúrgicos de maneira não-condescendente, buscando muito mais a empatia que a simpatia propriamente dita. Ainda que, obrigatoriamente, a aplicação bem-sucedida da primeira conduza à naturalização da segunda. E, dessa maneira, “Euphoria” torna-se plenamente merecedora dos acachapantes elogios de crítica que recebeu. E o modo como finaliza a sua primeira temporada é absolutamente genial: um dos desfechos mais inauditos, surpreendentes e brilhantes dos últimos tempos. Belíssimo e inclemente. Devastador!

Por conta dos requisitos protecionais referentes ao baque desencadeado por este desfecho, é muito difícil escrever algo sobre esta telessérie sem atrapalhar as descobertas do público. Mas é imperativo convertê-la em assunto, recomendá-la enquanto produto audiovisual hodierno assaz sensível e inteligente.

Mesmo quando os enredos degringolam por conta da necessidade de venderem-se como narrativos, muito mais que descritivos, “Euphoria” mantém um altíssimo nível qualitativo em termos directivos, fotográficos, actanciais e musicais. O modo como as canções insurgem-se como componentes condutivos dos destinos dos personagens demonstra uma perícia altissonante do criador Sam Levinson acerca do universo etário que aborda. Em sua pletora de ‘nudes’, relacionamentos abusivos, hipocrisias erotógenas, disponibilidade entorpecente e crises parentais, este seriado apresenta-se como uma radiografia deveras potente do século em curso. Inevitável a adjetivação: é uma telessérie genial. Confiram e reajam em seguida…

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