No ano passado, em menos de dez dias, duas pontes caíram no estado do Amazonas, no Brasil. Perda de vidas humanas e prejuízos gigantescos para milhares de pessoas. O governo local alegou que as pontes eram do governo federal. Cinco dias depois da tragédia, um “comitê de crise” foi criado para cuidar dos casos. Tudo errado. A queda de uma ponte não é um evento natural. Ele pode e deve ser previsto e, nesse caso, a gestão de crise falhou.
Em 28 de setembro, caiu a ponte sobre o rio Curuçá. Seis pessoas morreram, 15 feridos, dez veículos foram engolidos pelas águas. No dia 8 de outubro, ocorreu o desabamento da ponte sobre o rio Autaz Mirim. Desta vez, sem vítimas. Esse último local já estava interditado por falta de condições de tráfego. Curioso é que essa ponte do rio Autaz Mirim fica apenas a dois quilômetros da ponte do rio Curuçá.
O fato é que a queda das duas pontes provocou uma situação de emergência para mais de 100 mil moradores de vários municípios amazonenses. Eles ficaram sem acesso a alimentos, remédios, água potável, energia elétrica e combustível. A questão é: tudo isso poderia ter sido evitado? Quais são os planos de crise, com vista ao atendimento rápido dos moradores afetados direta e indiretamente em caso da ponte desabar? Que mecanismos de comunicação eficazes serão utilizados nessa tragédia?
Certamente sinais de falhas foram desprezados
Nenhuma ponte se ergue da noite para o dia. O mesmo ocorre com o seu desmoronamento. Tudo é resultado de um processo de acertos e de falhas. Por exemplo, não são raras as contratações para obras – no caso aqui, para construir pontes – em que não há esquema vantagem para contratados e contratantes, dizendo claro, de corrupção. Sim, a ponte a ser construída começou a cair aqui. Um dos tantos reflexos disso se dá na péssima qualidade do material empregado e das tantas irregularidades na construção. Na maioria das vezes, os órgãos de controle não fazem o que deveriam fazer e, assim, são cúmplices da queda da ponte.
Esses erros, as falhas, os sinais, as várias vulnerabilidades estão por todo o processo, da licitação, construção e manutenção. Contudo, vamos supor que a construção da ponte foi feita dentro de padrões de excelência, sem corrupção e com ótima qualidade de material. Tudo perfeito. E o tempo? E o desgaste? Qual a política permanente de manutenção? Ora, um equipamento desse exige cuidados permanentes. Se não há, tem-se aí uma falha que pode colaborar com a queda da ponte.
Se existe todo esse trabalho de monitoramento e de correção das ameaças que aparecem ao longo do tempo, o que duvido muito, mas, mesmo assim, a ponte caiu, então a análise das precisas vulnerabilidades e os reparos não foram devidamente feitos ou, se foram, não se deu a importância necessária.
Em resumo, as pontes do Amazonas não caíram da noite para o dia. Não é natural esse processo. As falhas e ameaças estavam sempre ali, na frente de todos, mas foram desprezadas, ignoradas, empurradas para debaixo do tapete, seja pelos governos seja pelas empresas privadas, muitas vezes em conluio para saquear ao máximo os cofres públicos.
Antes de tudo, gestão de crise exige compromisso com a vida
O desprezo com os erros mais visíveis do processo pode revelar a falta de responsabilidade e de compromisso de organizações públicas e privadas com a vida de seres humanos. A ausência de atenção e correção, no caso das pontes, resultou em perda de vidas e prejuízos enormes para milhares de pessoas. Gestão de crise tem por seu fundamento central e mais ético salvar vidas ou impedir ao máximo que elas sejam colocadas em risco.
Lembremos, com intensidade, que o gerenciamento de crise não começa depois que as pontes caem, criando atabalhoadamente um “comitê de crise”. Em organizações públicas e privadas minimamente sérias, a gestão de crise é ação cotidiana e permanente. “Criar” ou “instalar” às pressas um “grupo de crise”, um “comitê de crise”, uma “sala de crise” é sinal de que não havia gestão de crise. Insisto que a gestão da crise, por exemplo, no caso das pontes começa muito antes delas desabarem. É preciso ficar atento aos sinais de possível corrupção na licitação, na compra de material de péssima qualidade (para atender a ganância corrupta) até o desprezo da manutenção com a ferrugem tomando conta de toda base da ponte.
Sabendo que a ponte é um equipamento sensível e vital para milhares de pessoas, assim, todas as atenções devem estar voltadas para reduzir ao máximo os erros no percurso e manutenção. Um monitoramento bem feito e permanente desse processo vai reduzir muitas tragédias e impedir que vidas humanas sejam perdidas.
Imagem de capa: Jonathan Borba, da Unsplash
*José Cristian Góes é jornalista. Doutor em Comunicação e Sociabilidade (UFMG), com doutorado sanduíche na Universidade do Minho (Braga/Portugal). Mestre em Comunicação (UFS). Especialista em Gestão Pública (FGV/Esaf) e em Comunicação na Gestão de Crise (UGF). Autor de “Quem somos nós na fila do pão? (Edise, 2022), entre outros.