Impossível tratar da crise que se abateu no Estado brasileiro, com o ápice no domingo, dia 8 de janeiro de 2023, em apenas um artigo em meio a nossa série sobre gestão de crise. As invasões e destruições nos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal foram o mais grave atentado na história brasileira. A situação, ainda vivenciada, é uma nítida crise, com suas fases, antecedentes, ápice e o que restou, com medidas de superação.
Essa crise será objeto de inúmeros estudos, livros, documentários, filmes, debates por muitos e muitos anos. Assim, o artigo de hoje é apenas pontual e vem reforçar o que já escrevi sobre gerenciamento de crise nos 11 artigos anteriores a este, todos com link abaixo. Além disso, essa crise ainda não terminou. Ao que parece, o ápice até já passou e a fase agora é de superação, um período difícil porque os indícios de focos de problemas devem permanecer por muito tempo.
Nesse momento, sabe-se de uma série de apurações sendo realizadas; novas atividades de tentativas golpistas sendo gestadas, não apenas em Brasília; vão avançar as reações aos processos de punição de alguns responsáveis pelos atos de terrorismo e golpismos; implantação, sem precedentes, de medidas de segurança pessoal a autoridades e prédios, entre outros.
Como já escrevi nos textos anteriores, uma crise não aparece de surpresa, da noite para o dia. Ela não é natural, mas uma ação deliberada e que apresenta uma série de pequenos indícios cotidianos, sempre ignorados, desprezados, tomados como loucuras e memes. Depois, quando os minúsculos sinais se avolumam, gestores buscam terceirizar a resolução deles, esperam que os “outros” resolvam as ameaças, como se elas não fossem da sua organização. Sem nenhum combate eficaz, sem nenhum meio eficiente de monitoramento das vulnerabilidades, a crise se estende e corre livremente até chegar ao ápice.
Alguns erros e acertos
Alguns acreditam que a invasão e a destruição de parte do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF já estavam planejadas desde a eleição de 2018. Outros vão mais longe e encontram os indícios da crise quando a presidenta Dilma Rousseff sofreu um golpe em agosto de 2016. A tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 seria apenas mais uma fase daquela ruptura. Tudo isso pode ter conexão, mas foi nos últimos quatro anos que o então presidente da República, Jair Bolsonaro, vinha preparando, com ações, discursos, mobilizações, os ataques que todos vimos às instituições, principalmente ao STF, acusado pelo ex-presidente de atrapalhar seus planos.
Nos últimos quatro anos, os indícios de uma ruptura do Estado brasileiro e a implantação de uma ditadura não foram pequenos, como ocorrem em crises mais comuns. Os sinais sempre foram públicos nas praças, ruas e redes sociais, liderados, estimulados, financiados pelo principal governante do país. Tudo estava nítido. Todo 7 de setembro de cada ano – dia da independência – ensaiava-se o golpe para ser realizado no “tempo certo”: as eleições de 2022. Toda narrativa estava dada: urnas fraudadas, Lula eleito, ocupações em frente aos quartéis, caos generalizado e golpe.
O ápice da crise não ocorreu na posse de Lula porque aquele evento era elemento central para animar os golpistas. Depois dos ensaios do 7 de setembro, durante dois meses depois das eleições de 30 de novembro de 2022 as invasões ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao STF foram planejadas livremente na porta dos quartéis, com apoio de agentes públicos civis e militares. Quanto o então ministro da Justiça do Governo Bolsonaro passa a ser o secretário de Segurança Pública de Brasília, altera a logística de segurança na capital federal, tudo acertado com o governador, a senha estava dada aos golpistas: era hora de tomar Brasília e fazer a “festa da Selma”, invadir e destruir o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e, principalmente, o STF, implantar o caos e recolocar Bolsonaro ao poder.
Uma crise esperada
A crise estava instalada por ação de um governo que deixava o poder e o principal erro do novo governo foi acreditar inocentemente em uma institucionalidade local e nacional dominada por forças golpistas. O erro do novo governo foi terceirizar as ações de que os sinais de vulnerabilidade já apontavam há quatro anos, no mínimo. Faltou, desde o processo de transição de governo, que o novo governo montasse um forte e permanente Grupo de Gerenciamento de Crise, não apenas para a posse, mas para todos os dias do futuro governo, especialmente em áreas estratégicas, como patrimônio público, energia, água, segurança, mobilidade e comunicação.
Apesar de não ter conseguido reduzir a força do ápice da crise no dia 8 de janeiro, o novo governo, por outro lado, vem dando show no processo de lidar com a crise, principalmente porque o ministro da Justiça, Flávio Dino, assumiu com firmeza o comando de todo processo de enfrentamento: esteve no olho do furação entrando em contato com outras autoridades para expulsar os golpistas dos prédio, convenceu ao presidente Lula a decretar a intervenção na Segurança Pública do Distrito Federal; atendeu a imprensa e falou de forma nítida, certeza, objetiva e principalmente resolutiva para o povo brasileiro; tomou uma série de medidas para estancar novas ações, prender, identificar e punir os golpistas; junto com o presidente Lula, envolveu todos os presidentes do demais poderes. O presidente Lula também vem se saindo fundamental na superação da crise, com ações precisas. O fato dele ter ido ao Palácio do Planalto na mesma noite da destruição foi acertadíssimo.
Insisto: a crise não acabou. A fase agora é de apuração e adoção de várias medidas para desencorajar novos atos golpistas. Isso tem sido feito e, ao que parece, com algum sucesso. O problema é que, diante de tantos acertos das medidas pós-ápice da crise, com ganho de capital político, inicia-se um processo de redução das atenções, de rebaixamento da percepção de indícios, de não considerar as várias vulnerabilidades cotidianas. Hoje, até acredito que o Governo Lula já tenha um amplo e excelente Grupo de Gerenciamento de Crise, já agindo nas vulnerabilidades, monitorando cada indício, não desprezando sinais que podem indicar crises vindouras. Bom, acredito que o governo já tenha feito tudo isso, de maneira formal, organizada, executiva. Ou será que não?
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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