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“Uma meio-médium é melhor do que nenhuma!”, ou será que um dos filmes de terror mais elogiados da temporada faz jus à divulgação?

“Uma meio-médium é melhor do que nenhuma!”, ou será que um dos filmes de terror mais elogiados da temporada faz jus à divulgação?

É consenso entre os cinéfilos providos de consciência histórica que terror é um gênero político por excelência, no sentido de que muitos destes filmes, além de investigarem os comportamentos de indivíduos em situações-limite, traçam pertinentes observações acerca do contexto em que as situações assustadoras acontecem. Por ser um gênero assaz popular, ocorre também o sobejo de produções oportunistas, que entulham sustos de cariz somático em enredos que nem sempre se sustentam tramaticamente. “Longlegs — Vínculo Mortal” (2024, de Osgood Perkins; em Portugal, “O Colecionador de Almas”) pertence à primeira categoria, mas foi associado a um tipo de publicidade semelhante ao da segunda. Tentaremos defendê-lo, daqui por diante.

Em razão de os filmes de terror serem produzidos aos borbotões, visto que se trata de um gênero muito lucrativo, obras qualitativamente descartáveis tendem a ser numerosas, de maneira que os aficionados costumam desconfiar de títulos excessivamente divulgados. Produzido e estrelado por Nicolas Cage, ator conhecido por suas interpretações excêntricas, “Longlegs — Vínculo Mortal” teve algumas de suas cenas reproduzidas, fora de contexto, nas redes sociais, além de abundarem as piadas envolvendo o título original, que pode ser traduzido como “pernas longas”. Questionamentos acerca da filiação legítima, ou não, ao gênero terror também foram disseminados, pois, no filme, acompanhamos uma complicada investigação referente a assassinatos em série cometidos ao longo de quase vinte anos, supostamente pelo personagem-título. Tudo isso fez com que o filme fosse bastante comentado, para além de seus apanágios sinópticos.

Situada no início da década de 1990 — o que deduzimos a partir dos quadros do então presidente Bill Clinton, nas paredes dos escritórios —, a trama deste filme apresenta-nos à agente Lee Harker (Maika Monroe), recém-graduada no FBI (Departamento Federal de Investigação estadunidense), que, em sua primeira diligência, identifica a residência de um assassino procurado, mediante impulso instintivo. Seu parceiro não confia nela, e morre através de um tiro na cabeça, o que não traumatiza Lee de imediato: ela está mais preocupada com os misteriosos interrogatórios a que passa a ser submetida, até ser informada por seu superior Carter (Blair Underwood) sobre as condições de uma investigação ainda inconclusiva sobre as famílias assassinadas de garotas que completam aniversário no dia 14 de algum mês. Detalhe: a própria Lee Harker nasceu em 14 de janeiro, e a referida data está próxima…

Demarcado por inteligentes enquadramentos, em que geralmente há uma porta, janela ou algum objeto quadriculado/retangular no centro da imagem, este filme possui uma trama que se demonstra progressivamente intricada, devido às lembranças recorrentes da infância de Lee, que eventualmente invadem a tela, ou de fascinantes pistas falsas, como cartas redigidas num alfabeto criptografado, a letra de uma canção da banda britânica T-Rex, que aparece como epígrafe, ou a capa do disco “Transformer”, de Lou Reed, emoldurado num quarto. O entulhamento de roupas e objetos na residência da mãe de Lee, Ruth (Alicia Witt), faz com que desconfiemos que há algo de suspeito no modo como elas se relacionam, sobretudo quando se percebe que a investigadora costuma evitar contato com sua mãe, ou quando se nota que esta última insiste para que ela recite continuamente as suas orações, a fim de “manter-se afastada do Diabo”. Numa determinada seqüência, outra investigadora, a Agente Browning (vivida por Michelle Choi-Lee) diz que, “nos EUA, é constitucionalmente permitida a adoração ao Diabo”, de modo que, não por acaso, a frase “Ave Satanás” será repetida diversas vezes, até o desfecho da produção. Dado o conteúdo sobrenatural, afinal desvelado, pode-se responder categoricamente, quanto à suspeição genérica do início deste texto: trata-se de um legítimo filme de terror!

A dúvida que talvez interesse a alguns leitores: é um bom filme? Considerando-se o extremo grau de subjetividade contido nesta avaliação, podemos declarar que sim. O diretor — que é filho de Anthony Perkins [1932–1992], protagonista do clássico “Psicose” (1960, de Alfred Hitchcock) — é deveras exitoso na instauração de um clima de tensão progressiva, ostensivamente inspirado em “O Silêncio dos Inocentes” (1991, de Jonathan Demme). As semelhanças detectadas no ‘trailer’, entretanto, cedem espaço para uma abordagem peculiar da temática do satanismo, que tem muito a ver, enquanto denúncia, com a proliferação do neopentecostalismo nos dias hodiernos. A despeito da curta duração do filme — cerca de uma hora e quarenta minutos, apenas —, Nicolas Cage conseguiu tornar memoráveis as suas aparições maquiadas, confirmando a sua tendência à excentricidade. O roteiro deixa algumas questões em aberto e comete ao menos uma gafe aberrante (no que tange a um aspecto familiar do Agente Carter), mas justifica de maneira eficiente o burburinho que vem causando: não é um baluarte imediato do gênero, mas consegue algum destaque num ano marcado por diversos filmes interessantes de terror. O que mais assusta os cidadãos, entretanto, são as candidaturas aviltantes à prefeitura de algumas cidades do Brasil, mas isso é outra história… De baixíssimo calão, infelizmente!

Wesley Pereira de Castro.

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