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Sobre a importância de averiguar as benesses da literatura ‘pop’ [3/4]: “quer moleza? Estude [Ciências] Humanas”!

Sobre a importância de averiguar as benesses da literatura ‘pop’ [3/4]: “quer moleza? Estude [Ciências] Humanas”!

Num livro curto, porém elementar, publicado em 1980, o jornalista Clóvis Rossi [1943–2019] sintetiza o Jornalismo como “uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespectadores e ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da televisão, de imagens”. Trata-se de uma definição mui simplificada — conforme requerido pela coleção da qual este livrinho faz parte, a Primeiros Passos, da editora Brasiliense —, mas que, em seu bojo, diz muito sobre algo que, quarenta anos depois, permanece atual: a competitividade pela atenção do público. Em seu relato, o autor menciona diversas batalhas atreladas à sua profissão, sendo que uma delas — contida no capítulo “A Preparação da Batalha” — merece destaque: a necessidade de que o jornalista possua um nível de preparo e informação que esteja além dos cursos primários e secundários. Um arcabouço particular, à guisa de embasamento teórico, que contraponha “a aceitação passiva de que as coisas são assim mesmo” em direção à “busca obsessiva pela complementação de conhecimentos, de cultura ou de informação”. Conclui o autor: “é óbvio que só a segunda [atitude] é a correta”!

Ilustrando a sua explicação, o próprio Clóvis Rossi narra uma situação em que, no dia 25 de abril de 1974, foi enviado a Portugal para cobrir os eventos relacionados à Revolução dos Cravos, mas dispôs de apenas três horas para pesquisar sobre a História do país – numa época em que ainda não existia Internet, claro, e que o acesso à informação era restrito a fontes privilegiadas. Segundo ele, esse tipo de exiguidade temporal entre a entrega da pauta e a produção da matéria era dominante nas redações jornalísticas, de modo que foi popularizado o estereótipo de que o jornalista é um especialista em generalidades. “Ou, em outras palavras, um sujeito que sabe pouco de muitas coisas”. De lá para cá, houve quem promulgasse que não é necessário um diploma universitário para que alguém exercesse a profissão de jornalista, o que foi sancionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil em 2009: tornou-se inconstitucional, portanto, por maioria de votos, “a exigência do diploma de jornalismo e o registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista”.

Após o surgimento da Internet, o debate acerca de tais questões foi problematizado, visto que, em diversos veículos de comunicação, os ditos “influenciadores sociais” estão ocupando as funções de críticos, apresentadores e noticiadores. Fofocas e boatos confundem-se com manchetes, numa conjuntura em que os parâmetros estilísticos do ‘new journalism’ sequer são necessários para justificar a extrema subjetividade de alguns relatos ou a ausência de comprovação naquilo que se afirma. Chegou-se ao cúmulo de o ex-presidente protofascista Jair Bolsonaro cometer a prática oximorista de publicar um artigo de opinião, intitulado “Aceitem a democracia”, na Folha de São Paulo, em 10 de novembro de 2024. O truísmo que apregoa que todo mundo tem direito à liberdade de expressão, numa democracia, desemboca, atualmente, na proliferação de discursos de ódio, de inversão de valores considerados canônicos e de ode inassumida à extinção da humanidade. De que adianta continuar escrevendo, num contexto como esse?

Chega-se o momento de falar sobre a adaptação cinematográfica da novela “A Matemática das Flores”, da blogueira e escritora Bruna Vieira, que deu origem ao longa-metragem “Um Ano Inesquecível” (2023, de Bruno Garotti & Jamile Marinho). No livro, a protagonista Jasmine é uma garota de dezessete anos de idade que, ao tirar notas baixas em Matemática, consente em ter aulas de reforço com seu professor, que ela crê que a hostiliza. Por causa de problemas de planejamento, ele contrata um estagiário para ensinar Jasmine, Davi, por quem ela se apaixona e, motivada por este sentimento, dedica-se a estudar, de fato. Na trama fílmica, como vem ocorrendo desde o primeiro capítulo da quadrilogia (vide análise inicial aqui), há alterações significativas na abordagem, mas não no arco narrativo: Jasmine (interpretada por Lívia Silva) vive na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais, e tem o sonho de tornar-se artista, como a sua falecida avó. Porém, sua mãe Ingrid (Juliana Alves) não concorda com isso, pois deseja que a filha estude Administração. Ela é proprietária de uma floricultura e considera Jasmine “a flor que lhe dá mais trabalho, mas também aquela que traz mais alegrias”. Até que ela obtém nota zero na prova de Matemática, pois, em vez de responder às questões, enche o papel de gravuras e rabiscos…

Conhecido por seu humor sardônico — em sua caneca de café, por exemplo, pode-se ler a inscrição “lágrimas de meus alunos” —, o professor Carvalho (muito bem vivido pelo humorista Luís Lobianco) decide ajudar a sua aluna, em razão de ela ser exemplar em todas as outras matérias. Designa para a tarefa de ensino adicional um estagiário de Engenharia (Ronald Sotto), que estimula Jasmine a perceber que nada acontece por acaso e que, como tal, ela não deve desistir de seu sonho de tornar-se pintora. O enredo é superficial, em suas convenções românticas, e há uma valorização identitária da negritude da protagonista, mais ou menos como ocorria no livro, no que tange às especificidades de seu cabelo crespo. É um filme qualitativamente inferior às produções anteriores, bem como à sua inspiração literária, mas que, ainda assim, não deveria ser desprezado por seu público-alvo adolescente, no sentido de que, em suas frases feitas (como a que intitula este artigo, a cargo do professor Carvalho) e situações previsíveis, ele demonstra que as generalidades não são totalmente reprováveis. Quem nunca foi acusado de não saber algo, por repetir uma opinião sobremaneira consensual e/ou indulgente, que atire a primeira pedra!

Wesley Pereira de Castro.

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