EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Se o dissenso é tão importante, por que a dificuldade em aceitar críticas divergentes? [Ou: quem recebe um prêmio, nem sempre é o melhor em competição!]

Se o dissenso é tão importante, por que a dificuldade em aceitar críticas divergentes? [Ou: quem recebe um prêmio, nem sempre é o melhor em competição!]

Entre os dias 15 e 16 de janeiro de 2025, o premiado longa-metragem brasileiro “Ainda Estou Aqui” (2024, de Walter Salles) estreou nas salas de cinema francesas e portuguesas, respectivamente. Os resultados de bilheteria foram acachapantes, em ambos os casos, mas uma crítica publicada no jornal Le Monde causou celeuma, pois o crítico Jacques Mandelbaum atribuiu apenas uma estrela ao filme — numa escala que vai até quatro — e alegou que a interpretação da protagonista Fernanda Torres seria “monocórdica”. Por mais divergente que seja, em relação à nossa apreciação, esta é a opinião dele. E, dentro de sua argumentação — que deve ser lida na íntegra —, pode fazer algum sentido, ainda que achemos o contrário. É assim que acontece…

Já ouviram a expressão “opinião é que nem braço”? No Brasil, é popularizada uma versão que associa a opinião ao orifício anal, no sentido de que “cada um tem um(a)”, mas esta versão atrelada ao membro superior do corpo humano possibilita uma diferente leitura, já que a maioria das pessoas possui dois braços, enquanto outras – em casos excepcionais – possuem apenas um ou nenhum. Ou seja, aproveitando-se esta metáfora, há quem ache algo num primeiro instante, e mude de opinião após revisão. Há quem não ache nada. Há, por sua vez, quem manifeste elementos contraditórios numa mesma opinião. E tudo isso é lícito, no processo de re/des/construção opinativa. De modo que, mais uma vez — salvo em casos envolvendo incitações fascistas —, as opiniões alheias devem ser respeitadas.

Infelizmente, por causa do clima de torcida extremista que tomou de assalto alguns espectadores, vários comentários generalizantes e de cunho violento foram publicados nas redes sociais no jornal supracitado, inclusive acusando o articulista de desgostar do filme brasileiro por ser apreciador da produção francesa “Emilia Pérez” (2024, de Jacques Audiard), alvo de muito rechaço, no que tange à abordagem, alegadamente preconceituosa, da população mexicana e de sua protagonista transexual. Os argumentos comprobatórios são inúmeros, mas este tipo de acusação ocorre sobretudo por conta da rivalidade entre as duas obras na temporada de premiações hollywoodianas, já que elas se enfrentam diretamente em categorias como Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz. Quem tem razão? Esta não é a questão em si, mas sim o porquê de alguns argumentos serem difundidos em momentos oportunos, negligenciando exemplos similares, abundantes em Hollywood. Alguns exemplos imediatos: “Os Dez Mandamentos” (1956, de Cecil B. DeMille), “A Lista de Schindler” (1993, de Steven Spielberg) e “Memórias de uma Gueixa” (2015, de Rob Marshall). A lista é infindável, e pode inserir até mesmo títulos não-hollywodianos, como “Aguirre, a Cólera do Deuses” (1972, de Werner Herzog)!

Aproveitamos esta deixa para abordar o caráter metonímico de um importante festival local, o CURTA-SE, Festival Íbero-Americano de Cinema de Sergipe, que, em sua vigésima terceira edição, ocorrida entre os dias 13 e 15 de janeiro de 2025, movimentou a cinefilia do menor Estado do Brasil. Não obstante a exibição de filmes interessantes, o anúncio da premiação, na derradeira noite do evento, deixou alguns espectadores frustrados, no sentido de que os seus favoritos não foram laureados, o que, mais uma vez, acontece: premiações levam em consideração critérios subjetivos — e, tal como acontece no Oscar, no Festival de Cannes ou em qualquer mostra artística, a lista de premiados traz consigo algumas reações revoltosas, principalmente quando os prediletos são menosprezados. Diferentemente da lógica esportiva, nesse tipo de situação, os critérios são bastante complicados…

Em razão dos fomentos advindos de políticas governamentais — incluindo as de caráter emergencial, durante e após a pandemia da COVID-19 — e do aprimoramento dos cursos universitários, as produções sergipanas foram mais numerosas na edição recente do CURTA-SE, cuja vigésima quarta edição também acontecerá em 2025, conforme anúncio feito na cerimônia de abertura. Se alguns títulos comoveram a platéia de forma considerável [caso de “Velha do Shopping?” (2021, de Gabriela Caldas) e “São Seus Olhos Tristes” (2022, de Antônio Rafael)], outros não foram tão efetivos, seja por conta do hermetismo do roteiro [caso de “Prelúdio” (2024, de Nahiara Baddini — que recebeu um prêmio de Melhor Atriz, para Moara Barão)], seja por causa do tom forçadamente poético e/ou existencialista das narrações. Entretanto, um documentário com uso acentuado de técnicas de Inteligência Artificial, em cujo letreiro inicial lia-se que ele foi realizado com “propósitos didático-históricos” e que, como tal, “não tem finalidades lucrativas”, recebeu o prêmio de Melhor Curta-Metragem, segundo o Júri Popular, no valor de cinco mil Reais, facilitado pelos votos de vários amigos e vizinhos do realizador, transportados por ele para o evento. Em seu discurso, ele disse que o seu maior sonho era fazer com que as pessoas de sua cidade-natal, Itabaiana, “se vissem na tela”, o que, de fato, ocorreu. De lambuja, ele recebeu os prêmios de Melhor Direção, Melhor Roteiro, Melhor Fotografia e Melhor Curta-Metragem Sergipano, segundo o Júri Oficial/Técnico. Foi justo? Ao invés disso, respondo com outra pergunta: perceberam que o título do filme em pauta não foi citado neste texto? Caso deseje-se saber mais acerca da premiação em questão, favor clicar aqui.

Wesley Pereira de Castro.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

2 respostas

  1. É compreensível que a derrota em um festival, mesmo pequeno, gere sentimentos de frustração entre os participantes. Contudo, a crítica atribuída ao documentário vencedor parece mais motivada por recalque do que por uma análise objetiva. É verdade que o filme não é uma obra-prima e apresenta falhas em sua execução, mas, diante da concorrência, destacou-se como o melhor entre os inscritos, especialmente pela sua abordagem temática e pelo cuidado técnico que, embora modesto, superou a média dos outros competidores.

    Além disso, é engraçado como o próprio autor do texto se contradiz. Fala que é importante respeitar a opinião alheia, mas não aceita a decisão dos jurados que, afinal, estavam ali pra avaliar justamente quem era o melhor. Se todo mundo tem direito a uma opinião, então por que a opinião deles não vale? Parece que “respeito” só vale quando é conveniente.

    Reconhecer a vitória do documentário não significa desmerecer o esforço dos demais, mas é importante admitir que, em festivais, a qualidade relativa é o que define o destaque. Em vez de focar no ressentimento, seria mais produtivo buscar compreender o que fez o documentário vencer e usar isso como aprendizado para elevar o nível das produções futuras. Afinal, festivais são momentos de troca e crescimento, não de perpetuar rivalidades baseadas na insatisfação.

  2. O trecho em destaque (“diante da concorrência, destacou-se como o melhor entre os inscritos, especialmente pela sua abordagem temática e pelo cuidado técnico que, embora modesto, superou a média dos outros competidores”) contém um determinismo que não procede, no sentido de que todo e qualquer julgamento é subjetivo e aparentemente, os adjetivos em pauta não condizem com a apreciação geral da obra, conforme apreciações disponibilizadas no Letterboxd, à guisa de exemplo imediato. Não há contradição no texto: respeito é uma coisa; concordância é outra. E, enquanto autor do texto em pauta, discordo radicalmente dos prêmios atribuídos, no sentido de que problemas de cunho político e discursivo são evidentes no filme (ou melhor, na peça publicitária) em pauta. Que o júri técnico tenha achado que ele era merecedor é um direito do mesmo, o qual respeito (mas insisto em discordar), o que foi publicamente problematizado por, até recentemente, sequer conhecermos os integrantes do júri. Ressentimento, infelizmente, é algo que soa abundante na conjuntura provinciana que depende de premiações para validar a sua importância. Conforme deixei claro no título, não é a filiação que me interessa. Mas, mesmo discordando, que o curta-metragem siga carreira e atinja o seu público. E concordo com o comentário acerca do que acontece em festivais (“troca e crescimento”). Que assim seja, bola pra frente. Ainda este ano, teremos outra edição do CURTA-SE. Que os indicados sejam melhores. De minha parte, como alguém com direito a opinião, considero “Prelúdio”, “Ímã de Geladeira”, “Velha do Shopping?”, “Cantando no Chuveiro” e “São seus Olhos Tristes” superiores ao sumo vencedor. Porém, conforme está no título… Palmas para quem as merece, portanto!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]