Imagem de destaque: https://www.nytimes.com/2024/12/13/movies/vermiglio-maura-delpero-director.html
No dia 17 de dezembro de 2024, foram divulgadas as pré-listas de indicados em algumas categorias do Oscar 2025, entre elas a de Melhor Filme Internacional, que interessa particularmente aos brasileiros, visto que o bem-sucedido “Ainda Estou Aqui” (2024, de Walter Salles) não apenas pode ser indicado em mais de uma categoria — conforme saberemos no anúncio definitivo, em 17 de janeiro de 2025 —, como tem chances legítimas de receber algum prêmio. Os dois longas-metragens mais elogiados na categoria reservada aos filmes estrangeiros (leia-se não-estadunidenses) são o representante da França, “Emilia Pérez” (2024, de Jacques Audiard — comentado aqui), e o representante da Alemanha, o iraniano “A Semente do Fruto Sagrado” (2024, de Mohammad Rasoulof — comentado aqui), de modo que é quase certo que as três obras supramencionadas serão indicadas. As duas outras vagas talvez estejam reservadas para a animação da Letônia “Flow” (2024, de Gints Zilbalodis) ou para o documentário senegalês “Dahomey” (2024, de Mati Diop), que também devem ser indicados em categorias específicas…
Enquanto não saem as indicações oficiais, e alguns fãs dos filmes listados digladiam-se como se estivessem representando torcidas de futebol — o que, em nossa opinião, é inadequado no cotejo entre obras de arte —, outro longa-metragem que surge como potencialmente favorito na categoria Melhor Filme Internacional é o italiano “Vermiglio” (2024, de Maura Delpero) que, tal qual “Ainda Estou Aqui”, estreou no Festival de Cinema de Veneza. Enquanto o filme brasileiro foi premiado com a láurea de Melhor Roteiro, “Vermiglio” recebeu o Leão de Prata (ou Grande Prêmio do Júri), além de outros prêmios setoriais — como “Melhor Filme Italiano” em competição, por exemplo. Desde já indicado ao Globo de Ouro, na categoria reservada aos filmes que não são falados em inglês, “Vermiglio” merece alguns comentários de nossa parte, pois ele obedece estritamente a um padrão acadêmico de qualidade, mas não inova muito naquilo que apresenta, inclusive em sua crítica à manutenção do machismo estrutural, abundante nas famílias tradicionais.
A trama do filme é iniciada no penúltimo ano da II Guerra Mundial, num vilarejo ermo nos Alpes italianos (o que explica o título), onde vivem o professor Cesare Graziadei (Tommaso Ragno), sua esposa Adele (Roberta Rovelli) — que está grávida, mais uma vez — e quase uma dezena de filhos. Tratados com austeridade pelo pai, que não concede a eles qualquer benefício escolar, estes filhos enfrentam dilemas variados, a depender de suas idades e preferências: o rapazola Dino (Patrick Gardner) anseia pelo momento em que poderá tomar vinho à vontade, enquanto Ada (Rachele Potrich) inflige a si mesma progressivas “penitências em nome de Cristo” (deitar-se em meio às fezes de galinha, entre elas), por conta dos desejos sexuais que sente, em meio às suas orações cotidianas. Até que a mais velha das garotas, Lucia (Matina Scrinzi) apaixona-se por um soldado desertor, Pietro (Giuseppe De Domenico), que aparece repentinamente, levado por um morador local, e, por ser analfabeto, matricula-se nas aulas ministradas por Cesare.
A realizadora Maura Delpero introduz o cotidiano da família Graziadei de maneira lenta e cautelosa, e logo enternecemo-nos em relação àqueles personagens, oprimidos pelos valores morais empedernidos do pai, que se esforça para incutir o gosto musical entre seus alunos, gastando dinheiro reservado às refeições, exíguas durante o inverno, para comprar discos com músicas de Fryderyk Chopin ou Antonio Vivaldi, considerados por ele “alimentos para a alma”. Adele faz o possível para defender os filhos, nas frequentes contendas familiares, mas Cesare age de maneira autoritária, ainda que não seja explicitamente agressivo. Uma situação mui delicada ocorrerá quando Pietro decide regressar para a Sicília, ao término da guerra, deixando a sua esposa Lucia sozinha e grávida, à mercê de uma reviravolta noticiosa que traz consigo a ameaça de desonra para a família. Tu já assististe a algum filme com premissas enredísticas semelhantes?
Eis o maior problema de “Vermiglio”: a despeito de ele ser esteticamente precioso (a fotografia de Mikhail Krichman — colaborador habitual do cineasta russo Andrey Zvyagintsev — é nada menos que deslumbrante!), o seu roteiro, escrito pela própria diretora, é convencional até mesmo na exposição problemática do excesso de convencionalismo naquela região, que desencadeia os tormentos dramáticos enfrentados pelos personagens. As elipses da narrativa são interessantes, sobretudo na maneira como expõem as diferenças concernentes às estações do ano (o que é reforçado pelo uso inteligente da música vivaldiana), mas o academicismo do filme faz com que ele seja bem menos memorável do que o acúmulo de prêmios faz parecer. O que nos leva a uma reflexão apreciativa, no sentido de que os filmes ostensivamente “bem-feitos” não são necessariamente aqueles que nos tocam afetivamente, aqueles que consideramos mais efetivos em termos de qualidade. Cinefilia é algo subjetivo, em verdade. Voltaremos a este assunto, ao longo da temporada de premiações hollywoodianas!
Wesley Pereira de Castro.