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Padrão de alta qualidade HBO: “eu sempre estou do teu lado, mesmo quando finjo que não”!

Padrão de alta qualidade HBO: “eu sempre estou do teu lado, mesmo quando finjo que não”!

Nas últimas duas décadas, acompanhamos um fenômeno de transferência midiática dos interesses cinefílicos: graças à predominância dos serviços de ‘streaming’ e de outros aspectos sociológicos (manifestações agorafóbicas, crise das narrativas hollywoodianas, alto preço dos ingressos, etc.), a audiência aos seriados televisivos tornou-se muito mais freqüente que em relação às superproduções cinematográficas. Produções bem-sucedidas como “Família Soprano”, “Breaking Bad”, “Game of Thrones” e “Stranger Things” são apenas alguns exemplos de seriados que tornaram-se grandes propulsores noticiosos…

Cada qual a seu modo, estes seriados desvelam um novo tipo de imersão exibitória: o próprio termo “telessérie” torna-se impreciso, em razão de plataformas como a Netflix ou a Amazon Prime não serem efetivamente emissoras de TV. O lançamento da plataforma HBO Max – que acomoda as produções de vários estúdios norte-americanos, além dos canais titulares – confundiu ainda mais as terminologias convergentes, no sentido de que permite que lançamentos cinematográficos que sequer estrearam nas salas de cinema – por causa das restrições de segurança vinculadas à pandemia do CoronaVírus – possam ser conferidos de maneira doméstica. Idem para o que ocorre com a plataforma Disney+!

Em sentido analítico, a pletora de serviços de ‘streaming’ permite a verificação de padrões estilísticos/autorais entre as suas produções, em que o pioneirismo da Netlifx instaura-se negativamente: afinal, esta plataforma gaba-se da implantação da lógica da “maratona de séries”, exortando os espectadores a gastarem horas consecutivas de audiência acompanhando produções que obedecem a uma estrutura episódica, ou seja, que pressupõe a necessidade de uma pausa entre um capítulo e outro. Mais um paradoxo típico do capitalismo é identificado!

A despeito das contradições inerentes ao consumo deste novo tipo de narrativa seriada, o canal de TV HBO segue criticamente valorizado como detentor de um patamar superlativo de apreciação, em que os episódios de suas telesséries funcionam quase como longas-metragens à parte. Não por acaso, as narrativas seriadas produzidas por esta emissora requerem um envolvimento emocional muito mais intensificado, ao contrário do mero despejo de eventos e clímaces que caracterizam a celeridade tramática das produções originais da Netflix. E é assim que chegamos a um dos lançamentos mais elogiados do ano: a minissérie estadunidense “Mare of Easttown”.

Protagonizada pela excelente atriz britânica Kate Winslet – que oferece aqui uma de suas entregas actanciais mais pungentes – esta minissérie acompanha, em apenas sete episódios, o cotidiano amargurado de uma investigadora policial na fictícia cidade-título. Traumatizada pela perda de um filho, a detetive Mare Sheehan envolve-se na investigação do assassinato de uma adolescente, encontrada nua depois que envolve-se numa briga com a nova namorada do pai de seu filho. É apenas o pretexto para um cabedal de segredos que demonstra quão ilusório é o convívio aparentemente harmonioso entre os habitantes desta cidadezinha pacata…

Não obstante ser extremamente competente, Mare é hostilizada por alguns moradores, pois ainda não conseguiu solucionar o desparecimento de uma jovem viciada em drogas, que sumira há mais de um ano. Para piorar, ela não desenvolve uma boa relação com o seu ex-marido Frank (David Denman) e, muito menos, com a mãe de seu neto, que vive em intermitente processo de reabilitação toxicômana. Como se não fosse suficiente, o relacionamento entre Mare e a sua própria mãe (Jean Smart) é permeado por inúmeros ressentimentos, estendidos a todos os personagens da minissérie.

Enquanto avança na investigação, e lida com a descoberta de segredos cada vez mais insustentáveis, Mare encontra algum conforto dialogístico na amizade de longa data com Lori Ross (Julianne Nicholson), que, ao contrário dela, possui a típica família nuclear, composta por marido e dois filhos. Além disso, Mare conhece dois homens que ficam atraídos por si: o escritor um tanto recluso Richard Ryan (Guy Pearce), que passa a morar na cidade de Easttown; e o detetive distrital Colin Zabel (Evan Peters), que é designado para ajudá-la nos casos de desaparecimentos das adolescentes, apesar de sua resistência inicial. Além destes personagens, várias pessoas vão descortinando as conseqüências danosas das mentiras nos relacionamentos interpessoais.

Na trama, abundam os indícios de adultério, prostituição, vício em drogas ilícitas, agressões decorrentes de ciúmes e abusos parentais. Por mais que, em certo sentido, o roteiro de Brad Ingelsby direcione-nos para a resolução dos crimes – o que ocorre após várias camadas de acusações e induções de falsas suspeitas – os dilemas morais dos personagens (sobretudo, aqueles que afligem a protagonista) chamam positivamente a atenção: trata-se de um estudo mui percuciente dos efeitos devastadores da depressão!

Todos os episódios são dirigidos por Craig Zobel e a trilha musical é perpassada pelos tons excessivamente melancólicos, a cargo de Lele Marchitelli (colaborador habitual nos filmes do cineasta italiano Paolo Sorrentino). Isso confere à minissérie uma grande coesão, a ponto de “Mare of Easttown” poder ser comparada a um longa-metragem com sete horas de duração. Outrossim, as pausas entre os episódios são quase obrigatórias: as situações são tão dramáticas e as surpresas são tão exorbitantes, que a audiência maratonadora não é recomendável.

Este é o padrão HBO, em verdade: interessa muito mais o modo como as situações são apresentadas que a maneira como elas são desvendadas (o que explica, talvez, um decréscimo de interesse verificado no episódio final). Seja como for, as dezesseis indicações ao Prêmio Emmy em 2021 são mais que merecidas: “Mare of Easttown” é uma minissérie tão qualitativa quanto devastadora, um brado de resistência contra a netflixização das narrativas!

Wesley Pereira de Castro.

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