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Imortais homenageiam-se em vida: Agnès Varda (1928-2019) e o legado de uma diva feminista

Imortais homenageiam-se em vida: Agnès Varda (1928-2019) e o legado de uma diva feminista

Mais de uma semana se passou desde que a madrinha da Nouvelle Vague faleceu: iniciou a sua carreira com “La Pointe Courte” (1955), encerrou-a com “Varda by Agnès” (2019). Na abertura, um filme de amor. No encerramento, um filme-despedida. Mesmo para quem não viu uma ou outra obra, sabemos o que está contido nos interstícios: o testemunho de alguém que celebrou a vida com intensidade e extremo afeto. Falecida aos 90 anos de idade – completaria 91 no dia 30 de maio – Agnès Varda destacou-se por uma carreira ensaística e com alto teor feminista. Era mulher, agia como mulher e dirigia-se a mulheres, mas não excluía os homens da equação dialogística: foi casada com o também cineasta Jacques Démy (1931-1990), falecido em decorrência de complicações da AIDS. Teve dois filhos, Rosalie e Mathieu. Amou-os, acima de tudo.

Não obstante ter enfrentado infidelidades públicas, Agnès Varda foi uma zelosa guardiã do legado de seu esposo. Entretanto, em paralelo à consagrada carreira dele, erigiu um corpus cinematográfico genial, sempre tematizando as benesses salvaguardadoras do carinho. Possui pelo menos duas obras-primas: o antológico “Cléo das 5 às 7” (1962), sobre a redescoberta da vida por parte de uma cantora que cria padecer de câncer; e o autobiográfico “As Duas Faces da Felicidade” (1965), em que os limites ultrapassados da monogamia são emoldurados com uma ternura altissonante, que justifica o sentimento explicitado no título.

Bastante viajante, Agnès Varda realizou curtas-metragens significativos em várias partes do mundo: idealizou a revolução comunista centro-americana em “Saudações, Cubanos!” (1963); apresentou-nos a um de seus peculiares parentes em “Tio Yanco” (1967); erotizou poeticamente a arquitetura oriental em “Prazer Amoroso no Irã” (1976). Para Agnès Varda, o cotidiano era um assunto valioso, transformador. E foi assim que realizou um de seus documentários mais marcantes, o curto mas efetivo “Resposta de Mulheres: Nosso Corpo, Nosso Sexo” (1975). Tornou-se uma musa do movimento feminista. Sorria enquanto lutava por igualdade, mas não era deslumbrada: sabia quando expor a dor…

“Uma Canta, a Outra Não” (1976) talvez seja um dos filmes mais fortes da diretora. Ao narrar os cotidianos entrecruzados de duas amigas – uma abastada, outra advinda do campo – Agnès Varda ousa ao compôr canções pró-aborto. Insere imagens reais de manifestações femininas em meio à sua narrativa denuncista, sempre tomando partido do lirismo. Num dos números musicais – desta vez, celebrando a magia da maternidade – a diretora insere uma figurante questionando a ambigüidade da letra da canção. Sábia como só ela, as contradições elementares de qualquer militância não foram excluídas do enredo, mas, pelo contrário, destacadas em sua elementaridade. O plano final do filme é uma indagação sobre a (des)continuidade de ideologias familiares com base num ‘close-up’ no rosto de sua própria filha Rosalie. Aos poucos, a sua vida privada torna-se o tema dominante de seus filmes: o privado é também público quando luta-se por algo – e vice-versa.

Depois do elogiadíssimo realismo de “Sem Teto Nem Lei” (1985), das provocações sexuais de “O Mestre do Kung-Fu” (1988) e da homenagem contratual ao cinema em “As Cento e uma Noites” (1995), Agnès Varda experimenta uma nova verve criativa, em que apresenta a si mesma como personagem e protagonista. Realiza algumas elegias sobre o marido, imediatamente após o seu falecimento, e, depois, erige o marco derradeiro de sua genialidade: os filmes-ensaio. Em “Os Catadores e Eu” (2000), toma como ponto de partida um ensaio audiovisual sobre os trabalhadores das colheitas de batatas, mas leva a cabo um documentário que transcende as fronteiras do gênero, inaugurando um subgênero vardiano, a ser continuado no magnânimo “As Praias de Agnès” (2008). Era comumente homenageada em vida, amada por cinéfilos de todo o mundo…

Em 2017, a diretora recebeu um Oscar honorário pelo conjunto insigne de sua obra. Dançou com Angelina Jolie no palco e foi laureada de maneira elogiosa por inúmeros críticos, que não pouparam loas à sua vitalidade. Neste mesmo ano, realizou o documentário “Visages, Villages” (2017), em parceria com o artista plástico francês JR. Foi indicada ao Oscar por este longa-metragem e, mesmo não tendo sido premiada, chamou atenção positiva por seu caráter jubiloso. Reviveu situações do curta-metragem “Ulisses” (1982), fotografou pessoas comuns em cidades pequenas e, no desfecho, chora ao não ser recebida pelo amigo Jean-Luc Godard. Realizaria mais um filme depois deste, demonstrando uma disposição inaudita para a sua idade. Foi incensada em vida, conscientemente, conforme merecido. Agora que não está mais entre nós, merece a alcunha de imortal. Uma das melhores cineastas de todos os tempos. Parabéns por ser tão incrível, Agnès Varda, por nunca teres perdido a esperança – e obrigado por compartilhar tanto amor conosco!

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