Imagem de destaque: https://mubi.com/en/pt/films/lynch-for-leffest
Se ainda estivesse vivo em 20 de janeiro de 2025, o cineasta estadunidense David Lynch completaria setenta e nove anos de idade. Porém, ele faleceu cinco dias antes, em decorrência de um enfisema pulmonar. A sua influência, entretanto, é imorrível: um dos realizadores mais geniais de Hollywood, ele chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Direção em três oportunidades, por filmes que se tornaram clássicos imediatos, “O Homem Elefante” (1980), “Veludo Azul” (1986) e “Cidade dos Sonhos” (2001), além de ter revolucionado o panorama televisivo, por conta do seriado “Twin Peaks”, criado em 1990, cuja terceira temporada, produzida em 2017, foi escolhida pela revista Cahiers du Cinèma como o melhor lançamento cinematográfico daquele ano. Indubitavelmente, um dos melhores diretores de todos os tempos!
Conhecido por seu estilo onírico, que aproveita a atmosfera de pesadelos para revelar a hipocrisia de cidadãos tradicionais, David Lynch também aventurou-se pela produção musical, sendo que o álbum “The Big Dream”, lançado em 2013, é uma preciosidade: sua voz anasalada casou-se muito bem ao experimentalismo eletrônico pretendido na obra, ideal para ser ouvido entre as sessões de relaxamento por ele propostas, visto que, além das funções supracitadas, o cineasta era também um defensor ativo da meditação transcendental. Era um artista completo, além de um humanista: quem trabalhou consigo elogia o método gentil com que ele conduzia os seus atores, evitando estratagemas sádicos para a obtenção de interpretações atormentadas, requeridas em filmes intensos como “A Estrada Perdida” (1997) ou “Império dos Sonhos” (2006).
Um dos últimos trabalhos de David Lynch [1946–2025] foi a atuação marcante como John Ford [1894-1973], no desfecho do longa-metragem “Os Fabelmans” (2022, de Steven Spielberg), no qual ele pronuncia um extraordinário monólogo procedimental sobre como enquadrar o horizonte em filmes, e que, paradoxalmente, se distancia do que ele fazia em suas próprias obras, visto que o realizador preferia as ambiências noturnas. Uma exceção foi a superprodução “Duna” (1984), tentativa fracassada de adaptar o épico literário de Frank Herbert, que decepcionou quem esperava uma repetição da estranheza detectada em “Eraserhead” (1977). Felizmente, o diretor logo desenvolveria uma parceria frutífera com o astro deste filme, Kyle MacLachlan, que se tornou uma espécie de alter-ego em diversas produções vindouras. E fazemos questão de insistir: qualquer elogio à genialidade de David Lynch será tímido, tamanha a magnificência de seu estilo. É um dos mais influentes realizadores da transição do século XX para o XXI…
Por ocasião de seu falecimento, um micro curta-metragem foi disponibilizado na Internet, “Lynch for LEFFEST” (2018), produzido como justificativa para a sua ausência à edição daquele ano do Lisboa Film Festival, visto que ele não pôde se deslocar para o evento, quando estava sendo homenageado com uma retrospectiva de sua obra. Em menos de dois minutos, acompanhamos o dilema sardônico da boneca Betty, que decepara o seu braço e aguarda a chegada de uma ambulância. Numa fotografia expressionista em preto-e-branco, ela interage com a platéia, informando que David Lynch teria ido embora. Serviu perfeitamente como metáfora de sua partida deste mundo: fisicamente, ele não está mais entre nós, mas o seu legado é perpétuo. Tal como o consolo onírico ofertado pela mãe de um de seus personagens, John Merrick: “nunca nada morrerá”!
Tendo em vista o sobejo de adjetivos elogiosos em relação ao cineasta em pauta, fica evidente que o redator responsável por esta coluna é um fã ardoroso de David Lynch. Como tal, o artista será celebrado através de múltiplas revisões de suas obras, antológicas e fascinantes a cada contato. Receber a notícia de seu falecimento foi como saber da morte de um parente querido, tamanho o baque, o que foi reverberado em diversas publicações, nas redes sociais. Mas David Lynch converteu-se em imortal ainda em vida. Que as novas gerações sigam conhecendo a sua relevância e dando continuidade ao impacto de seus trabalhos. Trata-se de um gênio, no sentido mais explícito da palavra — um dos maiores, aliás!
Wesley Pereira de Castro.