Por mais tarimbado que seja o jornalista — como qualquer profissional —, ele é também um ser humano, de modo que, nalgum momento, deixa-se tomar por sentimentos como desespero e/ou cansaço. Os desmandos que ocorrem durante a temporada de campanhas eleitorais, as repercussões discursivas das denúncias sobre assédio sexual direcionadas ao ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Sílvio de Almeida, e os efeitos sociais e climáticos advindos das queimadas (em sua maior parte, criminosas) que abundam hoje em dia são apenas algumas situações, fartamente noticiadas, que exaurem os jornalistas que, entre outras condições públicas, são também cidadãos. No apogeu de uma crise anunciada, o que dizer — ou, ainda mais urgentemente: o que fazer?
Num terreno midiático em que os truísmos ou as posturas mal-intencionadas (porque contratadas) dos ditos “influenciadores digitais” são dominantes, as fundamentadas opiniões jornalísticas são desvalorizadas, não sendo casual que, durante o abjeto período bolsonarista, atacar os membros da imprensa era uma ação tão coordenada quanto fundamental: vilanizar os jornalistas faz parte de um processo de deslegitimação da apuração de fatos, em detrimento do despejo indiscriminado de opiniões que sequer disfarçam a sua caracterização enquanto incitação ao ódio. “No tempo em que vivemos, é mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito”, exclamou, há várias décadas, aquele que talvez seja o mais famoso dos físicos, Albert Einstein [1879–1955], também conhecido por suas posturas humanistas.
Enquanto ação coordenada, no plano de dominação capitalista, a virtualidade demonstra-se mais determinante que a realidade em si, na percepção contemporânea das relações entre indivíduos e instituições: o título de eleitor e os ingressos para espetáculos são substituídos por códigos eletrônicos, acessados via telefone celular; transações bancárias à distância tornaram sobremaneira rara a manipulação direta de dinheiro, em formato de cédulas ou moedas; e filmes e seriados são consumidos primordialmente através dos serviços de ‘streaming’, que acondicionam os títulos de maneira provisória, em diversos casos. Se quisermos assistir àquele determinado longa-metragem, em preto-e-branco, produzido na fase áurea hollywoodiana, onde encontramos? A pergunta que surge em seguida, por parte de alguns interlocutores, traz consigo forte carga de suspeita: “por que tu queres ver isso?”…
A fim de que as fórmulas narrativas desgastadas de produções específicas das plataformas de ‘streaming’ sejam difundidas como novidades, é essencial fazer com que seus espectadores sintam ojeriza pela História, considerando o que foi lançado noutras épocas como desgastado, obsoleto ou desinteressante. O pasticho é convertido em molde, enquanto os modelos originais são encapsulados numa verve nostálgica que, ao ser retroalimentada, com interesses evidentes, deve ser mantida inalcançável, balizada apenas pela memória afetiva. Expressões como “estragar a infância” foram difundidas estrategicamente, para evitar que as pessoas revejam produções audiovisuais que amaram noutros períodos de suas vidas, de modo que o fascínio provocado por elas não seja “desfeito” pela avaliação crítica. Advêm daí as “homenagens” tramáticas, convertidas em referências diretas ou indiretas de outras obras, e a periculosidade atribuída ao ‘spoiler’, configurando o que, inicialmente, foi apelidado de “netflixização da audiência”, em que os ganchos enredísticos são priorizados sobre as preocupações estilísticas dos realizadores. Os teóricos da Escola de Frankfurt têm surtos, onde quer que eles estejam, vendo os seus piores temores concretizados!
Feita esta apresentação, o texto ora redigido surge como esforço deste colunista para lidar com os píncaros de uma estafa física e emocional, que o acomete há alguns dias. Partindo-se da pergunta “quem lê tanta notícia?”, que Caetano Veloso lança numa canção icônica (“Alegria, Alegria”), convém buscar algum alento nalgo que traz conforto legítimo, simultaneamente entretenedor e informativo. O colecionismo de mídias físicas surge como opção válida, ainda que a aquisição de DVDs não seja uma unanimidade entre os cinéfilos hodiernos: quando surge um produto repetido — como os que são mostrados na imagem que ilustra esta publicação —, é deveras dificultoso encontrar até mesmo encontrar quem aceite estes DVDs enquanto doação. Acontece algo semelhante em relação a algumas tentativas de diálogo, sendo comum as bravatas em redes sociais: “não me ligue, mande mensagem”. Tudo orquestrado por quem se beneficia da desunião entre os seres humanos, insistimos. Façamos a diferença, portanto: vai um DVD aí?
Wesley Pereira de Castro.