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Das possíveis concatenações entre política e religião

Das possíveis concatenações entre política e religião

Até o dia 13 de março de 2013, o nome do argentino Jorge Mario Bergoglio ainda não era tão internacionalmente conhecido. Ao ser eleito papa, na referida data, passou a ser o primeiro a utilizar o nome de Francisco – em homenagem a São Francisco de Assis (1182-1226) –, o primeiro americano a receber tal honraria católica e o primeiro filiado às práticas jesuítas. Sucedeu o papa germânico Bento XVI, depois que este abdicou do cargo, tendo inúmeras críticas por conta de seu autoritarismo, além de comparações indecorosas acerca de sua suposta filiação à Juventude Hitlerista, quando adolescente. Papa Francisco, por sua vez, é alvo de acirradas polêmicas em razão de seus posicionamentos tipicamente latino-americanos, encarados por alguns como semelhantes às incitações comunistas. O que não é de todo inesperado frente ao modo como o pontífice utiliza o adjetivo “revolucionário, admitamos.

Divergências ideológicas à parte, não é um despautério afirmar que o papa atual demonstra-se bem mais progressista que os seus antecessores, conforme percebemos no documentário “Papa Francisco: Um Homem de Palavra” (2018), dirigido pelo consagrado cineasta alemão Wim Wenders. No longa-metragem em pauta, a narração inicial tergiversa sobre o decorrer do tempo, alegando que quem reclama que ele passa rápido demais é porque não o compreendeu. Imagens de um filme antigo representam a trajetória de vida do santo que inspirou o papa. A partir de então, a cerimônia da fumaça branca apresenta-nos à saga contemporânea do papa Francisco…

Exaltando a importância da pobreza – a quem chama de “irmã Pobreza” – em seus discursos, o papa Francisco propõe ao Vaticano uma série de mudanças em relação às posturas eclesiásticas tradicionais, o que faz com que ele seja olhado com desconfiança em relação ao clérigos mais ortodoxos. Os produtores do documentário conseguem penetrar recantos opulentos da zona sacra em que o papa habita, enquanto ele, numa seqüência bastante impactante, realiza uma pregação em que expõe diversos pecados freqüentes dos religiosos hodiernos. Ao criticar a postura lúgubre dos párocos como sendo negativa, a câmera realiza um sutil movimento e expõe os rostos enfastiados de vários religiosos. Em sua derradeira fala, Papa Francisco ratifica a importância do sorriso e do senso de humor enquanto ferramentas de enfrentamento para os males do mundo. A religião assume um caráter acentuadamente político em suas falas, portanto.

Numa estratégia condutiva ousada, mas não inusual em seus filmes, Wim Wenders apresenta a religiosidade do papa argentino num âmbito acentuadamente contestatório, atento aos eventos cotidianos, conforme o próprio pontífice deixa patente em suas falas. A audaciosa rejeição de São Francisco de Assis às suas riquezas, no século XII, configura-se como uma atitude elementar de rechaço à acumulação de bens, celebrada pelo papa através de versículos bíblicos que podem ser interpretados hodiernamente como anti-capitalistas, tal qual aquele que se lê-se em Mateus 6:24: “Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”.

Surpreendendo ao adotar um discurso de forte conotação ambientalista, o Papa Francisco declara que a existência equilibrada do homem no planeta depende de três Ts – Trabalho, Terra e Teto – esclarecendo a relevância de cada um deles numa lógica teológica que “não pode prescindir da ciência”, conforme o religioso acrescenta. Tais declarações encontram eco no posicionamento absolutamente acolhedor, por parte do papa, em relação aos sofrimentos enfrentados por imigrantes e são contrabalançadas, ao longo do filme, por entrevistas que insistem em tocar em temas controversos, como a posição dele em relação às lutas homossexuais ou às denúncias de pedofilia nas igrejas.

Mais uma vez demonstrando uma maturidade responsiva que difere bastante dos posicionamentos intransigentes de seus antecessores, Papa Francisco contextualiza estas pautas, sendo cauteloso para não confrontar de maneira precipitada os dogmas institucionais que precisa defender, o que explica, por exemplo, a sua relutância em legitimar o movimento feminista, ainda que compactue com várias das questões apregoadas pelo mesmo, como quando defende a emergencial inserção de mulheres em posições decisórias. Infelizmente, nas cerimônias conduzidas pelo Vaticano, percebemos apenas homens em posições de poder, mas, para que seja possível a implantação da revolução mencionada pelo pontífice, são essenciais o diálogo e o senso de humor. É um processo em curso, que talvez ainda careça de algumas gerações para ser efetivado.

Traçando um paralelo entre algumas das questões suscitadas pela audiência a este documentário e a guerra ideológica que marcou o último processo eleitoral brasileiro, no afã por percebermos como religião e política estão imbricando-se atualmente, lembramos o quão relevante foi a campanha de cariz evangélico para a eleição do presidente Jair Bolsonaro, não obstante questões discursivas elementares serem postas em xeque. Além disso, foi bastante criticado o comportamento do candidato Fernando Haddad quando compareceu a uma missa católica que converteu-se em palanque eleitoral espontâneo. Mas este será outro debate. Voltaremos a ele. Por ora, ostentemos o sorriso combatente ao qual o Papa Francisco exorta-nos!

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