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As más notícias ficam menos intranquilas em árabe? ‘la, lkn min aldrwryi altwasl!’

As más notícias ficam menos intranquilas em árabe? ‘la, lkn min aldrwryi altwasl!’

Em resposta ao questionamento titular, “não, mas a comunicação é essencial!”.

Neste sentido, em meio ao agendamento de atrocidades que se insurge no jornalismo brasileiro – a possibilidade de reeleição presidencial de Jair Bolsonaro, em 2022, à frente – convém buscar, através do fomento expressivo, toda e qualquer notícia que, sendo verídica e apurada, possa consolar-nos de alguma maneira. Nem que seja provisoriamente…

Conforme já foi enfatizado em mais de uma oportunidade, enquanto incentivo quarentenário para que o CoronaVírus não se espalhe ainda mais pelas ruas, diversas plataformas fílmicas estão oferecendo catálogos maravilhosos de produções não tão acessíveis ao grande público.

Um exemplo bastante aplaudível foi a edição virtual da 2ª Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo, através de iniciativa conjunta do Ministério do Turismo (via Secretaria Especial da Cultura) e do Banco do Brasil. Disponibilizada entre os dias 29 de julho e 23 de agosto de 2020, esta Mostra ofertou gratuitamente aos espectadores cerca de uma vintena de filmes que demonstram a autossustentação industrial do cinema egípcio.

Bastante destacado em relação às filmografias árabes, o cinema do Egito possui uma impressionante variedade de gêneros, desde os musicais característicos até os melodramas, comédias, suspenses e documentários. A perspectiva histórica é recorrente nas tramas, bem como os reveses do fundamentalismo islâmico. E vários destes filmes apresentam as crises da juventude num país em reconstrução após uma muito divulgada revolução recente, possibilitada justamente pelas exortações noticiosas advindas das redes sociais…

Cada qual a seu modo, os filmes exibidos nessa Mostra apresentam aspectos diversificados de um País que vai muito além das pirâmides que o consagraram turisticamente. Um dos títulos mais impactantes, inclusive, ressalta a questão da angústia centrípeta comumente direcionada às mulheres, através do sufocamento convivencial de mãe e filha que cuidam de um parente doente. A recomendação obrigatória: descubram o filme “Saída Para o Sol” (2012, de Hala Lofty). É uma excelente resposta contemporânea (e feminista) ao realismo social apregoado pelo cineasta mais famoso do Egito, Youssef Chahine [1926-2008].

Outro filme que merece destaque é o documentário “Eu Tenho uma Foto” (2017). O ponto de partida é inusitado e assaz interessante: o jovem cineasta Mohamed Zedan analisa uma fotografia das filmagens de um antigo filme egípcio e relembra que, na adolescência, ficara intrigado ao ver um mesmo rosto em várias produções locais, mas não conseguira identificar seu nome nos créditos. Tratava-se do figurante Motawe Ewis, que participou de centenas de filmes e trabalhou com os diretores mais importantes do país…

Requerendo o auxílio de Kamal El-Homossany, amigo do figurante famoso e satisfeito por ser apenas assistente de diretor em inúmeras produções, o documentarista refaz um percurso sobremaneira nostálgico, que encanta os espectadores cinéfilos. Entretanto, algo não programado acontece: o assistente de diretor deseja efetuar esta mesma função no documentário, sem entender direito quais as “motivações dramáticas” das sequências filmadas. Um ótimo filme-dispositivo advém das relações eventualmente conturbadas entre Mohamed, Motawe e Kamal, portanto!

Dentre as curiosidades mais elogiáveis – e que transcende a própria projeção – temos a alegação de que o neorrealismo, em verdade, teria surgido no Egito, numa produção do cineasta Kamal Selim (1912-1946). Porém, são as estórias pessoais de Motawe que fascinam, em seu apelo, referendado pelo documentarista, sobre a necessidade de prestar mais atenção aos figurantes cinematográficos. Prenhe de amor pela Sétima Arte, este filme oferece-nos um catálogo benfazejo sobre uma das filmografias mais ricas da África. Imperdível!

O experimental “O Portão de Partida” (2014, de Karim Hanafy) surpreende pela ousadia na abordagem da depressão. Trata-se de um mergulho intensivo no enfrentamento da dor, a partir das lembranças de outrem. Dedicado à tristeza e ao medo da mãe do cineasta, o filme contamina-nos com este sentimento, e é tecnicamente deslumbrante: a fotografia é sublime, o acompanhamento musical é encantador e os rostos femininos que circundam o protagonista são deveras eloquentes. Ainda que, nalguns aspectos, o resultado geral enfada!

Em mais de um momento, esquecemos que estamos vendo um filme egípcio: o confinamento melancólico e as sobreposições temporais fazem-nos pensar no universo referencial do espanhol Victor Erice, até que algumas canções em árabe são executadas, confortando provisoriamente o langor da mãe e da avó do narrador, que é vigiado por um anjo da guarda. Na tela de abertura, uma profecia: “tu que sempre estiveste aqui, estarás em qualquer lugar”…

Ousadia é algo que também comparece em “Caos e Desordem” (2014, de Nadine Khan). Estruturalmente, o filme obedece a uma metodologia rigorosa: para cada dia da semana, um horário específico (em ordem progressiva) e um caminhão destinado à entrega de um produto diferente. Todo o restante é bagunça – no melhor sentido do termo: o denuncista!

Na periferia de uma metrópole egípcia, situada nas cercanias de um depósito de lixo, esforçamo-nos para identificar os personagens, em meio a tantas cenas de multidão e muito barulho. Pouco a pouco, a história vai se desvendando, como o mais espontâneo dos filmes-painel: há dois grupos em oposição, que agem como pastichos de mafiosos cosmopolitas; há um romance adúltero entre pessoas mais velhas, que temem o escândalo; e há a disputa pelo amor de uma jovem despudorada, que justifica o clímax futebolístico, em pleno domingo à noite, num contexto em que crianças não hesitam em fabricar bombas domésticas a fim de roubarem carne. Na banda sonora, um comentador radiofônico onipresente e canções populares no idioma local, o árabe. E muita, muita algazarra!

A comédia “Não Me Beije” (2017, de Ahmad Amer) opta por um caminho mais controverso, a partir de uma pergunta-chave: o que seria da História do Cinema sem os beijos? Um célebre filme italiano já propôs essa questão, mas ela retorna sob o viés da comédia pastelão, que utiliza de maneira inteligente as referências cinematográficas locais. Em meio às piadas exageradas, há questionamentos importantes sobre o embate entre licenciosidade publicitária e conservadorismo moral.

Na trama, acompanhamos o desespero de um cineasta estreante que esbarra em algo impeditivo: a estrela de seu filme converteu-se subitamente ao rigor islâmico e, como tal, não pode participar de cenas de beijo. Ocorre que a sequência que falta para terminar o filme envolve justamente um enlace sexual, após a impotência inicial do personagem masculino. O roteiro, inclusive, possui uma das mais inusitadas definições da Sétima Arte: “um filme é como uma faca: pode-se utilizá-lo para matar alguém, mas também serve para descascar cebolas”. Isso diz muito sobre as intenções subliminares por detrás desta comédia aparentemente rasteira!

Conforme se percebe nesta breve exposição crítica de um vasto catálogo, opções para suportar a quarentena de maneira cultural são abundantes. As boas notícias existem, espalhadas e abafadas pelos mecanismos de transmissão do pânico, que favorecem as posturas ideológicas da extrema-direita. Esta, infelizmente, beneficia-se de falsas acusações e estímulos à paranoia. Nalgum momento, tudo converge para a necessária comunicação entre aqueles que pensam (e agem) de maneira dessemelhante. De nossa parte, o anseio é firme: insha’Allah!

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