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Acerca de um urgente filme sul-coreano:

Acerca de um urgente filme sul-coreano:

Antes de ser agraciado com a Palma de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Cannes, o diretor sul-coreano Bong Joon-Ho requereu aos jornalistas presentes à sessão de estréia do filme “Parasita” (2019) que não revelassem detalhes cruciais de seu enredo nas resenhas sobre o filme, amplamente elogiosas. De fato, o requerimento faz sentido: a surpresa é um componente fundamental para a melhor fruição desta quase obra-prima contemporânea, que transfere os paradigmas da luta de classes para um viés que não evita certo esquematismo tramático. Porém, tudo o que o diretor apresenta-nos choca até mesmo quando parece ser previsível. Motivo: por mais ridículo que pareça, é tudo lamentavelmente verossímil!

Devido à solicitação do diretor sobre a necessidade de restringir determinadas informações narrativas, é mister incorrer nalgumas generalizações analíticas acerca deste filme enquanto píncaro de seu estilo. Mas, ao fazer isso, perceber-se-á justamente como os traços autorais deste brilhante cineasta manifestam-se: afinal, Bong Joon-Ho é conhecido por subverter imitativamente as convenções genéricas similares aos filmes hollywoodianos e por acumular reviravoltas surpreendentes em seus roteiros assaz elaborados, onde é evidente a sua formação acadêmica em Sociologia. Tudo isso em meio a doses cavalares de um humor perturbador, que faz o espectador questionar-se acerca daquilo que é levado a rir…

“Parasita” inicia-se de maneira francamente direta: seus protagonistas são imediatamente apresentados como pertencentes a uma família oportunista e desempregada. Na cena exordial, o filho Ki-Woo (Choi Woo-Shik) busca desesperadamente um sinal de ‘wi-fi’ aberto no cômodo semi-subterrâneo em que vive com seus familiares. De repente, sua irmã Ki-Jeong (Park Seo-Joon) percebe que há uma freqüência disponível sobre o vaso sanitário. Celeremente, eles acocoram-se na privada, com os telemóveis em punho, a fim de que possam receber mensagens urgentes sobre a contratação de um serviço direcionado à família Kim: eles receberam a incumbência de dobrar centenas de embalagens para uma pequena empresa de pizzaiolos, ficando evidente a sua filiação ao ‘lumpén-proletariado’.

O pai desta família, Ki-Taek (Song Kang-Ho), sente-se envergonhado por conta dos serviços estafantes e mal-pagos a que tem que submeter por estar desempregado e busca informar-se via internet (pequenos vídeos tutoriais do YouTube, para ser preciso) sobre como pode ser mais eficaz no concorrido mercado de subempregos, mas ocasiona problemas para a esposa Choong Sook (Jang Hye-Jin), pois é inábil na dobradura das embalagens de pizza supracitadas, enquanto exemplo imediato. Até que ocorre algo que impulsiona os piores instintos sobrevivenciais desta família depauperada: um amigo de Ki-Woo convence-o a forjar um diploma universitário, de modo que ele possa ocupar-se como professor de Inglês para a filha adolescente de um riquíssimo empresário, o Sr. Park (Jo Yeo-Jeong). E é aí que as surpresas começam…

De maneira bastante acelerada, Ki-Woo consegue penetrar em âmbitos relacionais com a família Park que vão muito além da mera contratação docente inicial. E, neste ponto, o filme escancara o seu brilhantismo, fazendo-nos gargalhar de situações sobremaneira angustiantes para quem as vive, demonstrando os aspectos mais vilanazes da fase atual do capitalismo tecnocrático e especulativo. Pouco a pouco, toda a família Kim passa a freqüentar a residência da família Park, e as conseqüências desta convivência forçada evidenciarão preconceitos classistas indisfarçados e uma violência intensificada, que advém do esforço renitente dos pobres em subjugarem os ricos (e/ou vice-versa). Bong Joon-Ho apresenta-nos a uma visão bastante sardônica de marxismo, portanto.

Sem querer estragar nenhuma das inúmeras surpresas que instalam-se nos 132 minutos de duração deste filme extraordinário, vale a pena adiantar que dois alvos-chave são apontados pelo diretor e roteirista: de um lado, interesses midiáticos envolvendo o conflito longevo entre a Coréia do Sul, democrática e consumista, e a Coréia do Norte, ditatorial e socialista; do outro, a proliferação dos gurus de autoajuda financeiro-motivacional [os chamados ‘coaches’], que servem-se de um linguajar falsamente esotérico para justificar ideologicamente quaisquer (in)ações sociais. Em relação ao primeiro caso, num momento sumamente genial, uma personagem oprimida – mas num átimo de vingança – imita zombeteiramente um discurso do líder norte-coreano Kim Jong-Un. Em relação ao segundo caso, cabe a escritura de um parágrafo à parte.

Ao longo de todo o filme, o protagonista juvenil Ki-Woo, verdadeiro artífice da invasão doméstica em pauta, tenta justificar as suas decisões circunstanciais a partir de uma lógica impregnada de misticismo consolador, como dotar de significação exacerbada as coincidências diuturnas ou devotar um poderio energético imaginário em relação à pedra exótica que recebe de um amigo. Na desconcertante seqüência final, tais elementos ressurgem de maneira ressignificada, comprovando a inteligência altissonante deste filmaço merecidamente laureado. Para além de suas variegadas qualidades cinematográficas, “Parasita” é um verdadeiro tratado sociológico sobre as mazelas da contemporaneidade. Um filme obrigatório!

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